Discurso durante a 134ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Voto de pesar pelo falecimento do ex-Governador Miguel Arraes, ocorrido no dia 13 do corrente, em Recife-PE.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Voto de pesar pelo falecimento do ex-Governador Miguel Arraes, ocorrido no dia 13 do corrente, em Recife-PE.
Publicação
Publicação no DSF de 16/08/2005 - Página 27566
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MIGUEL ARRAES, EX GOVERNADOR, EX-DEPUTADO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB), ELOGIO, VIDA PUBLICA, LUTA, DEFESA, TRABALHADOR RURAL, POPULAÇÃO, REGIÃO NORDESTE.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem tive um profundo desejo de comparecer aos funerais de Miguel Arraes; infelizmente, também sofri a perda de uma irmã e não pude cumprir com esse dever de consciência. Miguel Arraes foi um símbolo da sua geração.

Havia um grande poeta que, na minha geração líamos muito, Rainer Maria Rilke, que, numa carta diz que, ao saber da morte de Rodin, chegara à conclusão de que "todos os grandes homens já morreram". Era a sensação do fim das gerações, de como uma vai passando às outras a tarefa de continuar a aventura do homem na face da Terra.

Miguel Arraes marcou uma etapa da vida política brasileira. Tive com ele muitas convergências e também - por que não dizer - profundas divergências. Quando comecei a minha vida pública nacional, como Deputado Federal pela União Democrática Nacional, Arraes era um homem que, de certo modo, tinha conexões com a UDN, que o apoiou na candidatura à Prefeitura do Recife. Foi funcionário do Instituto do Açúcar e do Álcool, então presidido por Barbosa Lima Sobrinho, de quem foi Secretário da Fazenda e com quem teve grande amizade. Arraes era também ligado por relações de família a Cid Sampaio, um dos grandes nomes da UDN.

Arraes começou a vida pública como primeiro suplente de deputado estadual em 1946, eleito pelo Partido Comunista Brasileiro.

Podemos dizer de Arraes o que Euclides da Cunha falava na distinção entre jagunço e o cangaceiro. Ele dizia que o jagunço era um homem paciente, perspicaz e calmo, contrapondo-se ao cangaceiro que era um homem da faca, do tiro, de pavio curto. Arraes - aliás, essa imagem também já se fez em Pernambuco - era um desses jagunços da política memorável e simbólica do sertão. Era um homem paciente, perspicaz, perseverante, um homem de bem e calmo. Com essas qualidades, enfrentou toda a sua vida, que foi uma vida rica, em que todas as portas foram abertas à sua carreira política - deputado estadual, deputado federal, Prefeito de Recife, governador três vezes, voltando a ser deputado federal. Seria candidato à Presidência da República em 1965 - eu me recordo - ele e o Brizola, quando veio a Revolução de 64. Foi a única porta que não lhe foi aberta para o triunfo político.

Arraes marcou a sua presença na vida pública nacional, longa vida pública, pelas idéias em que soube ser pioneiro.

O que vai ficar do Arraes? Vai ficar aquela figura legendária do político que foi capaz de despertar fidelidades a multidões e a gerações da sua terra e do Brasil. Foi um político carismático. Mas, certamente, vai marcar a figura do Dr. Arraes aquilo que ele fez no seu Estado, sendo o pioneiro da luta pela libertação do homem do campo. Essa é, com certeza, a marca que partiu como base de toda ação política do Arraes.

No famoso Acordo do Campo, aos plantadores de cana apontou um caminho que não o da escravidão; por meio do Acordo do Campo, considerado por muitos como clientelista - muito ele foi acusado por isso -, estabeleceu entre sindicatos rurais, sindicatos patronais, usineiros e Governo do Estado, uma solução de compromisso. E, com essa solução, levou ao homem do campo de Pernambuco o mesmo tratamento do trabalhador urbano; levou a CLT aos plantadores de cana. Com isso, estimulou um movimento que não parou mais e que, partindo do Nordeste, se desdobra hoje nos movimentos sociais pela terra, nos movimentos da reforma agrária. Com essa posição, Arraes marcou a sua vida.

Curtiu o exílio e voltou nessa coisa fantástica da família nordestina, acompanhado dos seus dez filhos, sendo recebido com o mesmo entusiasmo que marcou a sua vida e a sua liderança em Pernambuco.

Era um homem generoso também. A história de Pernambuco recorda uma reunião em que estava com seus correligionários, quando um deles lhe cobrou pela manifestação de gestos de carinho a um adversário. E ele respondeu: "ninguém me cobre jamais que possa estabelecer vínculos políticos de separação com os meus amigos". Outra vez nomeou Governador de Fernando de Noronha o coronel que foi seu carcereiro quando ali esteve preso. Perguntado porque o fizera respondeu: “Porque é um homem digno que me tratou com humanidade.”

Assim ele era. Era aquele homem do sertão, cearense do Crato, que veio para Pernambuco e que se tornou pernambucano por todos os sentimentos e por toda a sua liderança.

Quando Presidente da República, algumas vezes, estive em Pernambuco visitando com Arraes o sertão pernambucano e via - sem entender, mas entendendo - aquelas multidões que só queriam passar a mão no Dr. Arraes, como se ele fosse um deus sagrado. Com ele visitei Correntes, terra da minha mãe, da minha metade pernambucana, que dali saiu na seca de 1921 em busca dos vales úmidos do Maranhão, e vi o carinho que a ele dedicava o povo.

Portanto, o Brasil perde uma legenda da sua vida pública, um mito brasileiro, mas perde, sobretudo, um mago dos sertões pernambucanos, que tinha a magia de impor às multidões o exemplo da sua vida, do seu caráter e do seu trabalho.

Ocupo esta tribuna para reverenciar e, ao lado dos Srs. Senadores, estabelecer este momento de silêncio em que o Senado encerra sua sessão para pensar na figura de Miguel Arraes.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/08/2005 - Página 27566