Discurso durante a 141ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do centenário de nascimento do escritor Érico Veríssimo.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do centenário de nascimento do escritor Érico Veríssimo.
Publicação
Publicação no DSF de 25/08/2005 - Página 28898
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, ERICO VERISSIMO, ESCRITOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), LEITURA, TEXTO, DEPOIMENTO, ELOGIO, OBRA LITERARIA.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, LUIS FERNANDO VERISSIMO, FILHO, ERICO VERISSIMO, ESCRITOR, PUBLICAÇÃO, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ANALISE, CRISE, POLITICA NACIONAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente do Senado, Renan Calheiros, Sr. Presidente, Ministro Nelson Jobim, do Supremo Tribunal Federal, Sr. Vice-Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Antonio Hohlfeldt, Exmº Ministro do Tribunal de Contas da União e membro da Academia de Letras, Marcos Vinícios Vilaça, caro Luiz Fernando Verissimo, sua senhora, Lúcia, Srs. Embaixadores e Embaixadoras, foi na minha adolescência que li Olhai os Lírios do Campo e comecei a me encantar por Erico Verissimo e também a ter o gosto por ler livros.

            É tão importante que possamos ter escritores que saibam descrever sobre a alma do povo brasileiro, a sua história, os seus maiores anseios de realização de justiça, de busca de solidariedade, de como podemos superar dificuldades, e sabermos beber nas palavras de Érico Veríssimo um extraordinário conhecimento!

            Resolvi escolher, para homenagear Erico Verissimo, três textos - talvez não possa lê-los todos - de pessoas que o conheceram muito bem e que foram os premiados do Concurso Literário das Livrarias Curitiba porque falaram muito bem a respeito deste escritor, como Maria Regina Saraiva:

            Erico Verissimo e minha infância

“Estava eu entre a infância e a adolescência, quando vim morar em Porto Alegre. Nasci no interior, numa localidade chamada Quintão; meus pais eram agricultores e por lá permaneci até os 12 anos de idade.

Por volta dos quase 13 anos, meus tios, juntamente com meus pais, decidiram que eu deveria morar com eles em Porto Alegre, para poder estudar e ser alguém na vida. Assim eles decidiram e só me restava cumprir, pois criança não tinha voz nem vez.

Por mim, teria continuado lá, brincando com os bichos, montando no meu cavalo preto, admirando minhas árvores carregadinhas de orquídeas, que eu tanto amava! Assim foi decidido, e me trouxeram para Porto Alegre. Meus tios moravam ao lado da casa de Érico Veríssimo e Dona Mafalda. A casa ficava na Rua Felipe de Oliveira 1427, geminada com a de seu Érico. Isso por volta do ano de 1958 ou 1959.

Quando cheguei aqui, fiquei encantada com as luzes da cidade!

Lembro-me de que alguns dos meus deveres de casa era varrer o pátio e a calçada da rua, todas as manhãs. Então foi aí que conheci o seu Érico, pois ele tinha o hábito de fazer sua caminhada na rua, e passava na calçada onde eu estava varrendo e sempre conversava comigo, quando formou-se uma grande amizade; ele era o vizinho mais querido da Rua Felipe de Oliveira.

Minha tia era muito amiga de Dona Mafalda; costumavam todas as manhãs, conversarem nos fundos do quintal por cima do muro. Comentavam que o menino Luiz Fernando gostava de tocar uma flauta e era muito chegado à música.

Certo dia me senti muito, digamos, “importante”: seu Érico se dirigiu a mim, na calçada, e me disse: minha filha, você tem que adquirir o gosto pela leitura desde cedo!

Pegou-me pelo braço e me disse: vem comigo, vou te mostrar a minha biblioteca. Ao entrar na sua biblioteca me encantei com tantos, tantos livros! Era uma parede cheia de livros e eu fiquei emocionada e feliz, pois nunca tinha visto nada igual! Aí ele apanhou na prateleira vários dele, colocou numa sacola e me deu de presente, dizendo: comece a ler estes, e depois vou te dar outros. Me lembro que um era Gato Preto em Campo de Neve e outros Olhai os Lírios do Campo e Clarissa. Tenho a honra de dizer que seus livros foram os primeiros romances que li na minha vida. Tal como ele havia recomendado, peguei o gosto pela leitura, me tornei uma viciada em livros.

Este hábito eu devo ao seu Érico que hoje, com muitas saudades, lembro dele passeando pela Rua Felipe de Oliveira, e é como se fosse ontem. O tempo parece que não passou para mim que tanto o admirava. Nem imaginava que ia se tornar tão famoso, o escritor de todos os tempos.

Só posso dizer-lhe, onde ele estiver, o meu “muito obrigada” por ter feito daquela criança, estudante do Ginásio Santa Inez, uma pessoa que gosta de ler como ele assim quisera e aconselhou.

Se pudesse dar um ALÔ para ele, diria:

Muito obrigada!

Aquela menina que o senhor aconselhava a ter gosto pela leitura é hoje uma professora aposentada que sempre falou o mesmo para seus alunos e hoje fala para os adultos: leiam, leiam muito, PRINCIPALMENTE os livros que o “seu Erico” nos deixou!”

            E de uma outra moça, também premiada, Ledir Maria Smith:

            Eu Encontrei Erico

“Era uma garota de 15 ou 16 anos e cursava o ginásio. Como toda garota dos anos dourados (década de 50) tinha muitos sonhos. Acabava de ler um romance que me deixou embevecida, pois o escritor entendia tanto do meu mundo que fiquei fascinada.

Como um homem podia saber o que se passava na cabeça de uma menina? Como ele sabia como reagiria a determinadas situações? Havia certas impressões e reações em CLARISSA que o autor tirara de mim. Como, se ele não me conhecia?

Ao chegar no final do livro, eu estava apaixonada. Sim, eu estava literalmente apaixonada por aquele escritor.

Foi quando o Ginásio Estadual Cândido José de Godoi escolheu algumas alunas para participarem de um encontro com outros estudantes no Colégio Israelita, no sábado às 15 horas.

Eu não estava acreditando, pois finalmente eu iria conhecer o meu Erico Verissimo. (Sim, porque era assim que eu me sentia: sua dona).

Quando ele se aproximou de nós (pois seria um bate papo informal), tive mede que ele percebesse e descobrisse o que eu sentia por ele. Era algo indefinível. Lembro até hoje a roupa que usava: calça e colete cinza, camisa branca, gravata com detalhes preto/cinza e um casaco de lã.

Fiquei estática quando ele começou a falar. Eu “bebia” suas secas palavras. Parecia que o mundo estava muito próximo do meu. Mas como isto podia acontecer? Ele era o meu Erico Verissimo, era o meu semideus.

Foi então que percebi que todos estavam hipnotizados por ele. Eu nunca vira um homem com um olhar tão doce, tão sereno e tão perspicaz. Um homem tão sério e tão humilde. Existia muito carinho em sua voz.

Quando terminou o encontro, eu queria segui-lo, pois pretendia ouvi-lo mais. O tempo passou, cresci e amadureci. Mas o meu devotamento a ele não foi abalado. Li todos os seus livros. Conheci todos os seus personagens: amei alguns e odiei outros. Viajei com ele pelo mundo.

Hoje, aos 62 anos de idade, se alguém me pedir para citar um dia feliz da minha vida, o primeiro que vem à memória é um sábado, à tarde, no colégio Israelita, às 15h com o Erico Verissimo.”

Olhem como um escritor consegue mexer tanto com as pessoas, até com uma menina! Ele que soube escrever os sentimentos daquela moça, Clarissa, de maneira tal que essa moça estava tão impressionada com a capacidade extraordinária desse escritor.

Quando faleceu, disse Carlos Drummond de Andrade:

“A Falta de Erico Verissimo”

Falta alguma coisa no Brasil

depois da noite de Sexta-feira

Falta aquele homem no escritório

a tirar da máquina elétrica

o destino dos seres,

a explicação antiga da terra.

Falta uma tristeza de menino bom

caminhando entre adultos

na esperança da justiça

que tarda - como tarda!

a clarear o mundo.

Falta um boné, aquele jeito manso,

aquela ternura contida, óleo

a derramar-se lentamente,

falta o casal passeando no trigal.

Falta um solo de clarineta.

Ah, mas o Senador Pedro Simon gostaria, hoje, ao lado dos Senadores Sérgio Zambiasi e Paulo Paim, e o nosso Presidente Renan Calheiros, e o Presidente Nelson Jobim, que pudéssemos ter Erico Verissimo falando as coisas que todos gostaríamos de ouvir hoje.

E será que podemos trazer Erico Verissimo para dizer algumas palavras a mim, que sou do PT, ao Presidente Lula, à nossa Bancada de Senadores do PT, Paulo, e a todos os 81 Senadores, aos amigos, à Dona Lúcia, que está aqui, e a seus parentes?

Sim, há uma maneira!

Por que razão?

Felizmente, Erico Veríssimo nos deixou uma obra, das principais de todas. E qual é essa obra? Está aqui presente: é o Luis Fernando Verissimo, seu querido filho.

(Palmas.)

E, por intermédio, do Luis Fernando Verissimo, nós podemos ouvir um pouco de Erico Verissimo hoje.

Então, gostaria de concluir lendo a última crônica de Luis Fernando Verissimo, que traz o sentimento, obviamente, acredito, de Erico e também de uma de suas principais obras. Permitam-me aqui ler “Parcialidades”, publicado no dia 21 último, em O Globo:

Leitores têm estranhado minha reticência em relação ao escândalo que domina o noticiário e as conversas e ameaça fazer o Brasil cair no caos, ou nas mãos do Severino. Estranho a estranheza. A reticência não é tanta assim, tenho dado meus palpites. Mas alguém esperava que eu fosse participar de um massacre só para parecer imparcial? Critico o governo Lula desde que ficou claro que sua política econômica seria a do PSDB e que iria de Malan a pior e não tenho nenhuma ligação com o PT fora a simpatia declarada e alguns amigos. Mas não devo nenhum tipo de contrição pelo que acreditava e não vou contribuir nem com silêncio constrangido para a tese, propagada com furiosa euforia pela direita, de que a ruína do PT é a ruína definitiva da esquerda no Brasil e a prova de que um governo de origem popular não tem competência nem para esconder sua sujeira sob o tapete, como gente mais preparada - sem falar nos seus erros de português - o que dirá administrar um país? O PT que saia, se puder, do lodaçal em que se meteu e - para repetir o mantra do momento, nem sempre dito com muita sinceridade - que tudo seja investigado e todos os culpados sejam punidos, mas que se chame o fervor ideológico que move certos políticos e certa imprensa pelo seu nome verdadeiro: massacre.

Não sou imparcial. Sou parcial a tudo que prometo a nos tirar desta triste rotina de oligarquias eternizadas e privilégios intocáveis, ou miséria eternizada e submissão intocável, e a esta outra triste rotina de governos de esquerda abatidos no nascedouro - quando não se autodestroem. E, claro, ao Internacional e ao Botafogo, mesmo quando não merecem.

No Brasil, ser objetivo é quase uma forma de cumplicidade.

Ora, a sua reflexão faz-nos todos pensar. Eu, que sou do PT e quero, com tanto carinho, que o Presidente Lula acerte, espero que Sua Excelência possa refletir sobre as suas essas recomendações, que têm tanto a ver com aqueles trechos sobre o pensamento político de Erico Verissimo, seu pai, quando ele aqui dizia que Paulo Brossard viria ao Senado defender os direitos fundamentais da pessoa humana, conforme a “Declaração dos Direitos da Pessoa Humana” da ONU, lutando para que haja a liberdade e solidariedade e para que não haja mais aquela violência. A violência que, um dia, o fez pensar como será próprio que todas as pessoas superem todas as ações que levam os homens e as mulheres, às vezes, à guerra, mas que precisam saber modificar isso.

Então, com esse seu sentimento, que é também uma homenagem ao sentimento e à percepção de seu pai, quero muito cumprimentar Pedro Simon por nos ter trazido esse dia tão belo de recordação das palavras de Erico Verissimo.

Muito obrigado.

(Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/08/2005 - Página 28898