Discurso durante a 141ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do centenário de nascimento do escritor Érico Veríssimo.

Autor
Sérgio Zambiasi (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Sérgio Pedro Zambiasi
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do centenário de nascimento do escritor Érico Veríssimo.
Publicação
Publicação no DSF de 25/08/2005 - Página 28901
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, ERICO VERISSIMO, ESCRITOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ELOGIO, OBRA LITERARIA.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS. Pela Liderança do PTB. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, autoridades já nominadas, Srªs e Srs. Senadores, convidados, família homenageada, Luis Fernando e esposa, inicio minhas palavras enaltecendo um brasileiro que é, antes de tudo, grande símbolo, grande exemplo para todos nós, uma pessoa muito querida, muito admirada e respeitada por todos e que teve a iniciativa de propor esta homenagem a Erico Verissimo. Refiro-me ao nosso querido Senador gaúcho Pedro Simon. Obrigado pela oportunidade, que nos está oferecendo, de fazer nossa manifestação hoje, aqui.

E olhem que falar depois dos Senadores Pedro Simon e Eduardo Suplicy não é tarefa simples; não é nada fácil. E falar sobre a vida, a obra de Erico Verissimo na presença de sua família é uma enorme responsabilidade. Mas, para um gaúcho que se orgulha da sua terra, da sua cultura, da sua gente, falar em uma homenagem a Erico Verissimo é, antes de tudo, uma honra, seguida de imensa alegria.

Nunca é demais falar sobre esse ilustre brasileiro! Penso que quanto mais sua obra for lida, comentada e seus feitos enaltecidos, melhor para todos nós.

Erico Verissimo! Filho de Cruz Alta! Esse é o ano de seu centenário e o Brasil o reverencia saudoso e orgulhoso, a um só tempo. Erico pertenceu a uma geração privilegiada de brasileiros que pôde acompanhar as primeiras décadas do século passado, período de grandes transformações internacionais, nacionais e regionais. Vivenciou profundas mudanças na estrutura política, econômica e cultural de nossa região e também do Brasil. Erico viveu intensamente o seu tempo.

A partir de 1930, quando suas histórias começaram a ser publicadas, primeiro em revistas, depois no Correio do Povo, em Porto Alegre, mudou-se definitivamente para a capital. Desde então, enfrentou as vicissitudes que a vida lhe impôs e fez da literatura sua vocação exclusiva, só aceitando empregos com ela relacionados.

Nessa época, já casado, as contas domésticas lhe pesavam no fim do mês. Trabalhava mais de 12 horas por dia como tradutor da Editora Globo. Escrevia poemas infantis para o rádio e páginas femininas para os jornais. Usava os fins de semana para produzir literatura.

Analisou, com o brilho da sua inteligência, utilizando os instrumentos e as técnicas que a literatura e a reflexão intelectual permitem, as transformações pelas quais a sociedade de sua época passou. Focou suas análises nos detalhes, nos contrastes entre os dilemas humanos e os engendramentos das tramas sociais, cujos conflitos existenciais o escritor tão bem entendera. A riqueza maior da sua obra está, além da diversidade e criatividade, na capacidade de captação da essência das relações entre as pessoas, dos seus anseios e contrastantes visões de mundo; dos conflitos entre os universos regionais e outras dimensões sociais que permeiam a existência humana e movimentam as instituições.

            Erico sempre foi muito autocrítico, costumava dizer: “Meus primeiros livros foram escritos às pressas, com as aparas do tempo”. E se queixava: “Não poucos críticos continuaram a julgar minha obra por esses primeiros romances”. Mas o crítico Wilson Martins, ao estudar o Modernismo, fez questão de afirmar:

Em toda essa época, Erico Verissimo foi, certamente, o mais popular de todos os romancistas modernos do Brasil e o mais injustiçado pela crítica; houve sempre contra o escritor, por parte desta última, uma atitude de reserva, se não de hostilidade, que se explica, antes de mais nada, pelo marginalismo que o situava ao lado das correntes literárias em voga.

Tornou-se um escritor popular depois da publicação de Olhai os Lírios do Campo, romance marcado pelo lirismo e encanto ao revelar a saga de pessoas envolvidas em situações existenciais e submetidas ao jugo das pressões externas sobre as vontades individuais. Um lindo romance, sem dúvida.

Desde sempre apresentou, como escritor, uma inclinação para a realidade regional, tornando-se um legítimo representante gaúcho do regionalismo modernista.

A grande obra de Erico Verissimo, que lhe traria fama e consagração internacional, foi a trilogia de romances épicos O Tempo e o Vento, que escreveu entre os anos 1947 e 1960, na qual conta a história de uma família gaúcha em várias gerações. Foi a formação social do Rio Grande do Sul que lhe forneceu elementos para a construção dessa grande saga, um verdadeiro monumento literário.

O primeiro volume, O Continente, saiu em 1949, e é considerado, tanto pelo autor como pelo críticos, uma obra-prima. Quando foi traduzido e lançado na Alemanha, bateu todos os recordes como livro latino-americano mais vendido naquele país - em 1972 alcançara uma tiragem de 320 mil exemplares, algo realmente fantástico!

As três obras compõem um ciclo em que o escritor, usando a técnica do contraponto, apresenta as batalhas entre portugueses e espanhóis pela posse da terra nos tempos coloniais; narra as lutas separatistas, como a Guerra dos Farrapos e as disputas entre maragatos e florianistas. Segundo o próprio autor, foi o livro mais franco e mais livre de inibições que escreveu.

Como escritor, foi dos mais versáteis e criativos.

A partir de 1943, com a publicação de O Resto É Silêncio, uma mudança estrutural ocorre na essência de sua obra. Desde então, sua cosmovisão ampliou-se. Abandona os destinos e intrigas individuais para inserir seus personagens num quadro sociológico mais complexo e busca na história temas épicos e, na política internacional, inspiração para livros sobre assuntos atuais.

Nessa fase, o escritor dá um salto profundo e adentra o imaginário nacional com os seus dilemas existenciais e conflitos políticos e estruturais, revelando-se um grande analista do drama nacional a partir do enfoque regional.

Mas a atormentada auto-análise do escritor em relação à sua obra continuou vida afora, desconcertando até os críticos. Uma frase constante nas muitas entrevistas que concedeu era: “Eu me amo, mas não me admiro”.

Dizia ao crítico Antonio Hohlfeldt, hoje Vice-Governador do Estado, aqui representando o Governador Germano Rigotto e nos alegrando e orgulhando com sua presença:

Confesso que cheguei a um ponto de saturação, autonáusea de minha obra literária, que me torna um pouco difícil escrever... e ao mesmo tempo ando tão apaixonado por literatura... Há tantas coisas novas que eu nem conheço. É por um enorme amor à vida que a gente faz arte. Multiplico minha vida na criação da dos outros.

Politicamente, Erico não hesitou em atacar abertamente os responsáveis pela ditadura, recusando submeter qualquer escrito seu à censura prévia. Segundo ele, “fazer isso seria uma triste forma de suicídio moral”.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Parlamentares, ilustres convidados, este é um momento solene, e é exatamente nesses valiosos instantes que podemos reverenciar aqueles que muito fizeram para o engrandecimento de sua terra e para o desenvolvimento de nossa cultura, hoje tão rica pela diversidade quanto pela criatividade. É para mim motivo de orgulho relembrar a memória e a obra de Erico Verissimo, ilustre escritor gaúcho e brasileiro.

Erico permanece entre nós. Sua obra é realmente inesquecível, sabemos. E permanece também na pessoa do grande escritor Luis Fernando Verissimo, seu filho, tão versátil e criativo como o pai, mas com identidade própria e capacidade de nos envolver emocional e intelectualmente, como Erico. O Brasil precisa de mais escritores da estirpe dos Verissimo!

Luis Fernando, dirijo a V. Sª as minhas últimas palavras nesta homenagem a seu pai. Agradeço à vida por ter nascido no mesmo Estado que os Verissimo. Agradeço a vocês pela inestimável contribuição à nossa cultura. A família Verissimo é verdadeiramente motivo de orgulho para todos nós. Que a vida abençoe profundamente, regiamente, todos vocês!

Muito obrigado.

(Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/08/2005 - Página 28901