Discurso durante a 144ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem ao ex-Presidente Getúlio Vargas. (como Líder)'

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao ex-Presidente Getúlio Vargas. (como Líder)'
Publicação
Publicação no DSF de 27/08/2005 - Página 29145
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, DETALHAMENTO, CONTRIBUIÇÃO, HISTORIA, MODERNIZAÇÃO, BRASIL, LEITURA, TRECHO, CARGA, TESTAMENTO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero justificar a minha volta à tribuna na manhã de hoje.

Como Líder do PTB, não pude fazer, no dia 24, homenagem ao nosso querido Getúlio Vargas, e, já que ontem o Presidente Lula citou o seu nome, é oportuno que, como Líder do PTB, eu faça esse registro hoje.

Sr. Presidente, a construção da memória de um país é resultado dos exemplos edificantes das mulheres e dos homens que nos precederam. No templo da memória, os despudorados, os facínoras, os pigmeus morais e os corruptos são olvidados, e a consciência nacional cristaliza, no longo curso, os exemplos das grandes figuras que, com o seu trabalho, constroem o nosso futuro comum.

Getúlio Dornelles Vargas foi uma dessas figuras iluminadas, que fizeram toda a diferença, em nosso passado recente. Por essa razão, o 24 de agosto de 1954, data do seu dramático suicídio, vem sendo lembrado ano a ano, em um Brasil a cada dia mais carente de estadistas.

Estadista, Vargas soube ser ao longo de sua admirável trajetória política. Tendo liderado a Revolução de 30, ele assumiu a Presidência da República para cumprir, no seu longo período de governo, o papel de modernizador esclarecido de um País até então arcaico, provinciano, agrário-exportador e paralisado por suas contradições mais profundas.

A Proclamação da República, ocorrida nos fins do século XIX, mais exatamente em 15 de novembro de 1889, mostrou-se insuficiente para democratizar o Brasil e fazer coincidir os interesses dos governantes com as expectativas dos governados. Como no dia da proclamação, o povo continuou a assistir, por muitos anos, às disputas intra-elites pelo poder, até que a Revolução vitoriosa, a partir de 1930, iniciou o processo de reconfiguração de um Brasil trágico, que, para a nossa mais imensa alegria, há muito deixou de existir.

Em momentos de crise como o presente, a evocação do legado de Vargas é uma tarefa fundamental para nos inspirar e nos fortalecer o espírito, na medida em que o caudilho gaúcho, a despeito do seu perfil autoritário, foi um admirável modernizador, responsável direto pela criação da Justiça do Trabalho e pela instituição do salário mínimo. Ao mesmo tempo, direitos esparsos em nossa legislação foram reunidos na Consolidação das Leis do Trabalho, que garantiu à espoliada mão-de-obra brasileira a carteira profissional, as férias remuneradas e a limitação, em 48 horas, de sua jornada semanal de trabalho.

Ao longo do Governo Vargas, a produção brasileira foi também modernizada com o surgimento de empresas estatais muito competitivas, como a Companhia Siderúrgica Nacional, a Vale do Rio Doce, a Hidrelétrica do Vale do São Francisco, a Petrobras, os Bancos do Nordeste e da Amazônia, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - atual BNDES, os Institutos do Café, do Cacau, do Açúcar e do Pinho, entre tantas outras iniciativas de valor para o progresso material do povo brasileiro.

Getúlio tinha idéia fixa pelo progresso social, e essa marca de seu Governo também percolou a própria estrutura do Estado, visto que o gaúcho de São Borja foi responsável pela criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, e da Previdência Social e pela modernização administrativa da máquina pública, mediante a contratação de servidores por concursos públicos.

Durante a Segunda Guerra, as negociações entabuladas por Vargas com os Estados Unidos...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RO) - Sr. Presidente, solicito a tolerância de V. Exª, dada a importância do registro que, modestamente, tento fazer.

Durante a Segunda Guerra, as negociações entabuladas por Vargas com os Estados Unidos, para a adesão do Brasil às forças aliadas, renderam inestimáveis ganhos para a Nação brasileira. O Presidente, no alto de sua lucidez política, soube manter uma posição ambígua, aparentemente contraditória e paradoxal de modo a encarecer o ingresso do Brasil na guerra.

Naquele momento da nossa história, mantínhamos um elevado nível de comércio com a Alemanha, e o próprio perfil do Presidente sugeria uma natural proximidade com as forças do Eixo.

Getúlio soube conservar, com imensa sabedoria, as ambíguas reticências em sua tomada de posição, o que foi denominado, pelo saudoso historiador Gerson Moura, de “política da eqüidistância pragmática”. Por ela, Vargas obscureceu suas preferências entre o Eixo e os aliados, para maximizar os ganhos do ingresso brasileiro na guerra.

Os Estados Unidos necessitavam de uma base na região Nordeste, para que suas Forças Armadas pudessem atuar no teatro de guerra africano. Porém, Vargas, com toda a sua maestria e inteligência, negociou com calma e parcimônia até obter o reequipamento do nosso Exército pelos Estados Unidos e a participação direta do Brasil no conflito, o que faz do nosso País o único da América do Sul a figurar entre os vencedores.

Coroando a sua irretocável “política da eqüidistância pragmática”, Getúlio obteve financiamento para a construção Companhia Siderúrgica Nacional, o melhor resultado das negociações que mantivemos com os Estados Unidos, que são, atualmente, importadores do competitivo aço brasileiro.

            O governo norte-americano, de modo absolutamente inédito e contrariando a própria lógica dos seus interesses, financiou uma empresa pública estrangeira.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RO) - Esse resultado das negociações representa uma fulgurante vitória de Vargas, pois a CSN está na base da nossa industrialização.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não seria exagerado afirmar que a figura de Getúlio Vargas é a mais rica, exuberante e admirável, entre todos os políticos brasileiros no século XX. O seu suicídio, no momento em que ofereceu a sua própria vida em holocausto ao povo brasileiro, representa uma chaga ainda aberta na memória do País.

Neste momento desconfortável em que o povo se ressente do abandono de suas esperanças, neste momento triste, em que tanto o medo quanto a esperança parecem ter sido derrotados pela ganância hipócrita, cínica e desbragada, é importante relembrarmos Vargas, que foi, acima de tudo, um homem honesto, que passou a vida fazendo política sem se locupletar com a res publica.

Termino a minha fala com a leitura de um trecho da dramática carta-testamento de Vargas, que merece ser evocada em nosso luto pelos atuais acontecimentos envolvendo o Governo e em nossa luta pela honestidade e lisura no âmbito da política.

Escreveu Vargas:

Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado; quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos; quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. O meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RO) - Continuo a leitura, Sr. Presidente:

Ao ódio respondo com o perdão aos que pensam que me derrotaram, respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna, mas esse povo de quem fui escravo não será mais escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma, e o meu sangue será o preço do seu resgate.

Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram o meu ânimo. Eu vos dei a minha vida, agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente, dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.

Srªs e Srs. Senadores, Getúlio não passará. Nesse 24 de agosto, é importante orarmos, permanentemente, em silêncio obsequioso pela alma desse admirável brasileiro, que se imortalizou pela generosidade, pelo patriotismo e pela grandeza do seu legado político.

Sr. Presidente, era o que eu tinha a dizer, como Líder do PTB, Partido que Getúlio fundou.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/08/2005 - Página 29145