Discurso durante a 145ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o PLS 62, de 2005, em tramitação no Senado Federal, que trata da gestão das florestas públicas.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Considerações sobre o PLS 62, de 2005, em tramitação no Senado Federal, que trata da gestão das florestas públicas.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/2005 - Página 29221
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • REITERAÇÃO, OPOSIÇÃO, PROJETO DE LEI, FEDERALIZAÇÃO, FLORESTA, GESTÃO, SETOR PUBLICO, ARRENDAMENTO, EMPRESA, DENUNCIA, CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUARIA DO BRASIL (CNA), FAVORECIMENTO, EMPRESARIO, PREJUIZO, PEQUENO PRODUTOR RURAL, MADEIRA, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL, REGIÃO AMAZONICA.
  • CRITICA, PROPOSTA, CRIAÇÃO, SERVIÇO FLORESTAL, CONFLITO DE COMPETENCIA, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), AUMENTO, GASTOS PUBLICOS, GESTÃO, FLORESTA, OPOSIÇÃO, AUTORITARISMO, REGIME DE URGENCIA, NECESSIDADE, DEBATE, GOVERNADOR, ANUNCIO, VOTO CONTRARIO, ORADOR, QUALIDADE, RELATOR, MATERIA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu hoje retorno a um tema que me está causando muita preocupação. Trata-se do Projeto de Lei nº 62, de 2005, no Senado, que está colocado na imprensa como projeto da gestão das florestas públicas. Parece muito simples, da maneira como está colocado. Parece que se trata, realmente, de um projeto que só visa à exploração racional das florestas da Amazônia, principalmente, mas do Brasil como um todo. Na verdade, esse projeto embute muitas coisas seriíssimas, principalmente para a Região Amazônica.

A própria Confederação Nacional da Agricultura já nos alertou de que esse projeto beneficia os grandes madeireiros, os grandes exploradores e não os pequenos madeireiros e exploradores, que estão na Amazônia há muito tempo.

Segundo, não protege adequadamente essas nossas áreas de floresta da cobiça internacional. Nós, há pouco tempo, ouvimos o Sr. Pascal Lamy, que hoje está na Organização Mundial do Comércio e que já foi da União Européia, dizer, com todas as letras, que o Brasil não tinha capacidade de gerir as suas riquezas, principalmente as florestas da Amazônia, e que, portanto, precisava de um consórcio de países - leia-se aí, com certeza, o G-7, o grupo de países mais ricos do mundo - para gerir as nossas florestas. Gerir significa explorar. Esse sofisma é colocado justamente para iludir a mente dos brasileiros que estão no litoral do País e que não conhecem a realidade amazônica e, principalmente, para agradar aos estrangeiros que estão de olho nessas nossas riquezas há muito tempo.

Esse projeto não trata apenas da gestão das florestas. Cria um outro órgão dentro dessa área, que é o Serviço Florestal Brasileiro. Quer dizer, está-se criando, além do Ibama, mais um órgão para cuidar da questão das florestas. Os próprios funcionários do Ibama são contrários à criação desse órgão. É mais um cabide de emprego, mais um órgão que se vai criar, mais encargos, para quê? Sob o pretexto de que serão pessoas especializadas para cuidar especificamente da gestão da floresta. E, além disso, cria também o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal.

Trata-se, portanto, de um projeto complexo. Não estou dizendo que não seja necessário, mas é complexo e precisa ser analisado com cautela. Entrou este ano na Câmara, onde foi aprovado a toque de caixa, e já está aqui, em caráter de urgência constitucional.

Podemos dizer que o Brasil passou 505 anos olhando e tratando a Amazônia e agora, de repente, se quer aprovar a toque de caixa um projeto dessa importância, que já podia estar sendo discutido aqui desde que o Presidente Lula assumiu o Governo. E vem agora, no ano de 2005, coincidentemente, com essa pressa toda, de maneira que não possamos sequer discutir, por exemplo, com os Governadores dos Estados essa questão, que é federativa. Afinal de contas, as florestas são públicas e onde elas estão? Nos Estados. E os Governadores não serão ouvidos? Nem citei os prefeitos e os deputados estaduais. Mas nem os Governadores dos Estados serão ouvidos, para dizerem se concordam ou não ou para darem sugestões? Porque, nesse regime de urgência constitucional, ninguém será ouvido. Ou, então, farão de conta que vão ouvir Governadores?

Defendo a autonomia das unidades da Federação. Os Estados e os Municípios têm que ter autonomia. Não é possível que só exista um ente na Federação, que é a União, onde ninguém vive; o cidadão vive é no Município, no Estado.

Então, preocupa-me muito essa situação. Sou Relator desse projeto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, solicitei da Consultoria Legislativa uma nota técnica e estou procurando me informar para dar realmente um parecer que não se limite somente ao aspecto constitucional. Quero discutir a importância para a soberania e para o desenvolvimento econômico da Amazônia. Quero discutir os aspectos que garantam aos pequenos que estão lá o direito também de participarem efetivamente da gestão das florestas - repito, um nome sofisticado -, mas nessa correria ninguém sequer tem uma idéia precisa, porque se vendeu um pacote, publica-se na imprensa dizendo tratar-se apenas de um projeto que vai cuidar da gestão das florestas públicas. Que florestas públicas? O que são florestas públicas? São florestas públicas municipais, estaduais ou federais? Como é que estão regulamentadas? Como será a garantia de que as grandes corporações financeiras internacionais não vão usar empresas de fachadas no Brasil para se apropriarem das nossas florestas? Coisa que há muito tempo eles vêm dizendo que querem fazer. Citei aqui o Sr. Paschoal Lamy, mas podia citar vários, como Margaret Thatcher, da Inglaterra; Gorbatchev, da Rússia; Al Gore, dos Estados Unidos. Todos eles disseram, com todas as letras, que o Brasil precisa negociar a Amazônia para pagar a dívida externa. Todos ele têm dito que a Amazônia não é patrimônio do Brasil, mas patrimônio da Humanidade.

Então, não podemos fazer de conta que esse não é um assunto muito sério. É tão sério que não deveria merecer essa urgência constitucional, porque tantos outros projetos mais importantes para o próprio País estão mofando nas Comissões da Câmara ou não chegam ao Senado, ou, quando chegam, levam um tempo enorme.

Vejam o caso da reforma política. Há pouco, o Senador Leomar Quintanilha mencionou que há itens da reforma política que já foram aprovados pelo Senado e que estão na Câmara há mais de três anos. No entanto, nunca houve urgência nenhuma. O Governo nunca enviou um projeto também propondo alguma reforma política. Agora, vem com esse projeto, digamos, na correria, diante da crise que o Brasil está atravessando. Então, as pessoas não discutem, não examinam e aprovamos uma lei que, amanhã, Senador Ramez Tebet, entrará imediatamente em vigor e nós não teremos mais como corrigir.

Quando o Governo quer fazer as coisas na correria, faz. Utiliza ou medida provisória ou o recurso da urgência constitucional e passa realmente “o pé” em todos.

Registro que este é o segundo pronunciamento que faço sobre este assunto. Não estou de acordo com essa urgência constitucional, que, lamentavelmente, é um dispositivo quase autoritário e só quem pode retirá-la agora é o Presidente da República. Isso, portanto, não nos dá oportunidade para que debatamos com tranqüilidade esse tema.

Mas não posso, como homem da Amazônia - nascido lá, não apenas ouvi falar ou li a respeito da região -, não posso concordar com essa forma com que estão querendo tratar esse projeto. Portanto, quero alertar todos os Senadores e Senadoras para a gravidade e a seriedade desse projeto, que não é um simples projeto de proteção da floresta, como essas ONGs gostam de dizer. Está-se protegendo muito mais interesses externos, colocando em risco os interesses do Brasil. Talvez, ao aprovar esse projeto, estejamos entregando nas mãos dos ricos do mundo o que eles sempre quiseram: o domínio sobre a Amazônia. Porque, amanhã, sob o pretexto de fazerem a gestão sustentável das florestas nacionais, eles vão pesquisar nossa biodiversidade e, portanto, farão, de uma maneira mais tranqüila, a biopirataria que vêm fazendo ao longo do tempo.

Então, quero deixar este alerta de maneira muito consistente e dizer que, desapaixonadamente, coloco-me contra essa forma de pressa descabida para a análise de um projeto tão sério para a Nação, como é o caso desse.

Espero ainda, como Relator da matéria na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, poder fazer alguma coisa para que não digam amanhã que alguém não viu, que passou de forma muito rápida e que a Amazônia foi entregue por nós mesmos, Senadores.

Muito obrigado.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/2005 - Página 29221