Discurso durante a 145ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o modelo brasileiro de política habitacional.

Autor
Valmir Amaral (PP - Progressistas/DF)
Nome completo: Valmir Antônio Amaral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • Considerações sobre o modelo brasileiro de política habitacional.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/2005 - Página 29245
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, DEFICIT, HABITAÇÃO, BRASIL, JUSTIFICAÇÃO, NECESSIDADE, ATUAÇÃO, ESTADO, EXAME, INSUCESSO, POLITICA HABITACIONAL, SISTEMA, FINANCIAMENTO, ESPECIFICAÇÃO, INFERIORIDADE, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, FAVORECIMENTO, CLASSE MEDIA, IMPORTANCIA, CORREÇÃO, DESEQUILIBRIO.

O SR. VALMIR AMARAL (PP - DF. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a legitimação política pela intervenção do Estado no setor habitacional, não é mais objeto de contestação no Brasil. Em que pese a avassaladora onda de privatizações nos anos noventa, o modelo público de financiamento da casa própria dispõe, na sua essência, de um sentimento anuente de unanimidade nacional. Não é para menos, pois o déficit de moradias vem de longa data e atinge em cheio as camadas urbanas mais pobres, de longe a faixa populacional mais densa do país.

Fatalidade histórica quase inescapável às economias subdesenvolvidas - apesar das inúmeras iniciativas governamentais -, o sentido de “casa própria” para a ampla maioria de brasileiros adquire apenas a dimensão restrita e frustrante do onírico. No mundo real, contudo, onde as restrições orçamentárias pautam crescentemente a economia das famílias, é cada vez mais remota a realização do sonho habitacional.

Por tudo isso, uma incursão ligeira pelo modelo que rege as políticas habitacionais no Brasil não seria, em absoluto, obsoleta ou destituída de validade reflexiva e revisória. Pelo contrário, vale a pena aprofundarmos o conhecimento sobre a relação do Estado com o financiamento de moradias, na expectativa de que o modelo em curso seja revestido de periódicos exames de checagem e aperfeiçoamento.

Para tanto, não seria por demasiado restaurar o debate, recordando que o financiamento público de moradia no Brasil, por definição, lança mão de quatro principais estruturas de intermediação: o Sistema Financeiro da Habitação (SFH), o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e, por último, o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI). No entanto, segundo os especialistas, a despeito das diversificadas fontes, a articulação sistêmica entre tais estruturas não tem, historicamente, funcionado a contento, suscitando desconfiança generalizada no setor.

Vamos por parte. Em 2003, estimava-se que o gasto social por ano no setor girava em torno de 150 bilhões de reais, dos quais apenas um quarto era apropriado pelos mais pobres. Tal fenômeno requer explicação. Por mais irônico que seja, a função social da habitação ainda provoca insegurança jurídica para os investidores, em virtude da eventual suspensão ou revogação de cláusulas contratuais pelo Judiciário. Além disso, outra alegada distorção no sistema brasileiro repousa sobre o fato de se abusar da concessão de benefícios à população de classe média, em flagrante detrimento dos realmente necessitados.

Em princípio, o mercado deveria ser o mecanismo prioritário por meio do qual a demanda habitacional brasileira deveria ser equacionada. Acontece, porém, que a cruel realidade social não autoriza o controle mercadológico de um bem tão indispensável ao cidadão. As imorais distorções na curva distributiva da renda nacional impõem ao Estado inevitáveis intervenções no sistema de moradia, corrigindo injustiças e deficiências estruturais.

O alto custo unitário da habitação requer a existência de financiamentos de longo prazo para viabilizar a aquisição. Os saldos devedores, as prestações e a própria capacidade de pagamento dos mutuários são muito sensíveis às flutuações macroeconômicas, aí incluídas as variações nas taxas de inflação e de juros. Por esse perfil, justifica-se a implementação de um aparato institucional sólido, capaz de preservar o interesse dos mutuários, instituições financeiras e investidores.

Segundo os especialistas, é bastante aceita a idéia de que a aquisição de moradia induz a comportamentos socialmente valorizados. Nesse contexto, julga-se pertinente a correlação entre aquisição de imóvel e melhoramento da saúde, via medicina preventiva configurada na água tratada e no esgoto sanitário. Nessa linha, além do bem-estar propiciado ao proprietário, desencadeia um processo multiplicador de vantagens sociais.

Outro fator de não menos relevância é a vantagem potencial que a aquisição da moradia produz em termos de comportamento econômico nos agentes sociais, sobretudo em termos de formação de poupança familiar. Para os economistas, além do efeito benéfico da formação de poupança familiar, uma política habitacional popular funcionaria como um eficiente instrumento para a redução das desigualdades de renda e riqueza no Brasil.

Em resumo, não há como discordar da tese maior, segundo a qual a intervenção estatal no setor de habitação pode ser plenamente justificada como meio de superação de falhas no mercado. Mais que isso, pode operar como instrumento de distribuição de renda e riqueza na sociedade, minimizando uma realidade já saturada de injustiças e tragédias.

A bem da verdade, para se obter êxito no projeto, ao Estado, no entanto, compete uma intervenção pautada nas considerações explícitas e objetivas das medidas que implementarão efetivamente as políticas habitacionais. Vale frisar que, em caso de não atendimento dessas considerações, os riscos de ineficiências no mercado crescem, intensificando a ocorrência de desvios em relação às metas previamente fixadas para redução de desigualdades.

Como havia mencionado, no âmbito do Governo Federal, desenvolvem-se simultaneamente diversos programas e ações relacionados à provisão ou financiamento de habitação, todos previstos no Plano Plurianual. Todavia, embora a maioria significativa seja destinada ao atendimento da população mais desvalida, estão reservados, de maneira não muito compreensível, alguns empreendimentos às outras camadas do espectro social.

Para alguns pesquisadores, talvez esta seja a causa para que vultosos recursos do Erário sejam indevidamente direcionados às demandas das classes médias, em prejuízo dos mais carentes. A ausência de foco explícito na aplicação do FGTS e da poupança - fontes principais de financiamento habitacional - pode resultar em distorções inaceitáveis no sistema, transformando subsídios concedidos pelo Estado em moeda ilegitimamente apropriada por setores de alta renda da população.

Por isso mesmo, algumas recomendações por parte dos especialistas devem ser seriamente observadas pelas autoridades. A primeira delas diz respeito à eliminação da isenção de imposto de renda sobre os depósitos de poupança. Isso se justifica à medida que a utilização dessa preciosa receita deveria ser alocada para programas de subsídio à habitação popular.

Uma outra recomendação - segundo os estudiosos - repousa na hipótese de que, a continuarem os subsídios, o Estado deveria eliminar as brechas na legislação e na regulamentação. Em função dessas insuficiências legais, o sistema acaba por permitir a transferência de recursos subsidiados para setores de renda média e alta, desfocalizando o alvo popular do projeto político.

Nessa linha, para tentar contornar o problema do financiamento, advoga-se, por outro lado, o envolvimento de recursos orçamentários nos programas habitacionais. Providos de tais fontes, os custos de gerenciamento se reduziriam substancialmente, em comparação com os sistemas tradicionais de financiamento, para cujo efetivo funcionamento administrativo têm demonstrado inquietante incapacidade.

Enfim, Sr. Presidente, trata-se, aqui, de passar em revista as políticas nacionais destinadas à habitação popular, com o objetivo de suscitar uma discussão mais crítica sobre o atual sistema de financiamento. Mais que isso, visou-se à apreciação de um enfoque mais contemporâneo, que explora os efeitos sociais multiplicadores de uma política habitacional comprometida com as classes menos privilegiadas. Em suma, corrigindo presentes distorções, o modelo brasileiro vai, de fato, contribuir para um perfil distributivo de renda mais eqüitativo, garantindo a todos, por fim, a tão sonhada casa própria.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/2005 - Página 29245