Discurso durante a 146ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao posicionamento do Presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, com relação à punição aos implicados nas CPMI's.

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), MESADA.:
  • Críticas ao posicionamento do Presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, com relação à punição aos implicados nas CPMI's.
Aparteantes
Jefferson Peres.
Publicação
Publicação no DSF de 31/08/2005 - Página 29301
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), MESADA.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, ESPECIFICAÇÃO, CONLUIO, PAGAMENTO, PROPINA, MESADA, CONGRESSISTA, NEGOCIAÇÃO, ACORDO, IMPUNIDADE, CASSAÇÃO, MANDATO PARLAMENTAR, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, SUSPEIÇÃO, INTERESSE PARTICULAR, OCULTAÇÃO, CORRUPÇÃO.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Para uma comunicação inadiável.) - Srª Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, “há filósofos que são, em resumo, tenores desempregados” - Machado de Assis.

Severino chegou folclórico, saliente e fagueiro. A princípio, estabeleceu séria concorrência com o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na hegemonia da necedade. No exercício da palavra, o primeiro mandatário lançava mão da platitude em tempo real, enquanto Severino representava o parvo naturalista. Foi quando um indignado Cesare Lombroso, médico e autor de O Homem Delinqüente, acorreu ao meu gabinete para colóquio informal. Travamos breve diálogo, que passo a reproduzir.

-- Quem é esse Severino? - indagou o psicanalista, com certa impaciência.

-- Um emissário das glórias mundanas e dos sacrilégios explícitos.

-- Seria portador de uma filosofia? Por acaso professa doutrina ou esposa ideário qualquer? - estranhamente investigou o cientista italiano, pai da Escola Positiva, justamente para quem “o delinqüente nato possui uma rica gama de anomalias e estigmas de origens atávica ou degenerativa”.

Mesmo assim, respondi:

-- Rigorosamente, pratica a exegese das vantagens indevidas. Se for para o próprio bem, Severino aceita até troco de padaria.

-- A que clero pertence?

-- Pertence à ordem dos fisiologistas, um baixíssimo clero que o elevou ao panteão da Câmara dos Deputados. Severino é um fauno da chalaça legislativa. Um engano em si mesmo.

-- Então, Severino sabia do Mensalão? - perguntou um indiscreto Lombroso.

-- O Deputado Jose Janene tem a resposta - limitei-me a dizer o que li nos jornais.

-- Mas como vetusta Casa assimilou tal estupidez crassa?

Ao que respondi de chofre:

-- Antes se imaginava que Severino era um tertius que deu certo, por conta da falta de habilidade de um Governo cego de ambição pelo poder. Hoje está confirmado que não foi a promessa de sinecuras miúdas, como o aumento de salário para deputados, que consagrou Severino, mas a certeza de que na regência da Câmara estava assegurado o augustíssimo mensalão.

-- Severino tem algum futuro? - indagou por fim Lombroso, desconfiado da leniência do sistema penal brasileiro e da trôpega ordem política do País.

Fui obrigado a ser lacônico para preservar as instituições:

-- Severino é um sublula, e a sua sorte está atrelada ao principal. Capaz das maiores espertezas, não deve aceitar o abraço de náufrago e pode deixar rápido o banhado. Preso ele não será, posso assegurar.

Depois de prestar as respostas requisitadas, pedi ao grande cientista do século XIX que me confirmasse algumas características fisiológicas e comportamentais de Severino. Cesare Lombroso, com toda cautela e sem fazer juízo de valor, assinalou: “Protuberância occipital, órbitas grandes, testa fugidia e nariz torcido” foram alguns traços corporais apontados. Sobre a personalidade de Severino, Lombroso destacou o “caráter impulsivo, o cinismo, a vaidade e falta de senso moral”, muito embora tenha destacado que seria necessário observação empírica para traçar o real perfil de Severino, estudo, aliás, que o cientista apressou em revelar que começaria imediatamente. E assim seguiu para o plenário da Câmara dos Deputados.

Srªs e Srs. Senadores, quando o Deputado Severino Cavalcanti ascendeu à Presidência da Câmara dos Deputados, a sociedade brasileira tinha consciência de que lhe faltava estatura para ter assento à cadeira que foi ocupada por brasileiros da mais alta qualidade política, a exemplo de Nereu Ramos, Pedro Aleixo, Marco Maciel, Ulysses Guimarães, Luiz Eduardo Magalhães e Aécio Neves. Era mais do que sabido que, por total falta de escrúpulos, o Presidente da Câmara não se encarregaria sequer de polir o mal. Na ordem do dia, estaria em pauta degeneração explícita da atividade pública por intermédio do fisiologismo, do patrimonialismo, do toma-lá-dá-cá, do balcão ignominioso, do nepotismo e do mensalão. Mas tal universo devasso parecia ínfimo às pretensões severinas. Afinal, não apresentava nada de novo ao cotidiano de um parlamentar cevado nos vantajosos pormenores da atividade legislativa. A Severino - imaginou o Presidente Severino Cavalcanti - estava reservada uma predestinação. Foi quando, do alto da Câmara dos Deputados, veio a mensagem alentadora que a predição do oráculo do baixo clero iria se confirmar. Severino, então, inopinadamente, pediu a palavra e, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, deu o garante de que estava estendida a mão que tiraria os deputados acusados de receber o mensalão do areal do encoberto e da cassação inevitável.

O Presidente da Câmara dos Deputados lidera o tal acordão com a finalidade de salvar o mandato de delinqüentes políticos e trazer para a vala comum todos os homens públicos. Ao preservar os envolvidos, o Presidente Severino Cavalcanti imagina galgar interlocução superior com o Palácio do Planalto, manter toda a classe política refém da sua boa-vontade e ainda ampliar os domínios da combalida governadoria do PT. Esta não é a primeira oportunidade de manifestar a operação abafa que vem sendo arquitetada entre o Governo Lula e a base adquirida pelo mensalão.

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Não é demais, contudo, ressaltar que não vou comprometer o meu mandato de Senador com roupa mal-lavada. Não vim para o Senado para homologar a desídia e me omitir diante da malversação. Sou um homem da lei, não posso tergiversar com o crime, com a organização quadrilheira, com as malas voadoras de real, com o dólar na cueca, com a lavagem de dinheiro, com as operações do PT em paraíso fiscal, com o mensalão, com o sangramento do interesse público, enfim. Tampouco, o PFL vai titubear em impor restrição robusta ao acordão imundo que está sendo preparado pelo abafador-mor, Severino Cavalcanti.

O Sr. Jefferson Péres (PDT - AM) - Senador Demóstenes Torres, permita-me um aparte?

A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - Não há aparte em comunicação inadiável, Senador Jefferson Péres.

O Sr. Jefferson Péres (PDT - AM) - Parabéns pela defesa da dignidade do Congresso Nacional!

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Muito obrigado, Senador Jefferson Péres.

Não há que se questionar o caminho da cassação do mandato de todos os parlamentares beneficiados com as indulgências da dupla Delúbio e Valério. As evidências materiais dos saques atestam a prática da corrupção com recibo. A força dos depoimentos testemunhais, inclusive com a delação espontânea dos principais atores do escândalo, completa um conjunto probatório irrefutável. Basta seguir o rito formal do procedimento de cassação, assegurar, naturalmente, a ampla defesa e, por fim, defenestrar o que puder ser alcançado da banda podre de cada bancada. Tenho a mais densa suspeita de que nos impulsos tranqüilizadores do Presidente da Câmara dos Deputados moram instintos de autopreservação. O Deputado Severino Cavalcanti...

(Interrupção do som.)

A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - V. Exª já está com o dobro do seu tempo, Senador.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Para concluir, realmente.

O Deputado Severino Cavalcanti sempre fez a vez do bronco destemido, mas há algum sério temor que lhe corrói as vísceras. Talvez a referência aos caídos seja menos ato de comiseração cristã e mais relevante gesto de sobrevivência, fundada na certeza de que seria tragado pelo abismo.

De qualquer forma, prescrevo o poeta João Cabral de Mello Neto, que, em Morte e Vida Severina, poderá ser consolador a todos os envolvidos com o mensalão, depois que fracassarem as tratativas espúrias da última severinagem:

Somos muitos Severinos

iguais em tudo na vida

na mesma cabeça grande

que a custo é que se equilibra

no mesmo ventre crescido

sobre as mesmas pernas finas

e iguais também porque o sangue

que usamos tem pouca tinta.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/08/2005 - Página 29301