Discurso durante a 149ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Abertura , no dia 29 último, em São Paulo, do capítulo brasileiro do Clube de Roma.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Abertura , no dia 29 último, em São Paulo, do capítulo brasileiro do Clube de Roma.
Publicação
Publicação no DSF de 01/09/2005 - Página 29547
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • REGISTRO, ABERTURA, ENCONTRO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUXILIO, DESENVOLVIMENTO, MUNDO, SIMULTANEIDADE, REALIZAÇÃO, SEMINARIO, FEDERAÇÃO DAS INDUSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (FIESP), ANALISE, EFEITO, GLOBALIZAÇÃO, SOCIEDADE, ECONOMIA, AMBITO INTERNACIONAL.
  • ANALISE, EFEITO, GLOBALIZAÇÃO, DIFUSÃO, DEMOCRACIA, POBREZA, MUNDO.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, ilustre Senador Tião Viana, Srªs e Srs. Senadores, foi inaugurado, no dia 29 de agosto deste ano, em São Paulo, o capítulo brasileiro do Clube de Roma. O que distingue o Clube de Roma de outras organizações não-governamentais é o seu foco nos problemas globais de longo prazo, que não podem ser resolvidos inteiramente por governos ou pelo setor privado.

O “Clube de Roma”, conforme diz publicação da entidade, “foi fundado em 1968 por um grupo de 30 pessoas de várias nacionalidades - cientistas, educadores, economistas, humanistas, etc - que, tendo à frente o economista italiano Aurelio Peccei, propunha-se a funcionar como um “colégio invisível”, investigando e chamando a atenção de governos para grandes problemas que afligem a humanidade, tais como: “pobreza em meio a abundância; deterioração do meio ambiente, perda de confiança nas instituições; expansão urbana descontrolada; insegurança no emprego; alienação na juventude; rejeição de valores tradicionais; inflação e outros transtornos econômicos e monetário. (William Watts. Limites do Crescimento, 1972, p. 11).

O que distingue o “Clube de Roma” de outras organizações não-governamentais é seu foco nos problemas globais de longo prazo, que não podem ser resolvidos inteiramente por governos ou pelo setor privado, muitas vezes pressionados por questões urgentes (a ser ligadas no curto prazo), e muitas vezes atuando apenas em benefício de sua nação. (Em detrimento de seus vizinhos e/ou do globo).

O resultado desta reunião foi o primeiro relatório para o “Clube de Roma”: “Limites para o crescimento”. Este relatório atingiu enorme impacto global, sendo traduzido para mais de 30 idiomas, e com 30 milhões de cópias debatidas ao redor do planeta”.

São membros, no Brasil, do referido clube os ex-Presidentes Fernando Henrique Cardoso e José Sarney e o acatado professor Heitor Gurgulino de Souza, ex-Reitor da Universidade Federal de São Carlos e da Universidade das Nações Unidas, que tem sede em Tóquio, no Japão.

O evento a que me refiro ocorreu na Fiesp, simultaneamente com um seminário com o significativo título: “Globalizando a Democracia & Democratizando a Globalização”.

Tive, Sr. Presidente, a oportunidade de participar, após a sessão de abertura do encontro, na condição de comentarista, de mesa redonda com o tema “Globalizando a democracia - buscando a democracia para todos”.

Estavam presentes autoridades como o ilustre Vice-Governador de São Paulo, Professor Cláudio Lembo, pensador social e Presidente Regional do PFL.

O palestrante foi o ex-Ministro Professor Luís Carlos Bresser Pereira, da Fundação Getúlio Vargas, e moderador o Embaixador Rubens Barbosa (Presidente da COSCEX-FIESP) e os demais comentaristas foram o Professor Celso Lafer (Faculdade de Direito da USP), duas vezes Ministro das Relações Exteriores e ex-Ministro da Indústria e Comércio, Senhor Joerg Geier, Sub-Secretário do “Clube de Roma”, Professora Eda Coutinho Barbosa, Diretora do Instituto de Educação Superior de Brasília - IESB e o Doutor Roberto Timótheo da Costa, Diretor Financeiro do BNDES.

O tema proposto à nossa reflexão é, além de atual e oportuno, igualmente instigante.

Discutir o sentido da história tem sido, como se sabe, há séculos, uma tarefa de pensadores que ainda continuam a indagar se a história tem sentido. A questão do tempo, no entanto, embora indissociável da evolução histórica, tem um significado ainda mais amplo que envolve pessoas, sociedades e instituições preocupadas com a evolução do universo e com o nosso próprio destino.

A questão, portanto, nos coloca diante de uma nova onda globalizadora que vive a humanidade, produto de uma grande revolução tecnológica que pervaga o mundo, trazendo mais perplexidades do que certezas com relação ao Século XXI.

O Século XX foi o mais violento da história, conforme disse certa feita o grande pensador e filósofo Isaiah Berlin, e o mesmo repetiu o historiador Eric Hobsbawn. E os albores deste século têm sido também marcados pelos flagelos de conflitos localizados e o recrudescimento, como todos sentem, do terrorismo internacional. Mas, por outro lado, em que pese todas essas dificuldades que viveu o Século XX e que vive o Século XXI, não se pode deixar de reconhecer que “o sol da liberdade” - de que fala o nosso Hino -, “em raios fúlgidos” brilha na maior parte do planeta. E frise-se que a liberdade é condição essencial para edificação de uma sociedade democrática.

Ao olharmos o mundo, sessenta anos após a assinatura da Carta de São Francisco, que foi a constituição da Organização das Nações Unidas, podemos constatar que cresceu, tanto em termos absolutos quanto em termos relativos, o número de Estados integrantes da ONU que vivem sob o regime democrático. Se bem que - é importante frisar - em muitos a fruição de certos direitos seja apenas parcial.

É de se notar também que muitos que muitas associações interestatais de caráter regional ou sub-regional - citem-se como exemplo, entre outras, a União Européia e o Mercosul - têm concorrido para tal objetivo na medida em que inserem em seus estatutos a pedagógica “cláusula democrática” como pré-requisito para ingresso dos Estados nacionais nas respectivas instituições.

Ademais, as tecnologias da informação, a Internet ou “Infernet”, como diz Millor Fernandes, estão contribuindo para o florescimento do intercâmbio entre povos e como corolário para a perfusão de valores como liberdade, cidadania e Estado de Direito, pois, como diz um velho provérbio latino, “preserva a ordem e a ordem te persevera” (serva ordinem et ordo servabittre). Isso é válido porque o uso da força, mesmo contra o terrorismo, não pode significar, convém frisar também, o desconhecimento ou a renúncia do primado da lei.

Conquanto se deva lembrar haver Noberto Bobbio observado que a democracia ainda possui “promessas não cumpridas”, entre elas, incluiria eu, a debilidade de muitas de suas instituições, considero que os novos tempos estão globalizando a democracia. Algo, aliás, positivo para a construção de uma sociedade internacional sob uma ONU a ser refundada, que, respeitando os valores peculiares de cada povo, assegure a liberdade, a paz, a solidariedade, a justiça, “desenvolvendo a consciência comum de serem, por assim dizer, uma família de nações”, como preconizou em documento sobre o assunto o Papa João Paulo II.

É oportuno lembrar, Sr. Presidente Flexa Ribeiro, que infelizmente o mundo ainda vive sob a égide das instituições nascidas no pós-guerra, de que é exemplo a ONU e outras que brotaram de Breton Woods, entre as quais poderíamos citar o GATT, transformado em OMC, o FMI, os bancos de fomento ao desenvolvimento, como o Banco Mundial (BIRD) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Mas o fato é que essas instituições estão de certa forma defasadas pelo evoluir histórico, muito acentuado nos últimos cinqüenta anos.

Retomando, Sr. Presidente, o sentido que queremos dar à história não apenas como indispensável avaliação do passado, mas - se é que podemos - na tentativa, ao abandonar nossos atos, de pensar na construção do futuro, o desafio está em democratizar a globalização.

Parece inequívoco que a globalização concorreu para ampliar o processo democrático no mundo. Não há dúvida de que, em contrapartida, infelizmente, sob o ponto de vista econômico, a globalização ampliou - e muito - não somente a pobreza, mas também a desigualdade social.

As instituições políticas, mormente após o adensamento da onda globalizadora, são alvo de crítica generalizada da sociedade contemporânea. Isso é um fenômeno não somente observado em nosso País, mas eu poderia dizer em grande parte do mundo, inclusive em países do Primeiro Mundo. As suas práticas são ainda julgadas insuficientes e inoperantes para superar as questões do presente e, sobretudo, para apontar os obstáculos do futuro. Entretanto, também é bom salientar, não é somente a política como atividade que está sob contestação. Acrescente-se que não é apenas ela que está em crise, insista-se, mas também as instituições econômicas. Nunca houve tanta prosperidade na economia mundial, embora, paradoxalmente, nunca houve tanta incerteza e insegurança com relação ao futuro da humanidade. A despeito de toda essa prosperidade, a produção econômica cresce na exata medida em que aumenta o desemprego em termos globais. Esse ambiente se repete, em outras dimensões, na escala social, em questões como solidariedade, coesão, proteção de minorias, equilíbrio ecológico, exclusão e correntes migratórias. Isso se dá, é importante lembrar, num momento em que a globalização econômica, as facilidades decorrentes da informação - a que já me reportei, quando me referi à Internet - e a troca internacional de experiências, inclusive através do turismo, correm em escala jamais vista.

Os conflitos étnicos, os surtos de nacionalismos, os enfrentamentos de caráter religioso e as dissensões internas exibem também o aumento da conflitividade social em larga escala.

Por conseguinte, o instante que vivemos é marcado por uma globalização excludente. E poderia me valer de uma citação do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Em seu discurso de posse, em 1º de janeiro de 1999, logo após a sua reeleição, no Congresso Nacional, ele disse que vivíamos “uma globalização assimétrica”, que “comporta riscos graves de exclusão e de aprofundamento das desigualdades, entre os países e dentro de cada um deles”.

A questão da desigualdade e da pobreza é um problema observado em todo o Planeta; ocorre, de forma mais aguda, nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, mas também em países desenvolvidos. Recente trabalho feito pela ONU, cuja versão preliminar foi publicada no fim da semana passada, demonstra, à saciedade, que estes dois fatores - desigualdade e pobreza - continuam afetando a construção de uma sociedade menos injusta e, portanto, mais solidária.

Fatos tão adversos devem servir de alerta para todos nós no sentido de buscarmos respostas para os desafios políticos, a conquista da racionalidade econômica e, sobretudo, o aumento da solidariedade social. A crise ensina, tem uma grande força docente, é uma excelente professora. E devemos tirar lições da crise, porque a adversidade para alguma coisa serve. Os franceses dizem: “À quelque chose malheur est bon”, ou seja, a infelicidade para alguma coisa é boa.

Podemos repetir que a crise que vive grande parte do mundo, inclusive o Brasil, deve ser um momento para tirar lições que nos levem a repensar os velhos modelos e a tentar construir novas instituições, enfim, porque há uma incontestável distonia entre o diagnóstico plausível e as soluções possíveis.

Aliás, essa questão, objeto, se não me engano, em 1926, de um inspirado discurso de um ilustre nordestino que foi Gilberto Amado, quando afirmou que havia uma enorme distonia entre as instituições políticas e o meio social.

Sr. Presidente, a reflexão humana nos últimos cinqüenta anos, período caracterizado pelas mais vertiginosas transformações quantitativas e qualitativas de toda a história da humanidade, tem sido invariavelmente marcada mais pelo diagnóstico do que pelo prognóstico. Por essa razão, talvez, tenhamos vivido mais sob o signo do conformismo e do pessimismo do que sob a inspiração das grandes utopias que foram capazes de dar ao gênero humano aquele sentimento de grandeza que, em Os Lusíadas, Camões chamou de “o gênio da raça”, necessário para entender essa estranha máquina que é o mundo. Ousamos mais no pensamento do que fomos capazes de ousar na ação.

Tudo isso exige determinada resolução de edificar uma nova arquitetura institucional que substitua os organismos da sociedade contemporânea, construídos sob os escombros da Segunda Grande Guerra, sob os quais ainda vivemos, para ajustá-la ou para ajustá-las às esperanças deste novo século.

Se o que está em crise, friso, são as bases éticas da legitimidade - leia-se legitimidade e não legalidade - democrática, temos que repensar não a democracia em si, mas os fundamentos em que ela se assenta.

Consideramos legítimo o poder, desde que legalmente investido. A legalidade de origem de todo sistema político é apenas o lado formal da juridicidade, como dizem os especialistas em direito constitucional. O aspecto funcional de seu desempenho está, porém, condicionado ao seu exercício, isto é, o que os especialistas denominam a sua “imagem social do poder”. Semelhante argumento pode, com igual propriedade, ser aplicado às bases da economia. Desde que adquirimos consciência de que os recursos manipulados pela economia são finitos e nem sempre renováveis, as velhas regras entraram em crise. Produzir para lucrar já não basta para satisfazer os requisitos da transformação econômica. É essencial produzir de forma auto-sustentável, vale dizer, sem afetar o meio ambiente. Esse novo padrão ético exige respeito às regras de salubridade, proteção previdenciária, amparo contra o desemprego, crises cíclicas e incertezas do ambiente econômico.

Finalmente, também a estrutura e o funcionamento dos mecanismos de coesão e solidariedade social já não se assentam apenas na capacidade de cada sociedade gerir seus conflitos. Questões como proteção de minorias, garantia da diversidade étnica, cultural e religiosa, a efetiva tutela dos direitos fundamentais (liberdade, igualdade de oportunidades etc.), já não são mais padrões nacionais diferenciados, mas, ao contrário, constituem, cada vez mais, compromissos jurídicos internacionais, portanto, universais.

Sr. Presidente, certamente, se observa que há no mundo todo um déficit de governabilidade que, na opinião de Gianfranco Pasquino, constitui a capacidade das instituições de darem respostas às demandas da sociedade.

O que se deve promover fundamentalmente é reformar a política, transformar a economia e melhorar o desfrute social. Se a globalização, sob o ponto de vista político, contribui para ampliar a prática democrática no mundo, por outro lado, sob o ponto de vista econômico, a meu ver, tem contribuído para aumentar a pobreza e a desigualdade, o que torna mais distante a construção de uma sociedade não somente democrática, mas também desenvolvida e justa. Assim, impõe-se o fortalecimento das instituições - nacionais e supranacionais - e, igualmente, criar mecanismos para adaptá-las às sempre renovadas aspirações da humanidade, de solidariedade, de igualdade de oportunidades, de justiça e, sobretudo, de paz.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/09/2005 - Página 29547