Discurso durante a 151ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Desencanto e desesperança da população brasileira com a situação política atual do país. A estória de Micaela Bastidas.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), MESADA. FEMINISMO.:
  • Desencanto e desesperança da população brasileira com a situação política atual do país. A estória de Micaela Bastidas.
Publicação
Publicação no DSF de 03/09/2005 - Página 30080
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), MESADA. FEMINISMO.
Indexação
  • COMENTARIO, FRUSTRAÇÃO, POPULAÇÃO, CRISE, POLITICA NACIONAL.
  • IMPORTANCIA, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, EFEITO, AVISO, OPINIÃO PUBLICA, NEGOCIAÇÃO, ACORDO, IMPUNIDADE, CONGRESSISTA, PROPINA, MESADA.
  • DEFESA, QUEBRA, SIGILO BANCARIO, DEPUTADOS, RECEBIMENTO, MESADA, INVESTIGAÇÃO, REPASSE, DINHEIRO, CASSAÇÃO, MANDATO PARLAMENTAR, PUNIÇÃO, CRIME DO COLARINHO BRANCO.
  • DENUNCIA, CRIME DE RESPONSABILIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • REGISTRO, DEPOIMENTO, VULTO HISTORICO, MULHER, HISTORIA, RESISTENCIA, INDIO, PAIS ESTRANGEIRO, PERU, DOMINIO, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESPANHA.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para variar estão presentes os mesmos Senadores das sextas-feiras - às vezes, nem tão santas.

Senador Alvaro Dias, Senador Mão Santa, V. Exªs usaram da palavra mostrando a preocupação sobre as questões relacionadas ao Brasil, à nossa combalida democracia representativa.

Onde ando no Brasil, em mensagens que recebemos pelo 0800 no Senado, em ligações gratuitas, em e-mails ou em qualquer outra forma de comunicação, as pessoas que nos encontram pelas ruas sempre perguntam sobre a possibilidade de ainda haver esperança, especialmente as pessoas que dedicaram muitos anos de sua vida para fazer esse momento que foi um momento de levar Lula à Presidência da República; as pessoas que começam a olhar a desmoralização das instituições, do Congresso Nacional; algumas pessoas que até quase agradecem a verborragia cínica do Presidente da Câmara. De alguma forma, ele acaba verbalizando, publicamente, aquilo que alguns outros, mais sofisticados, conspiram contra os interesses da humanidade e fazem a “operação abafa” de forma mais sofisticada, nos almoços, nos jantares ou nos subterrâneos do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto. Como o Presidente da Câmara acaba verbalizando o que outros conspiram, de forma silenciosa, pelos subterrâneos do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto, acaba, de alguma forma, acordando a opinião pública e fazendo com que a opinião pública, os meios de comunicação, as mulheres e homens de bem e de paz, acordem e comecem a pressionar o Congresso Nacional. Talvez, se ele não tivesse dado aquela declaração horrorosa, maldita, infame e desastrosa, a população não tivesse cobrado, com tanta força, aquele passo dado na Comissão Parlamentar de Inquérito, que não é o passo final, até porque esperamos todos nós que a CPI do Mensalão e a CPI dos Correios continuem agilizando as investigações.

É essencial que haja a quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico dos 18 citados, até porque o Conselho de Ética não quebra sigilo bancário, fiscal e telefônico. Portanto, o Conselho de Ética não poderá descobrir para quem os beneficiários em primeira instância - os tais dos 18 - repassaram o dinheiro. Precisamos saber para quem repassaram. Por exemplo: o Líder do PMDB recebeu mais de R$3 milhões. Para quem ele os repassou? Foi para algum Senador, para algum Deputado, para alguma liderança regional? Os Líderes do PP, do PL, do PTB ou do PT, que, igualmente, receberam dinheiro, para quem o repassaram?

Já está mais do que comprovado que houve o mensalão. Se o nome é mensalão, mesadinha, semestrão ou anualidade, pouco importa. Se o Parlamentar usou-o para pagar dívida de campanha, ser parte das orgias sexuais com o dinheiro público roubado ou fazer viagens internacionais, isso configurará ou não o crime em outra instância, mas, objetivamente, aqui, ele terá obrigação de ser punido, porque quebrou o decoro parlamentar.

Do mesmo jeito, o Presidente da República infringiu as normas constitucionais, praticou crime de responsabilidade, porque impediu o livre exercício do Poder Legislativo, patrocinou crimes de responsabilidade porque fez improbidade administrativa - aquilo que está no Código Penal -, tráfico de influência, exploração de prestígio, intermediação de interesse privado, corrupção passiva e ativa. Ao mesmo tempo, foram rasgados o Código Eleitoral, com a safadeza do caixa dois; e o Código Penal, com aquilo que o povo entende por vigarice, pilantragem, mas que lá tem aqueles nomes mais sofisticados que acabei de dizer. Rasgou-se a Constituição do País também.

O povo fica sempre nos perguntando: ainda é possível ter esperança? Ainda teremos motivação para renascer com o sol a cada dia e continuar a criar os nossos filhos, dizendo que é proibido roubar? Será que ainda existe esperança diante de tantas tragédias, de tanto cinismo, de tanta dissimulação? Prefiro dizer que, por mais que os dias sejam trágicos, por mais que a angústia, o desencanto, o desalento seja muito, milhares de outras pessoas passaram por situações tão adversas, de tanto sofrimento, para que hoje, inclusive, estivéssemos aqui; milhares de outras pessoas passam por constrangimento muito maior do que alguns possam imaginar, neste momento. São milhares de pessoas espalhadas pelo Brasil: famílias pobres, que vêem seus filhinhos de 6 anos se tornando olheiros do narcotráfico e sendo “premiados” com a introdução ao crack ou com um sanduíche de mortadela; milhares de jovens filhos da pobreza deste País, que tentam resistir, diante da impunidade, diante da sedução, ao jogo maldito do narcotráfico, mas que acabam indo, como último refúgio, até lá.

Portanto, esperança tem que continuar existindo. São muitas as histórias que não vão para os jornais, que não aparecem na televisão. Histórias de resistência e de luta espalhadas pelo Brasil afora.

            Trouxe, nesta sexta-feira, para contar - para recontar - uma historia bem curtinha, bem pequena, que não é uma história de brasileira ou de brasileiro. Com certeza, há muitas outras histórias no Brasil tão belas e que demonstram tanta resistência e tanta luta, como esta, que é a história de Micaela. Sabe o Senador Mão Santa que gosto de contar muitas histórias de mulheres maravilhosas e guerreiras.

Na guerra dos índios, que fez ranger as montanhas dos Andes com dores de parto, Micaela Bastidas não teve descanso nem consolo. Essa mulher de pescoço de pássaro percorria as terras arranjando mais gente e enviava à frente novas hostes e escassos fuzis, a luneta que alguém tinha perdido, folhas de coca e milho verde. Galopavam os cavalos, incessantemente, levando e trazendo através das serras suas ordens, salvo-condutos, relatórios e cartas. Numerosas mensagens enviou a Túpac Amaru, apressando-o a lançar suas tropas sobre Cusco de uma vez por todas, antes que os espanhóis fortalecessem as defesas e se dispersassem, desanimados, os rebeldes. Chepe, escrevia, Chepe, meu muito querido: Bastantes advertências te dei...

Puxada pelo rabo de um cabalo, entra Micaela na Praça Maior de Cusco, que os índios chamam Praça dos Prantos. Ela vem dentro de um saco de couro, desses que carregam mate do Paraguai. Os cavalos arrastam também, rumo ao cadafalso, Túpac Amaru e Hipólito, o filho dos dois. Outro filho, Fernando, olha.

O menino quer virar a cabeça, mas os soldados o obrigam a olhar. Fernando vê como o verdugo arranca a língua de seu irmão Hipólito e o empurra na escada da forca. O verdugo pendura também dos tios de Fernando e depois o escravo Antônio Oblitas, que tinha pintado o retrato de Túpac Amaru, e o corta a golpes de machado; e Fernando vê. Com concorrentes nas mãos e grilhões nos pés, entre dois soldados que o obrigam a olhar, Fernando vê o verdugo aplicando garrote vil em Tomasa Condemaita, mulher do cacique de Acos, cujo batalhão de mulheres tinha dado tremenda tunda no exército espanhol. Então sobe ao tablado Micaela Bastidas e Fernando vê menos. Seus olhos ficam enevoados enquanto o verdugo busca a língua de Micaela, e uma cortina de lágrimas tapa os olhos do menino quando sentam a mãe dele para culminar o suplício: a argola que se aperta não consegue sufocar o pescoço fino e é preciso que enrolando laços no pescoço, puxando de um e outro lado e dando-lhe chutes no estômago e nos peitos, acabem de matá-la.

Fernando já não vê nada, já não ouve nada, Fernando que há nove anos nasceu de Micaela. Não vê que agora trazem o seu pai, Túpac Amaru, e o amarram às cinchas de quatro cavalos, pelos pés e pelas mãos, a cara para o céu. Os ginetes cravam as esporas rumo aos quatro pontos cardeais, mas Túpac Amaru não se quebra. Levam-no pelo ar, parece uma aranha; as esporas rasgam os ventres dos cavalos, que se erguem em duas patas e se arremetem com todas as forças, mas Túpac Amaru não se quebra.

            É tempo de longa seca no vale de Cusco.

Ao meio-dia em ponto, enquanto lutam os cavalos e Túpac Amaru não se arrebenta, uma violenta catarata cai de repente do céu: tomba a chuva para valer, como se Deus ou o Sol ou alguém tivesse decidido que esse momento [de tanta tristeza] bem merece uma chuva dessas que deixam o mundo cego.

Senador Mão Santa, essa é uma das histórias de mulheres que Eduardo Galeano, de forma maravilhosa e generosa, conta. Quando contamos as histórias de resistência e de luta de mulheres e homens no Brasil e no mundo, são essas histórias, apenas histórias de luta e libertação de mulheres e homens de bem e de paz do Brasil, que insistem em continuar ensinando aos seus filhos que é proibido roubar; das mulheres e homens que, numa tradição maravilhosa, desbravaram caminhos no mundo para que pudéssemos, inclusive, estar aqui hoje. Essas histórias maravilhosas são capazes de nos dar oxigênio para continuar a luta e a não esmorecer, não desencantar diante de tanto cinismo, tanta vigarice e tanta dissimulação daqueles que saqueiam os cofres públicos impunemente, às custas da dor, do desemprego, da miséria, do sofrimento da grande maioria da população brasileira.

Assim sendo, encerro, até porque acabei tomando o lugar do nosso querido Presidente da CPMI, Senador Delcídio Amaral. S. Exª não estava aqui no momento, estava dando uma entrevista.

Por isso, Senador Delcídio Amaral, acabei tomando seu lugar, democraticamente. Porque o que eu tomarei na revolução socialista, outros saberão.

Agradeço a V. Exª, Senador Mão Santa, a delicadeza de ter me repassado, e ao Senador Delcídio Amaral também.

Muito obrigada.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/09/2005 - Página 30080