Discurso durante a 152ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Anúncio da realização da sexta Conferência Ministerial da OMC, em Hong Kong, em novembro próximo e o anseio de que o referido encontro corrija assimetrias no comércio internacional.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMERCIO EXTERIOR.:
  • Anúncio da realização da sexta Conferência Ministerial da OMC, em Hong Kong, em novembro próximo e o anseio de que o referido encontro corrija assimetrias no comércio internacional.
Publicação
Publicação no DSF de 06/09/2005 - Página 30131
Assunto
Outros > COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • ANUNCIO, REALIZAÇÃO, CONFERENCIA, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), PAIS ESTRANGEIRO, TAIWAN, COMENTARIO, IMPORTANCIA, ENTIDADE, REGULAMENTAÇÃO, COMERCIO, AMBITO INTERNACIONAL, BENEFICIO, PAIS SUBDESENVOLVIDO.
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, EX-DIRETOR, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), ANALISE, SITUAÇÃO, BRASIL, DEBATE, AMBITO INTERNACIONAL, AGRICULTURA.
  • REGISTRO, CONFERENCIA, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, CATAR, MEXICO, APRESENTAÇÃO, BALANÇO, ATUAÇÃO, RESOLUÇÃO, COMERCIO, AGRICULTURA, ESPECIFICAÇÃO, BENEFICIO, PAIS SUBDESENVOLVIDO.
  • SUGESTÃO, COMISSÃO, RELAÇÕES INTERNACIONAIS, CONGRESSO NACIONAL, CONVITE, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO DA INDUSTRIA E DO COMERCIO EXTERIOR (MDIC), ESCLARECIMENTOS, ATUAÇÃO, BRASIL, CONFERENCIA, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC).

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, ilustre Senador Alvaro Dias, Srªs e Srs. Senadores, no próximo mês de novembro, realizar-se-á em Hong Kong a VI Conferência Ministerial da OMC, que deverá marcar o encerramento da Rodada de Doha de Negociação Comerciais.

Para melhor compreensão do significado de minha intervenção de hoje, creio ser importante destacar alguns aspectos referentes ao quadro institucional em que a Rodada de Doha se insere. É bom lembrar que a Rodada de Doha é uma homenagem que se presta ao Catar, cuja capital é Doha e em cujo território se realizou, portanto, a rodada que agora a OMC debate.

Trata-se da primeira rodada de negociações que ocorre, é bom frisar, sob a égide da OMC, que sucedeu o Gatt. Como V. Exªs sabem, o Gatt foi uma instituição que surgiu como resultado das conferências de Bretton Woods e tinha um alcance mais limitado, tanto a membros, quanto sobre temas a deliberar. Eu diria que a OMC representou, pois, um passo muito significativo em substituição ao Gatt, porque se converteu na primeira organização de comércio de caráter verdadeiramente mundial. É grande o número de Estados membros que a integram. Inclusive, recentemente, a ela se associou a China, o que não deixa de ser um fato importante.

A OMC representa para nós, do Brasil, algo muito importante, visto que esperamos que dela brotem regras universalmente observáveis, mais do que isso, que venham a corrigir as grandes assimetrias do comércio internacional.

Desde 1947, ainda sob a coordenação do Gatt, a rodada de negociação comercial serviu, fundamentalmente, para discutir e negociar a redução de tarifas e outras concessões comerciais, com o objetivo genérico de liberalizar o comércio internacional. As negociações eram conduzidas caso a caso, procurando-se, na medida do possível, observar os princípios de não-discriminação e de reciprocidade.

O advento da OMC, friso mais uma vez, representou uma mudança importante no quadro institucional do comércio. Com ela, OMC, foram estabelecidas regras definidas e formalmente enunciadas que deveriam orientar o comportamento dos atores, isto é, dos Estados no comércio internacional. Os Estados passaram a ter na OMC uma instância de recurso contra eventuais violações dessas regras, que é outra conquista muito importante. Em conseqüência, as rodadas de negociação comercial deixaram de ter como propósito central proporcionar às nações uma oportunidade de obter de outras nações concessões a respeito de tarifas e facilidades comerciais. No ambiente institucional da OMC, a rodada de negociação significa a discussão e a adoção de regras dentro das quais o comércio pode ser realizado.

A Rodada foi lançada, como disse há pouco, na IV Conferência Ministerial dos Países-Membros da OMC, realizada em Doha, no Catar, entre 9 e 14 de novembro de 2001. A previsão era de que a conclusão da Rodada deveria ocorrer - ainda esperamos - em 2005. Assim, em princípio, a conferência que se realizará no próximo mês de novembro deve - ou deveria -, servir para encerrar a Rodada, produzindo conclusões sobre as questões compreendidas no Mandato da Rodada Doha.

O sentido da Rodada, expresso na declaração, deveria ser, ou deve ser - esperamos que isso aconteça - o de abrir espaço para países em desenvolvimento, pois o próprio documento da declaração diz: “A maioria dos membros da OMC é composta de países em desenvolvimento. Vamos procurar colocar suas necessidades e interesses no centro do programa de trabalho adotado nesta Declaração”. (Declaração de Doha, 14/nov/2001) .

            Desde o início das negociações, no entanto, sabia-se que seria essa uma tarefa difícil e trabalhosa. Os interesses são variados e as percepções sobre custos e oportunidades são também diferentes e difíceis de serem avaliados.

Neste mês de setembro, estão previstos encontros entre os quais se incluem o do G-20 e uma reunião de Ministros do Mercosul e da União Européia, com o propósito de retomar as negociações a respeito de um possível acordo entre os dois blocos.

Informações sobre as negociações indicam, porém, que em várias questões há ainda muita dificuldade para se obter o consenso necessário à aprovação de novas regras a respeito de aspectos importantes para o comércio internacional.

            Sr. Presidente, a compreensão adequada da postura brasileira dentro desse quadro é preciso ser vista sob a ótica das mudanças nas condições internacionais ocorridas desde 2001, quando a rodada Doha foi lançada.

A propósito, gostaria de citar uma declaração do ex-Diretor-Geral da OMC, o Dr. Supachai Panitchpakdi, um tailandês que passou o cargo, no dia 1º de setembro, a Pascal Lamy, da França. Ele disse: “O Brasil foi central nos debates sobre a agricultura, mas gostaria também de ver o País no centro também (dos debates) em outras áreas”.

O argumento de Supachai é o de que o Brasil atuara muito bem nos dois primeiros anos da Rodada, cooperando de forma decisiva na construção da posição do grupo de países que defendem a liberalização do comércio agrícola, mas que desde fins de 2003, inclusive em face das mudanças na conjuntura internacional, deveria ter se dedicado à construção de uma alternativa de posição negociadora, notadamente no que se refere ao comercio de bens industriais.

A questão agrícola, obviamente, continua sendo estratégica para o Brasil, pois embora a agricultura represente hoje apenas 10% do seu PIB, se for incluído o agronegócio, essa proporção alcança cerca de 1/3 do PIB brasileiro. O mandato da Rodada Doha, contudo, além do comércio agrícola, inclui 19 outros temas de grande importância para o comércio internacional, em especial para o nosso comércio exterior e de outros países em desenvolvimento.

Entre esses temas, a título de exemplo, podem ser mencionados - listei apenas aqueles que considerei mais relevantes para um país como o Brasil:

- Acesso a mercados de bens não agrícolas, que inclui inevitavelmente a discussão de questões como a da política de exportação da China;

- Comércio de serviços. Como se sabe, o setor de serviços já representa 60% do PIB de países como o Brasil, que tende, cada vez mais, a aumentar sua participação no comércio internacional de serviços;

- Investimentos Relacionados ao Comércio. Desnecessário listar a questão da importância dos investimentos diretos, que mostram que, no ano 2000, entre os países em desenvolvimento, o Brasil era o segundo maior receptor de investimentos internacionais diretos. No ano 2000, recebemos US$32 bilhões em investimentos diretos. Em 2003, todavia, os investimentos despencaram para a casa dos US$10 bilhões.

Em 2001, havia grande otimismo em relação às negociações sobre subsídios e liberalização agrícola, e havia precedentes que davam bons motivos para esse otimismo. Em 1995, apenas para lembrar um exemplo, com a presença do então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso havia sido assinado, em Madrid, um Acordo-Quadro Mercosul e União Européia que ensejava a possibilidade de abertura do mercado europeu aos produtos do Mercosul.

V. Exª, Sr. Presidente, como Parlamentar do Paraná tem, portanto, uma proximidade ainda maior com o Mercosul e sabe como essas negociações são importantes para o Brasil.

Hoje, no entanto, vários fatores passaram a dificultar as negociações, especialmente no que se refere à liberalização do comércio agrícola e dos subsídios concedidos à agricultura pelas nações industrializadas. Reflexo dessa mudança foi o que ocorreu na V Reunião da OMC, que se realizou em Cancun, no México.

A União Européia já convivia com os elevados índices de desemprego e as baixas taxas de crescimento. Além disso, agora, com a inclusão de novos membros - passando de 15 para 25 - e o posterior revés sofrido pelo processo de adoção da Constituição Européia, torna-se muito difícil supor que as demandas por liberalização venham a ser acolhidas. Quanto aos Estados Unidos, os enormes déficits comerciais e os crescentes gastos com as ações militares no exterior também sinalizam reforço de medidas protecionistas. A esse quadro acrescentem-se os receios das principais nações industrializadas em relação à crescente participação da China no comércio internacional.

Foram criados na OMC - é bom também destacar - Grupos de Negociação para as diversas áreas compreendidas pelos mandatos de Doha e um Comitê de Negociações para supervisionar as atividades desses Grupos. Pelo que se percebe, as ações do Governo brasileiro no âmbito da Rodada Doha se limitam apenas às atividades referentes ao tema do comércio agrícola. Além disso, essas ações concentram-se basicamente na participação no G-20, que é um grupo negociador, surgido ao longo da Rodada Doha e voltado basicamente para a liberalização do comércio agrícola e a eliminação dos subsídios à agricultura dos países de Primeiro Mundo, os chamados países industrializados. A título de curiosidade, vou citar os integrantes do G-20: África do Sul, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, China, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Filipinas, Guatemala, Índia, México, Paquistão, Paraguai, Tailândia e Venezuela. Aliás, cabe observar que existe, além desse, outro grupo também chamado de G-20, formado, como sabem V. Exªs, por 11 países em desenvolvimento, juntamente com o G-8 e a União Européia, cujo propósito é o de promover o diálogo entre países industrializados e países em desenvolvimento com vistas a questões mundiais.

Por conseguinte, é muito pouco divulgada e pouco conhecida a evolução das negociações relativas aos demais temas que, no entanto, podem implicar, no futuro, tanto oportunidades como constrangimentos ao comércio exterior brasileiro. Será no âmbito desses outros temas que poderão surgir regras a respeito de questões como investimentos internacionais, direitos de exploração de patentes, uso de barreiras comerciais como parte de política de competitividade, direitos de participação em compras governamentais de outros países, períodos de adaptação para implementação de regras da OMC, entre outros. Os dados contidos na publicação eletrônica intitulada “Carta de Genebra”, publicada pela Missão do Brasil em Genebra, presidida pelo Embaixador Seixas Correia, são bons, mas não permitem, contudo, saber de forma clara sobre a ação negociadora do Governo brasileiro. Por exemplo, como as negociações no âmbito da Rodada Doha estão sendo vistas diante de outras opções de acordos bilaterais e regionais?

Claramente, questões como essas são de grande relevância para a economia brasileira como um todo. É verdade que as deliberações da Rodada Doha ainda deverão ser objeto de aprovação pelos respectivos parlamentos, inclusive do Brasil. E, uma vez adotadas, não sei se a Rodada Doha se concluirá, porque o nível de incerteza é, a meu ver, muito elevado. Mas se essa Rodada for encerrada com êxito, e assim faço votos, espero que possamos discutir melhor o assunto, uma vez que as matérias adotadas pela OMC serão certamente objeto de apreciação pelo Congresso Nacional - tanto pela Câmara dos Deputados quanto pelo Senado Federal - que deverá aprovar os devidos acordos para que sejam devidamente ratificados.

Assim, é fundamental que as Comissões de Relações Exteriores das duas Casas do Congresso Nacional se informem melhor sobre o assunto, convidando o Ministro das Relações Exteriores e o Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior para exporem a posição que o Brasil vai defender na referida Rodada que se efetuará, como lembrei há pouco, em Hong Kong.

            O que se deseja e espera da OMC é que ela venha a se consolidar como agência reguladora do comércio internacional, capaz de assegurar - e isso é fundamental - não somente a liberdade de comércio, mas igualmente normas que corrijam as assimetrias entre as nações ricas e as em desenvolvimento.

Enfim, o que queremos é que a OMC, ao final, crie condições para que tenhamos regras justas e universalmente observadas no comércio internacional, portanto, mais espaço a nações em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. E, assim, possamos construir uma globalização menos assimétrica, mais includente, isto é, uma globalização mais justa.

Era o que tinha a dizer, caro Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/09/2005 - Página 30131