Discurso durante a 153ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Leitura de trechos do Manifesto do Grito dos Excluídos 2005 e da Mensagem da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para o Dia da Pátria, divulgados em razão das comemorações da Independência do Brasil.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. MANIFESTAÇÃO COLETIVA.:
  • Leitura de trechos do Manifesto do Grito dos Excluídos 2005 e da Mensagem da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para o Dia da Pátria, divulgados em razão das comemorações da Independência do Brasil.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 07/09/2005 - Página 30348
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. MANIFESTAÇÃO COLETIVA.
Indexação
  • REGISTRO, ENCONTRO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, NIGERIA, ELOGIO, ATUAÇÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, LUTA, DEMOCRACIA, APROXIMAÇÃO, AFRICA, AMERICA DO SUL.
  • LEITURA, MANIFESTO, AUTORIA, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), ANALISE, CRISE, NATUREZA POLITICA, BRASIL, REIVINDICAÇÃO, JUSTIÇA, PAZ, HOMENAGEM, DIA NACIONAL, INDEPENDENCIA.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, VALOR ECONOMICO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEFESA, NEGOCIAÇÃO, PENA, REU, CONFISSÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BENEFICIO, INVESTIGAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, PRESENÇA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SENADO, ESCLARECIMENTOS, CRISE, GOVERNO FEDERAL.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, MANIFESTO, AUTORIA, ENTIDADE, DEFESA, POPULAÇÃO, EXCLUSÃO, NATUREZA SOCIAL, REALIZAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, DIA NACIONAL, INDEPENDENCIA, BRASIL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Ex.mo Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, Srªs e Srs. Senadores, o Presidente Lula recebeu hoje o Presidente da República Federal da Nigéria, Olusegun Obasanjo, ocasião em que exaltou a maneira com que o Presidente da Nigéria tem ajudado seu país a superar suas divisões e a construir um caminho em que a diversidade encontrou, na democracia, sua melhor expressão.

Numa das passagens, o Presidente Lula diz que, juntamente com o ex-Presidente Nelson Mandela, o Presidente Obasanjo “é celebrado como homem de conciliação na África contemporânea. Aprendemos a admirar a sua postura corajosa em prol da democracia e da boa governança na Nigéria e no Continente”.

O Presidente Lula exaltou e cumprimentou a iniciativa do Presidente Obasanjo de promover um encontro entre a América do Sul e a África, iniciativa que também louvo e desejo apoiar.

Sr. Presidente, ao lembrar as iniciativas de conciliação na África como um exemplo para aquilo que considero tão importante, quero registrar a Mensagem da CNBB para o Dia da Pátria, do Cardeal Dom Geraldo Majella Agnelo, que tem como principal palavra “A verdade vos libertará” (Jo 8.32):

A nossa Pátria vive momentos de grande sofrimento. As instituições políticas do País estão sendo duramente atingidas. Reiteradas denúncias de corrupção perpassam vários níveis do Poder Público. Cresce a indignação ética que nasce da consciência da violação de valores fundamentais da nossa sociedade. A democracia não subsiste à corrupção.

O povo brasileiro precisa recuperar a esperança - pela apuração da verdade dos fatos, pela restituição dos bens públicos subtraídos - numa colaboração eficaz para a real purificação de nossas instituições.

O povo brasileiro precisa recuperar a esperança - pela apuração da verdade dos fatos, pela restituição dos bens públicos subtraídos - numa colaboração eficaz para a real purificação de nossas instituições.

            Quero dizer que, dentro de poucos minutos, irei fazer sugestões sobre como chegarmos a esse objetivo.

O dia 7 de setembro já faz parte da nossa cultura como apelo a sermos sujeitos da nossa história, completando a nossa independência e a nossa soberania. A mãe Pátria espera de todos nós decisões corajosas para uma renovada face da nossa democracia.

No mundo que caminha, cada vez mais, para um pensamento único, somos chamados, pessoas e comunidades brasileiras, à co-responsabilidade pela construção de uma nação com identidade própria, valorizando as riquezas de nossas origens culturais.

A atual crise está levando o povo ao descrédito da ação política. Instaurada pela revelação de práticas ilegais, ela reflete um mal antigo de natureza política, do qual os desvios éticos são sintomas significativos. A cultura da corrupção, alimentada por corporativismos históricos, tem utilizado as estruturas de poder para o benefício próprio, substituindo o debate de idéias por projetos de poder.

Por isso, a crise que nos invade está desafiando o País pra um novo Projeto de sociedade que contemple as reais necessidades da população, sobretudo dos mais empobrecidos, nestes tempos de profundas transformações.

As grandes mudanças das últimas décadas, como a terceira revolução industrial e a ampliação crescente da globalização, estão tendo sérias repercussões políticas e econômicas, concentrando rendas e diminuindo as possibilidades de trabalho. Assistimos o enfraquecimento do Estado-Nação e a transformação das relações entre capital e trabalho.

Um clamor específico está emergindo em meio a esta crise: uma radical reforma do atual sistema político. Não podemos deixar passar este momento sem realizar uma profunda reforma política. Precisamos assegurar a fidelidade partidária, aprimorar os institutos da democracia representativa e favorecer a democracia participativa e deliberativa. O projeto de lei, em tramitação no Congresso Nacional, para a regulamentação do art.14 da Constituição Federal, nos oferece esta possibilidade de participação por meio de referentes, plebiscitos e conselhos, em todos os níveis de decisão.

Mais do que nunca precisamos valorizar a Lei nº 9.840, assegurando sua aplicação, rápida e severa, possibilitando a lisura das campanas eleitorais contra a corrupção eleitoral.

A experiência da participação popular na política - por meio de movimentos sociais, sindicatos, pastorais sociais e partidos políticos - é uma conquista e um patrimônio histórico do povo brasileiro; não pode ser perdida pela ação nefasta de políticos que buscam o poder e vantagens pessoais a qualquer custo.

Queremos, nesse sentido, estimular os cristãos que, em nome de sua fé, se engajaram no mundo da política, dizendo-lhes que vale a pena se doar por uma causa que nos ultrapassa: a política pode ser uma forma de exercício de um amor maior.

O povo brasileiro já deu, ao longo de sua história, muitas provas de energia e capacidade de superar crises. A atual crise política poderá se tornar uma ocasião de amadurecimento das instituições democráticas do País, de comprometimento maior com a verdade que nos liberte de luta por um Brasil justo, solidário e livre, onde “justiça e paz se abraçarão”.

Confiamos nas suas convicções éticas e cristãs, capazes de sempre se reanimar e se levantar com mais coragem e esperança. Está em nossas mãos a mudança do Brasil.

A pedido do Episcopado Católico do Brasil, o dia 7 de setembro deste ano seja ocasião para especiais orações para a nossa Pátria.

Deus nos proteja!

Nossa Senhora Aparecida interceda por nós.

Cardeal Geraldo Majella Agnelo

Arcebispo de Salvador da Bahia

Presidente da CNBB

Dom Antônio Celso de Queirós

Bispo de Catanduva, SP

Vice-Presidente da CNBB

Dom Odilo Pedro Scherer

Bispo Auxiliar de São Paulo

Secretário-Geral da CNBB.

Registro esse documento porque avalio que transcende às mais diversas denominações, não apenas a Igreja Católica. Certamente, o que aqui fala a CNBB tem o sentido amplo de brasilidade, que também poderia ser abraçado pelos muçulmanos, pelos budistas, pelos judeus, pelos evangélicos, por todas as religiões, inclusive pelos não laicos, pelos não religiosos, porque envolve uma questão maior.

Há poucos dias, Sr. Presidente, no jornal Valor Econômico, no artigo “Três Saídas para a Crise Política”, Renato Janine Ribeiro, ao mencionar uma das possíveis saídas, disse que a mais radical só poderia ser sugerida a partir da poesia ou da filosofia.

É o exemplo sul-africano e, em certa medida, peruano. A África do Sul teve um dos poucos estadistas do século XX, Nelson Mandela. (...)

Mandela foi estadista porque entendeu duas coisas. A primeira é que seu país viveu um trauma tão horrível como o nazismo, e não dava para varrê-lo para baixo do tapete (como nós, que vivemos trauma menor sob a ditadura, fizemos). A segunda é que não se podia fazer um Nuremberg e julgar a sociedade branca. Com isso, apenas se conseguiria a fuga dos brancos - como aconteceu na Argélia, em 1962, quebrando o país para sempre. Não dava para se repetir a Argentina, julgando-se os grandes criminosos.

Abriu-se uma alternativa, a Comissão para a Verdade e a Reconciliação, presidida pelo arcebispo Desmond Tutu, tendo como foco a conquista da memória sobre as violências do apartheid, mas também as da militância negra. (...) Todo criminoso poderia depor na comissão. Quem abrisse o jogo inteiro seria anistiado. Quem não o fizesse seria processado por seus crimes. É diferente da delação premiada, porque é um procedimento aberto, público, cuja finalidade não é a punição, mas um ajuste de contas com a memória dos traumas passados.

O que isso nos ensina? Talvez o Brasil possa fazer, finalmente, sua lavagem de roupa suja. Devemos isso há séculos. A apropriação privada da coisa pública tem 500 anos. A Nova República, em 1985, não fez uma devassa. Não teria crimes tão cruéis a apurar quanto no Cone Sul, mas teria casos de corrupção nas obras públicas. O que vivemos hoje de corrupção, sem obras faraônicas nem grandes privatizações, pode ser comparativamente pequeno. Mas não importa: talvez fosse o caso de converter essas CPIs numa grande cena de limpeza, promovida por uma comissão criada em lei mas sem membros políticos, num psicodrama da nacionalidade, num espetáculo que fosse além da catarse.

Sr. Presidente, Senador Sérgio Zambiasi, quem sabe possamos encorajar todas as pessoas, o Presidente Lula, os seus Ministros, os membros da Direção Nacional do PT, os Parlamentares, todos aqueles que, de alguma forma, estiveram envolvidos.

O Deputado Roberto Jefferson trouxe revelação significativa a respeito de fatos pelos quais foi responsável, inclusive crimes e falta de decoro parlamentar. É importante encorajar toda e qualquer pessoa a dizer a verdade inteira. Só isso contribuirá para que o Brasil dê um salto de qualidade em direção à libertação desses mecanismos. Assim, quem sabe, poderemos pensar em algum mecanismo semelhante ao que foi a Comissão para a Verdade e a Reconciliação, criada pelo Presidente Nelson Mandela logo que assumiu, em 1995, que, por lei, permitiu que todas as pessoas que estivessem envolvidas em atos de violação dos direitos humanos e de corrupção, em atos os mais diversos, dissessem o que efetivamente aconteceu.

Renato Janine Ribeiro propõe:

Uma anistia seria necessária, ainda que parcial: em vez da delação premiada, negociada a quatro paredes com promotores, um perdão limitado. Quem confessasse tudo pagaria em dinheiro, em mandato, em direitos políticos, em condenação penal, mas teria talvez a garantia de não ir para a cadeia, podendo cumprir uma pena alternativa.

Quais as vantagens? Primeira, lidaríamos com a realidade. Temos leis muito boas, mas que não aplicamos. Prefiro menos leis, menos boas, mas aplicadas. Vivemos numa série de movimentos pendulares, entre a euforia do Plano Real e a depressão do desemprego, entre a euforia da eleição de Lula e a depressão atual. Têm a ver com o confronto entre nossos ideais e nossa realidade. Por que não olhar nossa cara? Não é bela como gostaríamos, mas também não é tão feia como hoje parece. Esse movimento pendular cria uma sociedade bipolar, que oscila entre o desperdício e o desespero, e que por isso mesmo age pouco. Se queremos agir e enfrentar nosso desafio básico - a iniqüidade social -, um bom começo é encarar nossa realidade.

Sr. Presidente, considero que o mais importante hoje é caminharmos na direção da revelação completa dos fatos. É por essa razão que tenho sugerido ao Presidente Lula que faça uma visita a esta Casa, em sessão do Congresso Nacional, a fim de dialogar com Deputados e Senadores. Nessa sessão, inclusive, a Senadora Heloísa Helena poderia fazer observações, assim como o Senador Pedro Simon e os Líderes. Quem sabe pudesse o Presidente Lula passar algumas horas aqui dizendo da sua percepção e por que algumas pessoas no Governo ou no Partido a que pertence, o Partido dos Trabalhadores, foram levadas a realizar coisas que, no passado, já haviam acontecido, inclusive de responsabilidade de outros Partidos!

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª me permite um aparte, Senador Eduardo Suplicy?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Pois não, Senador Mão Santa, com muita honra.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Exemplo é o que o Presidente Lula tem mais. V. Exª está aí porque foi eleito Vereador em São Paulo, foi Presidente da Câmara Municipal e, com austeridade, administrou aquela Casa legislativa. O povo, reconhecido, trouxe V. Exª para cá várias vezes. E vai trazê-lo outras vezes, pois V. Exª simboliza o que falta ao PT: a virtude da honestidade.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senador Mão Santa.

(Interrupção do som.)

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Concluo minha fala, Sr. Presidente, solicitando a transcrição, na íntegra, do Manifesto do Grito dos Excluídos, que será objeto de reflexão de todos os movimentos sociais. É de responsabilidade da Secretaria Continental do Grito dos Excluídos - Por Trabalho, Justiça e Vida. Sobretudo, assinalo a parte em que se fala das sugestões para construir a nossa utopia.

Acima de tudo, quando falamos de utopia, não estamos falando de nova idealização da realidade social, mas da potencialidade adormecida e presente entre nós. Como queremos que sejam as nossas sociedades? Nossa utopia deve incluir não somente os milhões de seres humanos que habitam o planeta, mas também toda a natureza, as milhões de espécies animais, sem as quais seria impossível a nossa existência, e as diversas formas para garantir uma cidadania universal que permita a todos plena liberdade de movimento na busca de construção de oportunidades para o nosso desenvolvimento.

Muito obrigado, Sr. Presidente Sérgio Zambiasi.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do inciso I e § 2º do art. 210 do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

Manifesto do Grito dos Excluídos/as 2005.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/09/2005 - Página 30348