Discurso durante a 153ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Cobrança de CPMI instaladas no Congresso Nacional para investigação de denúncias de corrupção no Governo, de apresentação de resultados concretos à sociedade pelas CPMI.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT). COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), MESADA.:
  • Cobrança de CPMI instaladas no Congresso Nacional para investigação de denúncias de corrupção no Governo, de apresentação de resultados concretos à sociedade pelas CPMI.
Publicação
Publicação no DSF de 07/09/2005 - Página 30379
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT). COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), MESADA.
Indexação
  • CRITICA, MAIORIA, MEMBROS, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, AUSENCIA, TRABALHO, SEMANA, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, ALEGAÇÕES, EXAME, DOCUMENTO.
  • CRITICA, TENTATIVA, ACEITAÇÃO, JUSTIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, ALEGAÇÕES, LONGO PRAZO, OCORRENCIA, HISTORIA, BRASIL.
  • GRAVIDADE, FALTA, ETICA, IMPUNIDADE, POLITICA NACIONAL, MISERIA, DESEMPREGO, MAIORIA, POPULAÇÃO.
  • CONCLAMAÇÃO, POVO, FISCALIZAÇÃO, COBRANÇA, COMBATE, CORRUPÇÃO.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-Sol - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta semana inventou-se para a opinião pública que não haveria trabalho nas Comissões Parlamentares de Inquérito porque, supostamente, os Parlamentares estariam analisando documentos - o que, convenhamos, não é verdade. É claro que muitos de nós, Parlamentares, estamos aqui cumprindo a nossa obrigação constitucional, mas sabemos que somente quem está aqui está analisando os documentos. Quem está em seus Estados não está analisando documentos. Temos mania - quer dizer, eu não nem os que estão aqui -, mas há muito Parlamentar que tem mania de mentir para a opinião publica, acham que o povo brasileiro é idiota e vai acreditar nisso.

A grande maioria dos documentos, Senador Mão Santa, é sigilosa, e não se pode fazer cópia desses documentos para que os Parlamentares levem-nos a seus respectivos Estados. É um volume tão grande de documentos, são caixas e mais caixas, que seria inimaginável, impossível, que um Parlamentar tirasse cópia de quatro caixas de documentos e os levasse para o seu Estado.

Então seria muito melhor, menos cínico, menos dissimulado, que o Congresso Nacional dissesse isto: não, como há um feriado no meio da semana - e aqui há uma maldita mania, uma maldita cultura de o Congresso Nacional funcionar apenas dois dias na semana, às terças e às quartas - se resolveu ou dar férias ou descanso para os Parlamentares. Qualquer coisa. Agora, mentir é um negócio muito safadinho, especialmente para nós, Senadores, que até para estarmos aqui temos que ter no mínimo 35 anos. Nem idade mais para ficar com mentira nós temos. Por isso que gosto muito de fazer a saudação a todos os Parlamentares que estão aqui.

Claro que não é favor de nenhum de nós, não se trata de nenhum ato heróico pessoal, mas simplesmente do cumprimento da nossa obrigação constitucional estarmos aqui como todos os trabalhadores. Os servidores aqui estão, os serviçais, o rapaz do elevador, os policiais lá embaixo. Então, é simplesmente o cumprimento da nossa obrigação constitucional.

Agora, que fica muito feio, dissimulado, vexatório, desprezível mentir para a opinião pública, fica; dizer que os trabalhos da CPMI ou do Congresso Nacional foram paralisados para que analisássemos documentos, o que de fato, para quem está nos seus respectivos Estados, não é verdade, porque ninguém está analisando documentos. Está descansando, tem o direito de fazê-lo. Agora, não pode é mentir.

Nesse debate sobre a corrupção, Sr. Presidente, Srs. Senadores, se há algo que me irrita profundamente é, para justificar o atual nível de corrupção do aparelho do Estado, a relação promíscua Palácio do Planalto/Congresso Nacional, setores empresariais, lavagem do dinheiro, Bank Boston e outras coisas mais, recorrer à corrupção do passado e analisá-la com naturalidade. É aquela coisa que a maravilhosa judia Hannah Arendt dizia: a banalização do mal.

É verdade que a corrupção sempre existiu no Brasil. Aliás, desde a Carta de Pero Vaz de Caminha. É algo inimaginável. Em 1500, na carta que Pero Vaz de Caminha mandou a Dom Manuel comunicando que estava vendo a Terra de Vera Cruz, ele já fez tráfico de influência, porque, no finalzinho dela, ele aproveita para solicitar a Dom Manuel que dê um indulto a um genro dele que era ladrão de igreja e espancador de padre e estava cumprindo pena em São Tomé, na África. Ele estava pedindo que ele fosse devolvido a Portugal. Então, a corrupção existe desde a Carta de Pero Vaz de Caminha. Isso é verdade.

É verdade também que já há denúncias de corrupção na época da fundação da nossa primeira Capital, a nossa belíssima Salvador, Senador Rodolpho Tourinho. Então, no período de 1549 a 1556, há um amontoado de denúncias de corrupção das construtoras que lá estavam.

É verdade também que, em 1597, o Governador Geral do Brasil, chamado Dom Francisco de Souza, apelidado corretamente de Dom Francisco das Manhas, roubou dinheiro público para botar no engenho dele e permaneceu no cargo.

É verdade também que o Banco do Brasil foi refundado várias vezes, inclusive em 1808, por Dom João VI, que quando, em 1821, voltou para Portugal roubou o dinheiro do Banco e levou para fazer fortuna pessoal em Portugal. Então, é verdade tudo isso.

É verdade que houve corrupção no período da ditadura, houve corrupção no período do Fernando Collor até o Governo Fernando Henrique; muita corrupção no Governo Fernando Henrique, muita vergonhosa corrupção no Governo Fernando Henrique. Infelizmente, o Presidente Lula a ele deu um tratado de moralidade pública porque não abriu uma única auditoria, um único procedimento investigatório, não fez um único encaminhamento ao Ministério Público, ao Judiciário, para mostrar a corrupção grosseira, sórdida do Governo Fernando Henrique.

Agora, isso não é justo, não é ético com o povo brasileiro, especialmente o povo pobre. A nossa sorte é que, embora a grande maioria do povo brasileiro seja pobre - portanto as nossas crianças, mais rapidamente, são tragadas pela marginalidade como último refúgio - é honesta. Por que quem é que agüenta, Senador Pedro Simon, ver seus filhos com fome? Uma vez, alguns anos atrás, acho que no ano em que cheguei a esta Casa, disse V. Exª aqui, corajosamente, que se tivesse um filho seu gemendo de fome e sede dentro de casa, V. Exª até seria capaz de ir a uma padaria da esquina roubar o pão para alimentar o seu filho - e, a mesma coisa, eu faria.

A grande maioria do povo brasileiro é honesta porque, se não fosse, nós já estaríamos numa guerra civil maior do que já estamos hoje. E a grande maioria do povo brasileiro pobre, a grande maioria do povo brasileiro está submetida às migalhas que caem do banquete farto da gentalha do capital financeiro, dos gigolôs dos banqueiros brasileiros, que tomam para si mais da metade da riqueza nacional, construída às custas do trabalho, do sangue, das lágrimas e do suor da grande maioria do povo brasileiro.

Hoje, uma criança de seis anos de idade é olheira do narcotráfico e ganha, como pagamento, um sanduíche de mortadela, um pirulito ou a introdução no craque, para que, pela dependência, continue prestando serviços para a estrutura do narcotráfico. São milhares de casos de dor, sofrimento e miséria, e o povo resiste! Mulheres e homens de bem e de paz continuam, apesar do desemprego, da miséria e do sofrimento, ensinando aos seus filhos que é proibido roubar.

Então, se um pai de família pobre, miserável, que sai de manhã cedo de casa com um pão velho, que nem manteiga tem, para ir ao trabalho; se a mãe de família pobre deixa sua criança trancada dentro de casa para estar num bairro nobre cuidando das meninas e meninos de outras mulheres; se essas pessoas não roubam, qual a justificativa para aceitar a roubalheira que existe hoje no País? Não tem nenhuma justificativa! Não tem!

Se a roubalheira é do balcão de negócios de corrupção implantado pelo Presidente Lula aqui no Congresso Nacional, o balcão de negócios sujos, a estrutura de corrupção tem dois lados: há a estrutura do Palácio do Planalto - que compra os Parlamentares com o dinheiro público roubado, entregando a estrutura pública para ser parasitada e privatizada para conhecidos Srs. Parlamentares que, ao longo de sua história, de todas as formas e modos, conjugaram o verbo roubar; do outro lado, estão aqui os Parlamentares.

Então, a impunidade é inadmissível. Não há discurso de estabilidade econômica, de governabilidade, de estabilidade institucional que justifique o protecionismo a uma camarilha que saqueia os cofres públicos impunemente, seja o Presidente da República, o Presidente da Câmara dos Deputados, o Senador ou o Deputado, o empresário apaniguado da estrutura do poder. Ninguém pode sair impunemente de uma estrutura maldita como esta que foi aqui montada!

Assim, Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, mais uma vez, quero deixar aqui o chamado ao povo brasileiro para que pressione o Congresso Nacional. Há alguns, como o Presidente Severino, que é tradicionalmente fisiológico e corrupto, para quem o Presidente Lula deu a maior comenda da Nação brasileira na semana passada. Agora é conhecido como o homem que está recebendo propina de restaurante.

Se há a propina do restaurante da Câmara, se há a propina do Presidente da República, de Senador ou de Deputado, se há o “propinódromo” daqueles que verbalizam - o Presidente da Câmara verbaliza, porque não é um aprendiz da corrupção -, agora há alguns Senadores, Deputados, membros ilustres do Palácio do Planalto ou do capital financeiro que promovem a mesma operação abafa de forma sofisticada, cínica e dissimulada.

Portanto, é importante que o povo brasileiro pressione, fiscalize, exija a quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico, inclusive dos Parlamentares que estão citados, seja o Presidente Severino, seja os dezoito Parlamentares citados, seja o Presidente da República. É essencial que isso seja feito, para que ao menos possamos dar melhores dias de oxigênio e de ânimo para a grande maioria do povo brasileiro.

Do mesmo jeito que hoje estiveram aqui na porta do Senado, na porta do Congresso Nacional vários estudantes de Brasília; da mesma forma que muitas outras mulheres de bem e de paz espalhadas pelo Brasil, jovens ou idosos estão nessa luta, que é essencial, do combate à corrupção, que todos continuem pressionando.

E, para terminar, Sr. Presidente - estou terminando mesmo, já estou esgotando o meu tempo -, apenas digo que, apesar de toda essa dor, sofrimento e tragédias, existem fatos cotidianos, Senador Paim, que V. Exª vê em todos os espaços deste País. Hoje está na imprensa o que aconteceu em Nova Orleans sobre três crianças, Senador Simon. Uma de dois anos tinha conseguido salvar da casa derrubada o seu irmãozinho de quatorze meses. Três crianças, uma de seis anos e duas outras de dois anos, cada uma estava com um bebezinho no colo procurando o seu pai e a sua mãe; e, em vez de correrem para se salvarem sozinhas, tiveram a grandeza, a solidariedade de buscar as crianças que estavam sob os escombros para salvá-las também.

Do mesmo jeito, há experiências belíssimas de caridade e de solidariedade espalhadas pelo Brasil, mesmo diante do furacão da corrupção, daqueles que se beneficiam se lambuzando no banquete farto do Poder, daqueles que chafurdam na pocilga do capital ou no luxo da estrutura de poder neste Brasil. Mas são muitos e muitos casos maravilhosos e belíssimos que, sem dúvida alguma, nos dão o oxigênio necessário.

Para concluir o discurso, gostaria apenas de contar uma historinha, também retratada por Galiano, sobre uma mãe que perde tudo, como muitas pessoas no Brasil que, embora percam tudo, não conseguem perder a esperança.

A historinha diz assim:

Nos tempos da ditadura militar, na cidade Argentina de La Plata, uma mulher procura alguma coisa que não tenha sido destruída [na sua casa]. As forças da ordem arrasaram a casa de Maria Isabel de Mariani e ela cavuca os restos em vão. O que não roubaram, pulverizaram. Somente um disco, o Réquiem de Verdi, está intacto.

Maria Isabel quisera encontrar no redemoinho alguma lembrança de seus filhos e de sua neta, alguma foto ou brinquedo, livro ou cinzeiro ou o que fosse. Seus filhos, suspeitos de terem uma imprensa clandestina, foram assassinados a tiros de canhão. Sua neta de três meses, butim de guerra, foi dada ou vendida pelos oficiais.

É verão, e o cheiro da pólvora se mistura com o aroma das tílias que florescem. (O aroma das tílias será para sempre e sempre insuportável.) Maria Isabel não tem quem a acompanhe. Ela é mãe de subversivos. Os amigos atravessam a rua ou desviam o olhar. O telefone está mudo. Ninguém lhe diz nada, nem ao menos mentiras. Sem ajuda de ninguém, vai enfiando em caixas os cacos de sua casa aniquilada. Tarde da noite, põe as caixas na calçada.

De manhã, bem cedinho, os lixeiros apanham as caixas, uma por uma, suavemente, sem batê-las. Os lixeiros tratam as caixas com muito cuidado, como se soubessem que estão cheias de pedacinhos de vida quebrada. Oculta atrás da persiana, em silêncio, Maria Isabel agradece a eles esta carícia, que é a única que recebeu desde que começou a dor.

E assim fazemos homenagem a todos, mulheres e homens de bem e de paz que perderam tanto, perderam muitas coisas, perderam a dignidade, perderam os filhos, perderam o emprego, perderam tantas coisas, mas que não perderam ainda a esperança. E é essa esperança que tem cada uma das pessoas espalhadas neste País que nos move, porque senão, para agüentar o que a gente agüenta neste Congresso Nacional de cinismo, de dissimulação, de vigarice escondida ou explícita, seria melhor a gente ficar em casa cuidando da nossa vidinha pessoal, dos nossos filhos, em vez de estar aqui lutando, como é nossa obrigação fazer.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/09/2005 - Página 30379