Discurso durante a 154ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Repercussão da edição de 2005 do relatório sobre a situação social mundial das Nações Unidas.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • Repercussão da edição de 2005 do relatório sobre a situação social mundial das Nações Unidas.
Aparteantes
Rodolpho Tourinho.
Publicação
Publicação no DSF de 09/09/2005 - Página 30439
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, RELATORIO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), ANALISE, SITUAÇÃO, NATUREZA SOCIAL, MUNDO, CRESCIMENTO, DESIGUALDADE SOCIAL, DISPARIDADE, PAIS INDUSTRIALIZADO, PAIS SUBDESENVOLVIDO, PRECARIEDADE, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, POPULAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, PROBLEMA, BRASIL, DESIGUALDADE REGIONAL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, DISCUSSÃO, FALTA, IGUALDADE, TRATAMENTO, GRUPO ETNICO, NEGRO, BRASIL, REGISTRO, SUPERIORIDADE, DESCENDENTE, AFRICA, PAIS.
  • LEITURA, TRECHO, PUBLICAÇÃO, PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), RECOMENDAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, RESPEITO, DEMOCRACIA, INCENTIVO, PROGRAMA NACIONAL, NATUREZA SOCIAL, AUMENTO, OPORTUNIDADE, EMPREGO, DEFESA, NECESSIDADE, CONSCIENTIZAÇÃO, SOCIEDADE, MOBILIZAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, ilustre Senador Tião Viana, Srªs e Srs. Senadores, a edição de 2005 do Relatório sobre a Situação Social Mundial das Nações Unidas - O Problema da Desigualdade, divulgado pela ONU, no mês passado, teve ampla repercussão como era de se esperar, de modo especial em nosso País. Não só por se tratar de assunto que interessa a todas as nações - governos, instituições e pessoas -, mas porque deixa cada vez mais clara a realidade social.

O documento chama a atenção para a desigualdade persistente e, o que é mais grave, em ascensão no mundo todo; focaliza as profundas diferenças entre as economias formais e informais, os ganhos dos trabalhadores qualificados e não-qualificados; dá uma especial atenção às questões relacionadas com saúde, educação e oportunidades nos campos social, econômico e político.

Nos últimos 40 anos, apesar do desenvolvimento tecnológico e econômico, o mundo, surpreso, constata o crescimento das disparidades entre países ricos e pobres; entre as classes mais abastadas e as mais modestas, inclusive dentro do mesmo país. Por exemplo - e o que considero muito grave -, a renda por habitante nos 20 países mais ricos cresceu mais de 180%, enquanto nos 20 mais pobres, o aumento foi de apenas 26%. Essa precária distribuição de renda é também constatada no Brasil, Sr. Presidente, que dispõe ainda de índices muito pouco compatíveis com seu processo econômico. E o que acontece entre os países se reflete em nível continental, estando a América do Sul, espaço onde se insere o Brasil, entre as regiões que acumularam perdas relativas.

Afirma, a propósito, o Secretário-Geral das Nações Unidas Kofi Annan:

Ao identificar algumas das questões mais críticas que afetam o desenvolvimento social em nossos dias, o Relatório pode ajudar a orientar medidas decisivas que visem construir um mundo mais seguro e próspero, em que as pessoas possam usufruir os seus direitos humanos e liberdades fundamentais. Vencer o problema da desigualdade é um elemento deste processo.

Creio não haver discrepâncias quanto à relevância da questão social. Podemos até discordar nas formas e alternativas possíveis para superá-la, mas ninguém ousaria negar que esse é o maior obstáculo à plenitude democrática que estamos conquistando.

Não posso deixar de observar, porém, que esse tema é o mais importante da agenda política em todo o mundo, mormente agora após o relatório da ONU, se considerado que o conjunto de requisitos do que se convencionou chamar de plenitude democrática não abrange apenas o desfrute dos direitos e garantias econômicas e sociais, mas também, frise-se, e com igual relevância, a questão dos direitos políticos. Suponho que para se entender a natureza do que chamamos “crise social”, há de se aceitar que ela resulta de “compromissos não cumpridos pela democracia” a que se refere Norberto Bobbio.

Quais são esses compromissos não cumpridos na opinião que, penso hoje, é consensual? A igualdade de oportunidades que, ainda não atingida, gera necessariamente a desigualdade de resultados em todo o espectro social. Pelo menos por mais de três décadas o mundo vem tomando conhecimento de que se os padrões de injustiça das civilizações contemporâneas não forem corrigidos terminarão por inviabilizar a própria existência dos mais de três bilhões de seres humanos que hoje vivem precariamente abaixo da linha de pobreza e sobrevivem dramaticamente aos padrões de miséria e subsistência.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o outro lado do relatório exibe uma grave constatação: 80% da renda mundial estão concentrados com cerca de um bilhão de pessoas - 17% da população mundial -, enquanto 20% da renda estão com os cinco bilhões restantes, isso significando 83% dos habitantes do Globo. Esses números fazem-me lembrar do Princípio de Pareto, formulado pelo economista italiano Vilfredo Pareto no final do século XIX, segundo o qual a relação 80/20, ou algo próximo, é uma proporção muito freqüente nas relações econômicas e administrativas do quotidiano. Ainda que os atores políticos não devam aceitar o fatalismo estatístico - como não se deve aceitar o fatalismo histórico - os dados do relatório não deveriam ser tão surpreendentes, exceto quanto ao aspecto do aumento das diferenças, em vez de uma alentadora tendência declinante. Sem querer parecer profético, os comentários que faço nesta oportunidade já os fiz em abril de 2001, no XIV Fórum da Liberdade, organizado pelo Instituto de Estudos Empresariais em Porto Alegre.

Na tentativa de popularizar as idéias do desequilíbrio e da assimetria do mundo, o reverendo Padre Theodore Hesburgh criou, há mais de três décadas, em seu ensaio “O imperativo humanitário”, a parábola da nave vagando pelo universo, dotada de quatro compartimentos e quatro tripulantes. Num deles, amontoavam-se três membros da tripulação e os três recintos restantes estavam à disposição de apenas um deles. A questão do espaço se reproduzia em termos de alimentos e disponibilidade dos bens necessários à subsistência. Três quartas partes dos recursos estavam reservadas a apenas um e 25 por cento aos demais tripulantes. Ao fim da viagem, era provável que apenas um sobrevivesse aos riscos comuns.

Essa situação não mudou nos vinte anos seguintes e os informes preparados para a Cúpula Mundial do Desenvolvimento Social, reunida em Copenhague, em 1995, reproduziam exatamente os padrões de referência utilizados pelo ex-Reitor da Universidade de Notre-Dame. Pobreza e desigualdade não são no mundo contemporâneo monopólio dos países mais pobres, nem só do Terceiro Mundo. São mazelas que sobrevivem em países em desenvolvimento e até mesmo em algumas das mais ricas comunidades internacionais. Trata-se, como se vê, de uma preocupação mundial, talvez a mais importante da agenda política.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, agora, 10 anos após a Cúpula de Copenhague, a ONU informa:

Há milhões de pessoas trabalhando que continuam a ser pobres; quase um quarto dos trabalhadores do mundo inteiro não ganha o suficiente para conseguir ultrapassar o limiar de pobreza de um dólar por dia e melhorar a situação da sua família. A grande maioria dos trabalhadores pobres faz parte do setor informal. A evolução dos mercados de trabalho e o aumento da concorrência mundial provocaram uma enorme expansão da economia informal e a deterioração dos salários, prestações sociais e condições de trabalho, sobretudo nos países em desenvolvimento.

Se a desigualdade é o fundamento e a causa principal da crise social em qualquer parte do mundo e nós, no Brasil, não somos exceção, em que ela consiste? Referindo-se apenas ao caso brasileiro, é preciso não esquecer que não se pode falar de um padrão diferenciado e, portanto, não tem sentido aludir-se à desigualdade, mas às nossas várias desigualdades. A mais óbvia, a mais conhecida e talvez a menos comentada é, seguramente, a desigualdade étnica. Não apenas aquela que separa os índices dos padrões de renda de desempenho social e os indicadores de proteção social, como escolaridade, expectativa de vida, habitação e acesso aos serviços de água tratada, saneamento e assistência médica, criando um enorme hiato entre negros e brancos, no país que é a maior nação africana fora da África.

O Sr. Rodolpho Tourinho (PFL - BA) - Senador Marco Maciel, V. Exª me concede um aparte?

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Ouço com prazer V. Exª, nobre Senador e ex-Ministro Rodolpho Tourinho.

O Sr. Rodolpho Tourinho (PFL - BA) - O tema que V. Exª traz é extremamente importante. Quero apenas fazer um comentário sobre a desigualdade étnica, e aí devemo-nos referir claramente à questão do negro no País. Nesse sentido - e aproveito para somar-me a V. Exª em suas preocupações -, estaremos realizando, em Salvador, na próxima sexta-feira, uma audiência pública para tratar do Estatuto da Igualdade Racial, de autoria do Senador Paulo Paim, do qual sou Relator. Entendo que é o momento de pensarmos em tudo que V. Exª expõe agora, para tentarmos minorar daqui para frente; quanto ao passado, não se tem o que fazer, apenas a reparação. O tema da desigualdade étnica no País tem que ser tratado com muita clareza, senão poderemos acabar sucumbindo aos preconceitos. De forma que acho muito próprio o que V. Exª traz e quero me congratular com V. Exª.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Muito obrigado, nobre Senador Rodolpho Tourinho. A propósito da colocação de V. Exª, contida em seu substancioso aparte, quero fazer duas observações. A primeira é a de que V. Exª representa um dos Estados mais importantes do País e que abriga uma acentuada presença de afrodescendentes, marcando e enriquecendo a nossa diversidade.

A respeito do tema, sempre me valho de Joaquim Nabuco, com quem aprendi, lendo seus livros, seus discursos, os comentários que fez sobre a obra de seu pai e, mais recentemente, seus diários. Joaquim Nabuco, que tanto lutou pela abolição, sempre dizia que a abolição da escravatura não significou - pelo contrário, até, sob alguns aspectos, agravou - a desigualdade étnica. Enfim, o País ainda convive com problemas que a simples abolição não conseguiu eliminar as suas causas.

Por isso, congratulo-me com a iniciativa de V. Exª em promover e participar de um grande simpósio no seu Estado, Salvador, que irá tratar desse assunto.

A outra vertente das chamadas desigualdades - e eu coloco no plural porque acho que a questão das desigualdades no Brasil não pode ser tratada no singular - é a que atinge, de forma ainda mais aguda, porém menos admitida, os descendentes dos silvícolas, a despeito do seu crescimento populacional, dado positivo imemorial de integrá-los à comunidade de cidadãos. Se a esses grupos, numerosos em seu conjunto, juntarem-se as minorias e os novos excluídos representados pelos imigrantes vivendo na ilegalidade, teremos a idéia aproximada, mas ainda não efetiva, nem convenientemente mensurada, do que seria a primeira das nossas desigualdades.

Se essa é a desigualdade, poderíamos dizer vertical, há outra tão grave e não menos excludente e injusta, a de cunho espacial ou geográfico. É a diferença, tão marcante quanto cruel, traduzida numa velha constatação, com muitas vertentes. Ela se materializou, no século XIX, com a constatação de Ferdinand Dénis, no seu livro Resumo da História Literária do Brasil, de que éramos “um país sem povo”, dividido em apenas duas categorias: a elite altamente capacitada, que liderava o País e usufruía de todos os benefícios do Estado, e os escravos, marginalizados de toda e qualquer proteção jurídica, de direitos sociais e até de representação política. Ela resultou da estrutura social em função do arcabouço econômico, calcado na monocultura e no latifúndio que a Independência, que ontem celebramos, e a Abolição não foram capazes de vencer. Essa desigualdade espacial penaliza exatamente a mais pobre e a que já foi a mais populosa região brasileira, o Nordeste, que responde hoje, indistintamente, por todos os índices de mais baixo desempenho, no conjunto da Federação brasileira. E isso, é bom frisar, a despeito de o Nordeste, em alguns dos últimos anos, ter crescido mais do que o Brasil como um todo, o que serve para dar uma idéia do fosso que o separa da média brasileira e, de forma mais grave, das regiões de maior desenvolvimento.

À desigualdade étnica e espacial ou geográfica é preciso acrescer outra tão imensa e profunda, a que separa, já não mais em termos de desempenho profissional, mas em matéria de renda e em situações de igualdade, homens e mulheres, aqui e em quase todos os países.

Cotejando-se essas três vertentes de nossas desigualdades, não se torna difícil diagnosticar o perfil dos desafios que teremos de vencer. O principal será o fosso que separa os mais ricos dos mais pobres, isto é, da desigualdade que, refletida em termos econômicos, ainda não traduz as conquistas de aumento da escolaridade, diminuição da mortalidade infantil, erradicação do trabalho penoso de crianças, manutenção da renda e do poder aquisitivo e a diminuição da pobreza, para aludir apenas alguns indicadores mais utilizados. A conclusão inevitável é, lamentavelmente, a de que se torna menos problemático combater a pobreza que superar e vencer a desigualdade.

Se cotejarmos períodos mais longos, mesmo aí conseguimos pequenos, embora insuficientes, avanços. Se os 10% mais ricos ganhavam 28 vezes mais do que os 48% mais pobres, é bom lembrar que essa distância já foi maior.

Sr. Presidente, volto a analisar o relatório das Nações Unidas, enriquecido com a recente publicação, um estudo feito pelo PNUD, que ajuda a compreender as desigualdades no mundo e no Brasil e sintetiza as suas conclusões com diversas recomendações, dentre as quais destaco:

- as assimetrias resultantes da globalização que existem em nível mundial devem ser corrigidas, dando-se mais destaque a uma distribuição mais eqüitativa dos benefícios de uma economia mundial cada vez mais aberta.

- a democracia e o Estado de direito devem ser promovidos e devem desenvolver-se esforços especiais no sentido de integrar grupos marginalizados na sociedade.

E, finalmente, os dois últimos pontos que eu destacaria dentre as conclusões do documento a que me reporto:

            - É necessário melhorar as condições que existem na economia informal através de realização de programas de proteção social e do estabelecimento de melhores enlaces entre economia formal e informal.

- Aumentar as oportunidades de emprego produtivo e digno; os jovens -faça-se uma referência - devem ser um dos alvos das políticas de melhoria social e programas de emprego.

No Brasil, Sr. Presidente, essa guerra não será vencida só pelos governos federal, estaduais e municipais, exigirá a conscientização, a participação e a mobilização de toda a sociedade, aí incluídas as empresas, os fatores econômicos e todos os agentes sociais. Políticas compensatórias ajudam, sem dúvida. É necessário persistir nesse caminho. É preciso ampliar esse e outros esforços. E acelerar esse processo vai depender de três requisitos: manter a estabilidade econômica, acelerar o desenvolvimento econômico e aprimorar os mecanismos decisórios da política, aumentando a eficiência das instituições do Estado.

É a sociedade, em última análise, quem vai decidir quanto está disposta a pagar para que passemos do estágio atual de diminuição das disparidades para eliminação das desigualdades. Esse, certamente, é um grande desafio, é um novo desafio e a ele ninguém pode deixar, a meu ver, de dar sua contribuição.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/09/2005 - Página 30439