Discurso durante a 154ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o discurso do Presidente Lula no dia de ontem e preocupação com a "solidão" atribuída pela imprensa ao Presidente, durante o desfile de 7 de setembro.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Considerações sobre o discurso do Presidente Lula no dia de ontem e preocupação com a "solidão" atribuída pela imprensa ao Presidente, durante o desfile de 7 de setembro.
Publicação
Publicação no DSF de 09/09/2005 - Página 30481
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, POLITICA NACIONAL, FRUSTRAÇÃO, DEFENSOR, SOCIALISMO, PREJUIZO, LUTA, CONSCIENTIZAÇÃO, DENUNCIA, ADOÇÃO, LIBERALISMO, ECONOMIA, CONTINUAÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, NEGLIGENCIA, COMBATE, CORRUPÇÃO, REJEIÇÃO, PRIORIDADE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
  • COMENTARIO, ISOLAMENTO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SOLENIDADE, DATA NACIONAL, INDEPENDENCIA.
  • CONCLAMAÇÃO, VIGILANCIA, POPULAÇÃO, EXPECTATIVA, CASSAÇÃO, MANDATO, CONGRESSISTA, CORRUPÇÃO.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, solicito a V. Exª, como possibilita o Regimento, falar sentada. (Pausa.)

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sabem todos que, como ex-militante do PT e como militante da Esquerda socialista e democrática, fico sempre num misto de tristeza profunda e indignação - e fico indignada na condição de mãe. Tenho certeza de que todas as mulheres e todos os homens de bem e de paz que - repito sempre - querem continuar ensinando aos seus filhos que é proibido roubar ficam indignados diante da impunidade, da delinqüência de luxo e do aparelho de Estado sendo parasitado e privatizado a serviço de uma minoria. Como militante da Esquerda socialista, isso é algo muito difícil para todos nós, porque poderá significar, no mínimo, quinze anos de novas, boas e grandes lutas para se conseguir incutir no imaginário popular alternativas ao pensamento único.

O Governo Lula entregou o atestado de moralidade pública ao Governo Fernando Henrique e a toda a Direita política e econômica que com ele trabalhou nos anos do seu Governo. Nós, aqui, estrebuchávamos com veemência, condenando o processo de corrupção na privatização do Governo Fernando Henrique, e todas as forças políticas que em torno do Governo Fernando Henrique se articulavam receberam atestado de moralidade pública, porque o Governo Lula foi incapaz de abrir um único procedimento investigatório, uma única auditoria, para, de fato, comprovar como eles parasitaram e privatizaram a máquina pública brasileira.

Ontem, ouvi, em parte, o pronunciamento do Presidente, Senador Cristovam, e, ultimamente, em vez de ouvir, tenho preferido ler sobre o assunto. Sinto-me nauseada e não tenho mais condições de assistir a esses programas.

Quem conhece e quem já militou no Partido sabe exatamente, até do ponto de vista da complexa subjetividade humana, o que está acontecendo por lá. Então, já estou ficando sem paciência para assistir. Leio sobre o assunto para cumprir a minha obrigação constitucional, para analisar os fatos do País, mas já não ouço mais o Presidente, primeiro porque não agüento mais vê-lo legitimar a verborragia neoliberal.

Passamos anos condenando tudo isso, foram anos disputando no imaginário popular alternativas ao pensamento único, ao projeto neoliberal, e, hoje, se divulga, para quem quiser ouvir, que esse é o melhor projeto, que vai desde a entrega de parte importante da riqueza nacional ao capital financeiro até a absoluta irresponsabilidade e insensibilidade na utilização dos recursos públicos. Por isso, não há dinheiro para creche, para a saúde, para a segurança pública; para fazer investimentos em infra-estrutura, que dinamizam a economia e geram empregos, geram renda. Mas o que deve ficar no imaginário popular é que há dinheiro para banqueiro e há dinheiro para político safado roubar e se beneficiar desse roubo. É realmente muito difícil agüentar essa cantilena, esses esconderijos.

Ontem e hoje, lendo as manchetes de alguns jornais, tanto do Correio quanto da Folha - vários abordaram isto -, muito mais do que a análise feita pelos meios de comunicação em relação às vaias ou aos aplausos, o que me marcou muito foi a solidão. O poder não é brincadeira não! Realmente, muitos deles, há pouco tempo, estavam lá, ao lado dele, querendo se tornar o mais permeável possível não apenas para fazer parte do balcão de negócios sujos que o Presidente Lula montou aqui, no Congresso Nacional, quando distribuiu cargos, prestígio, liberou emendas, poder, mensalão ou qualquer outro nome dado a essa maldita patifaria para comprar o Congresso Nacional. Além disso, muitos outros com ele estavam em vários momentos.

Se observarmos o palanque do Sete de Setembro do ano passado, veremos que o palanque só não caía com o peso das personalidades políticas - e deveria cair com o peso das consciências - porque devia ser bem estruturado. Muitos que com ele estavam, usufruindo de todo o prestígio que ele tinha, hoje já não mais lá estão. É claro que continuam usufruindo da máquina nos Estados, da liberação de emendas para que continuem a fazer demagogia nos seus respectivos redutos eleitorais, beneficiando-se de toda a estrutura luxuosa de cargos, prestígio e poder, mas já não mais lá estavam para fazer parte do grupo que recebeu as vaias, porque isso é que foi simbólico. Aplausos foram dados pelos militantes convidados ou pelos cargos comissionados que exercem. Estes receberam um convite para estar lá, no palanque, perto do Presidente. Isso não vale! Do mesmo jeito, as esposas dos militares, que estavam lá, como guerreiras, protestando, para que seus esposos pudessem desfilar para cumprir com a sua obrigação cívica.

O mais assombroso é que, infelizmente, o Presidente Lula e a cúpula palaciana do PT não foram capazes de identificar o quanto o poder, por mais que seja sedutor, é provisório, é passageiro. Eles não conseguiram identificar isso, eles foram incapazes de entender que a crítica, por mais contundente que fosse, era fraterna, porque partia daqueles que, em conjunto com eles, ajudaram a construir o PT e a fazer do Presidente Lula a maior liderança popular da América Latina. Eles foram incapazes de entender que a crítica fraterna e construtiva, por mais ácida que fosse, era muito melhor do que a convivência com bajuladores corruptos que iriam continuar parasitando a máquina pública e com os cínicos omissos e dissimulados que preferiam se banquetear na estrutura do poder para não perder cargos, prestígio e outras coisas mais. Infelizmente, eles foram incapazes de ver isso.

Não é à toa que, ontem, no desfile, não havia presidentes de partido, importantes lideranças, nenhum Senador; não os Senadores da Oposição, que não seriam convidados, é óbvio - nem V. Exª, Senador Cristovam, que eu nem sabia que já havia saído do PT -, mas, mesmo os que são leais, jamais seriam convidados. Não havia nenhum Senador; nenhuma grande personalidade nacional estava lá. Por quê? Porque, agora, eles já não servem. Voltarão rapidamente ao palanque se a roda mudar, porque, infelizmente, a soberba, a arrogância e o embevecimento por estarem na estrutura do poder fizeram com que o Presidente Lula e a cúpula palaciana do PT montassem uma tão sórdida, suja e corrupta base de bajulação, que simplesmente querem usufruir nos momentos que cabe fazê-lo.

Talvez eles devessem lembrar-se de outras coisas muito importantes. A história de luta e de libertação do povo de Deus e a história da Humanidade trazem fatos absolutamente preciosos, que mostram como se deve pensar. Um exemplo disso é a bonita passagem bíblica em que Deus manda Jeremias ver o oleiro e, assim, observar como ele se posicionava diante da roda e do barro. Aquele barro tão bonito que estava sendo polido podia ser completamente desmanchado e desmantelado se o oleiro quisesse mudar-lhe a forma, mas ele não conseguiu perceber isso e o quanto a roda era importante: a roda da fortuna, do tempo, do poder.

Ninguém pode imaginar que, porque venceu na vida, essa vitória será preservada ao longo do tempo e que o vencido, provisoriamente, não possa ser o vencedor depois. Por isso, os fatos mais belos da história da Humanidade sempre mostraram como é importante que o vencedor atue com cautela, não se deixando levar pela arrogância e pela soberba, para, mais à frente, não ser o vencido.

Espero, como todos os Parlamentares e como todos os brasileiros, que, o mais rapidamente possível, essa história possa ser esclarecida.

Sabem todos que não tenho dúvida quanto à participação do Presidente Lula em todo esse gigantesco esquema de corrupção. Deve duvidar disso quem faz do Presidente Lula uma avaliação elitista e preconceituosa de que ele é um incompetente, acovardado, o que não é. Quem o conhece sabe que ele é um homem brilhante, muito inteligente, que sempre conduziu com mão-de-ferro a estrutura partidária, que conhece a estrutura governamental e as relações políticas e econômicas que são estabelecidas na promiscuidade do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional: capital financeiro, fundos de pensão, lavagem de dinheiro de narcotráfico e outras coisas sórdidas e sujas, muito maiores.

É claro que este é um momento triste, especialmente para a Esquerda brasileira, mas ele é essencial, porque os mitos não podem ser preservados à custa dos esconderijos e do falseamento da verdade. Essas coisas não são boas para a história da Humanidade, também.

Espero que, cada vez mais, a população brasileira esteja vigilante. Esta é uma semana muito esclarecedora de como funciona o Congresso Nacional. Quem aqui está são os mesmos que sempre estão nas segundas e nas sextas-feiras, os que não se submetem à cultura maldita de se trabalhar em dois dias na semana. Muitos estão mentindo para as suas respectivas bases e para a sociedade de uma forma geral, dizendo que estão analisando documentos de CPI, o que não é verdade, porque isso é feito aqui, na sala-cofre. Ninguém leva três ou cinco caixas de papel amontoado para estudar na sua casa e no seu respectivo Estado.

Até para que se possa identificar a espinha dorsal da estrutura de corrupção do País e da promiscuidade do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional, espero que sejam cassados logo os que devem sê-lo, sejam Presidente da Câmara ou Deputados citados na CPMI, porque também se pode fazer isso.

Todos já sabiam exatamente quem era o Presidente Severino. O Presidente Lula comemorou a sua vitória na Câmara dos Deputados, dizendo que o Governo não estava sendo derrotado, pois se tratava de uma personalidade da base governamental, e, há duas semanas, concedeu-lhe a maior comenda, a maior medalha do Brasil.

Tomara que sejam cassados logo o Severino e os 18 Parlamentares que estão sendo citados, e que se quebrem os seus sigilos bancário, fiscal e telefônicos, para que se possam identificar quais foram os outros beneficiários. Se as lideranças do PT, do PMDB, do PP e do PL receberam milhões, para onde esse dinheiro foi? Quem foram os Parlamentares - Deputados ou Senadores - comprados para votar conforme a agenda definida pelo Presidente Lula? Como se estabeleceu isso no Congresso Nacional é essencial que o povo brasileiro saiba.

Espero que possamos trabalhar esse momento, que é especialmente triste para a Esquerda e para milhões de pessoas que depositaram a sua esperança na eleição da maior liderança popular da América Latina, um filho do povo, um retirante nordestino que derrubava, nas urnas, a elite política e econômica, mas que passou a servi-la. Ele se transformou no filho ilustre da elite política e econômica - da corrupta, que foi administrar com ele a máquina pública, e da relacionada ao capital financeiro, que acabou sendo a grande privilegiada e prestigiada nessa estrutura de poder. Sem dúvida, deveria ser muito importante que vissem todos esses fatos.

Senador Cristovam Buarque, lembro a primeira vez em que vi Brasília. Cheguei aqui como Senadora, quebrando uma tradição, porque, no meu Estado, sentavam-se nas cadeiras azuis do Senado os que haviam nascido em berço de ouro, da cozinha dos pistoleiros ou da varanda dos usineiros. No entanto, o povo de Alagoas, de forma democrática, elegeu uma mulher qualquer, uma filha do povo, para estar no Senado da República.

Lembro que, uma vez, no “Programa do Jô”, falei da primeira vez em que vi o Congresso Nacional, e ele ficou brincando, achando que eu estava exagerando. Hoje, nem arquitetonicamente considero-o tão bonito como já fiz no passado. A Catedral é belíssima, mas não penso o mesmo do Congresso Nacional, como todo respeito a Niemeyer e ao povo maravilhoso de Brasília.

O povo de Brasília é maravilhoso, generoso, honesto, trabalhador, dos mais simples que se encontram.

Senador Cristovam Buarque, acho uma coisa linda o que V. Exª fez como Governador: o carro da autoridade e o carro mais chique da cidade são obrigados a parar na faixa para que o serviçal ou o catador de lixo atravesse. É lindíssimo! O povo de Brasília é maravilhoso, trabalhador, honesto e, muitas vezes, acaba sendo atacado em função da maldição de estar no coração da política nacional.

Lembro, com clareza, do momento em que vi, pela primeira vez, o Congresso Nacional, que hoje conheço muito mais.

Sei exatamente o que é o mundo da política, que pode ser um espaço muito nobre, muito importante, mas que acaba sendo o melhor lugar para quem é vigarista, ladrão, cínico e dissimulado. Quem não é assim sofre muito mais, independentemente das posições que defenda - seja capitalista ou, como eu, socialista -, por precisar agüentar as coisas que aqui acontecem.

Lembro-me de que, na primeira vez em que vi a estrutura do Congresso Nacional, eu disse: “Eita, neguinha, tem que, todos os dias, pisar na vaidade e cuspir no poder, para que o poder e a vaidade não acabem consumindo a sua alma e o seu coração.”

Apesar do que diziam o Presidente Lula ou a cúpula palaciana do PT e por mais que nos lembremos da lutas internas pela disputa dos rumos do Partido e para impedir a degeneração, a burocratização ou que as cúpulas partidárias degeneradas tomassem conta da militância, mesmo assim, muitos de nós ficamos surpresos com o que vimos.

Infelizmente, o Presidente Lula e a cúpula palaciana do PT foram incapazes de ver que, por mais que achassem que estavam usando a estrutura política e econômica a serviço do capital financeiro, dos corruptos, dos que sempre parasitaram em todo Governo, hoje são esses mesmos que deixam o Presidente sozinho no palanque, no dia 7 de setembro. Mas nem isso é capaz de promover uma ebulição na mente do Presidente da República, porque, aonde vai, Sua Excelência continha fazendo piadas, gargalhando, utilizando-se de metáforas, como se não estivesse sentindo a dor e a tragédia que Sua Excelência acabou por promover, esmagando a esperança dos corações de milhões de brasileiros que, em Sua Excelência, depositaram tanta confiança quando o elegeram para a Presidência da República.

            Então, que, o mais rápido possível, possamos fazer o que é necessário, não por moralismo farisaico, por pequeno moralismo burguês, pela preservação das instituições burguesas brasileiras, não por nada disso, mas porque isso é essencial. Se se trata do Presidente da República, do Presidente da Câmara, de quaisquer Parlamentares e dos empresários apaniguados com a estrutura do Poder, é essencial que o Congresso Nacional dê uma resposta à sociedade, ao menos para minimizar a dor das milhares de pessoas espalhadas pelo Brasil.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Agradeço a V. Exª, Senador Rodolpho Tourinho, pela tolerância, já que extrapolei bastante o meu tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/09/2005 - Página 30481