Discurso durante a 155ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Protesto pelas declarações do Presidente do Peru, Alejandro Toledo. Críticas ao atual governo por não enfrentar a questão da publicidade de bebidas alcoólicas.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA EXTERNA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. SAUDE.:
  • Protesto pelas declarações do Presidente do Peru, Alejandro Toledo. Críticas ao atual governo por não enfrentar a questão da publicidade de bebidas alcoólicas.
Publicação
Publicação no DSF de 10/09/2005 - Página 30512
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA EXTERNA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. SAUDE.
Indexação
  • PROTESTO, AUSENCIA, SENADOR, TRABALHO, SESSÃO, SENADO.
  • REPUDIO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, PERU, OFENSA, BRASILEIROS.
  • CRITICA, POLITICA EXTERNA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DISCURSO, INTEGRAÇÃO, AMERICA LATINA, OBEDIENCIA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI).
  • GRAVIDADE, CORRUPÇÃO, VINCULAÇÃO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, CONGRESSO NACIONAL, EMPRESARIO.
  • GRAVIDADE, CONTINUAÇÃO, PUBLICIDADE, BEBIDA ALCOOLICA, INCENTIVO, VICIO, MENOR, JUVENTUDE, ANALISE, DADOS, PREJUIZO, SAUDE, AUMENTO, VIOLENCIA, ABUSO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, ACIDENTE DE TRANSITO, PROTESTO, INCOMPETENCIA, GOVERNO FEDERAL, ACOLHIMENTO, LOBBY, INDUSTRIA.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Srª Presidente, nossa querida Iris, Srªs e Srs. Senadores, eu brincava lá embaixo, embora saiba que a Senadora Iris está cumprindo o que manda o Regimento e tratando com o sistema eletrônico do Senado. Mas é evidente que ficamos até meio envergonhados - e são 10 horas, por mais que isso seja um sufoco danado para os funcionários da Casa, para os garçons etc. -, porque chega a ser uma situação extremamente difícil, numa sexta-feira, num dia de trabalho, já nos encaminharmos para o encerramento das atividades. Logo os Senadores e Deputados, que são muito bem remunerados e que têm a obrigação de trabalhar todos os dias da semana, com todos os outros trabalhadores! Às vezes, ficamos até envergonhados de estarmos sempre os mesmos - não é, Senador Paim? -, aqui, na sexta-feira, na segunda-feira, tentando superar essa cultura maldita de que Parlamentar só trabalha dois dias na semana.

E a grande maioria do povo, da imprensa, todo mundo já passa a encarar com naturalidade essa cultura maldita de que só se trabalha dois dias na semana objetivamente.

Do mesmo jeito, Senadora Iris, que o Senador Alvaro Dias, eu também quero deixar aqui o meu protesto em relação ao que disse o Presidente Toledo. Sou absolutamente favorável à integração da América Latina. Todos nós que temos uma tradição da esquerda socialista democrática sempre fomos absolutamente apaixonados pela nossa Pátria, América Latina, além do nosso Brasil. Sempre fomos absolutamente favoráveis a todas as integrações que possam ser feitas, econômicas e sociais, com outros países igualmente explorados diante daquele que se acha o delegado do mundo: o império americano, os gigolôs do Fundo Monetário Internacional e das instituições de financiamento multilaterais.

É evidente que a mais bela declaração de amor que o próprio Presidente Lula poderia dar para a integração dos povos excluídos do mundo não era apenas fazer uma obra, um financiamento na África, uma obra ligando as estradas do Peru ou de qualquer um outro país da América Latina. A mais bela declaração de amor seria a articulação dos povos da América Latina, da África, dos explorados e humilhados no mundo que igualmente ficam numa posição extremamente difícil diante do Fundo Monetário Internacional, dos organismos multilaterais. E não promovendo essa dualidade política, demagógica de ser servil aos interesses do Fundo Monetário Internacional, de legitimar a verborragia neoliberal, de legitimar a subserviência econômica dos países da América Latina, da África e de outros explorados no mundo todo, em relação à nuvem financeira de capital volátil que paira sobre o Planeta Terra.

Mas, como se isso não bastasse, o Presidente Toledo, que, como todos sabem, e o Senador Alvaro Dias falava sobre isso também, está denunciado por corrupção, ainda comete uma estultice literária quando usa Dom Quixote para responder, valendo-se de uma frase de Dom Quixote, pela qual ele dizia a Sancho Pança: “Ladram porque nós estamos a abrir estradas”, ou seja, aquela discussão de que “os caminhos se fazem caminhando”. E nada tem a ver inclusive com as circunstâncias históricas, até porque, se fosse para garantir uma exatidão do ponto de vista literário, o Presidente Toledo estaria muito mais na fementida canalha que Dom Quixote buscava combater nos seus sonhos, do que mesmo em relação a posições relacionadas a ele, até porque todos sabem como era a história de Dom Quixote de La Mancha: um senhor já de idade que sai por aí tentando imitar a brava gente que povoava seus sonhos. E é em função disso que ele se propõe a sair pelo mundo, consertando as coisas tortas e desfazendo os agravos do mundo. E sai para combater os canalhas, os ladrões, a chamada fementida canalha. Então, é até uma transposição mecânica, estúpida, inclusive, também, do ponto de vista literário.

Sr. Presidente, é claro que sempre acabamos trazendo os assuntos relacionados aos crimes contra a Administração Pública que percorrem os esgotos que ligam à promiscuidade do Palácio do Planalto e, aqui, do Congresso Nacional, as coisas cínicas e dissimuladas da Operação Abafa, do submundo da política brasileira, esteja no Palácio do Planalto ou aqui no Congresso Nacional, no capital financeiro, nos empresários apaniguados pela estrutura de poder que, como estamos analisando em todas as CPIs, especialmente na CPI dos Correios, onde, claramente, só não vê ou quem é inocente e que, portanto, pela inocência, será perdoado em não ver os crimes contra a Administração Pública, patrocinados pela promiscuidade Palácio do Planalto/Congresso Nacional, ou aquele que, por estar se lambuzando do banquete farto do poder, está com a boca tão cheia de usufruir desse banquete que faz de conta que não vê mensalão e outras coisas mais que garantiram a agenda do balcão de negócios sujos montado no Congresso Nacional pelo Governo Federal, o que é extremamente triste.

Mas, além desses outros fatos, já tive a oportunidade de cobrar, várias vezes, uma medida que foi assumida, aqui, no Congresso Nacional - e o Senador Tião Viana não se encontra aqui, mas sei que ele concorda, inclusive, com esse protesto que vou fazer, porque ele era parte do grupo que fazia essa cobrança. Na semana passada, Senador Paulo Paim, tive que retirar um requerimento meu que solicitava a vinda do Ministro da Saúde, porque, como trocam muitos Ministros... Aliás, é uma coisa impressionante, o Governo Lula tira ministros que sempre foram da tradição do PT e coloca ministros do PP, do Severino e de outros mais. É uma coisa que nem Freud explica.

Mas o que vimos? Lembro-me, com a mais absoluta clareza - aliás, foi até colocado no memorial do Tribunal do Santo Ofício, que tal qual o outro, de santo nada tinha - que eu passei no tribunal de inquisição no processo de expulsão do PT. Eles usaram uma medida provisória que lutei muito aqui para incluir, relacionada à propaganda das bebidas alcoólicas.

Quem tem acompanhado esse debate na imprensa, especialmente ao longo do último mês, sabe que é cada vez maior o número de crianças menores e jovens usando uma droga psicotrópica, socialmente aceita, irresponsavelmente estimulada pelos meios de comunicação, pela publicidade livre, que é o álcool.

Eu não tenho nenhum moralismo farisaico contra quem faz farra. Que tome a cachaça que quiser, está tudo muito bem, desde que não vá dirigir depois para atropelar meu filho ou atropelar qualquer um outro ou de repente pegar uma arma e sair por aí matando alguma pessoa.

É absolutamente irresponsável, covarde a postura do atual Governo, que repete o Governo anterior ao não ter a coragem política necessária de tratar da questão da publicidade do álcool.

O álcool é uma droga psicotrópica, irresponsavelmente estimulada pela publicidade livre e irresponsavelmente aceita socialmente. Todas as pesquisas têm mostrado que cada vez mais o acesso das crianças e dos jovens às bebidas alcoólicas é maior. Depois vamos chorar as estatísticas oficiais, que mostram claramente que, se o fumo é prejudicial à saúde do indivíduo, o álcool é cem vez mais prejudicial à saúde do indivíduo, da sua família e da sociedade.

            Sou contra o fumo. Gostaria muito que as pessoas não fumassem. Aliás, o meu pai morreu - eu era bebê de dois meses - com 35 anos de câncer, e ele era fumante. Então, até gostaria muito que o meu irmão não fumasse, que outras pessoas pelas quais tenho carinho e afeto não fumassem, porque sei qual é o significado do fumo na vida das pessoas.

            No entanto, nem se compara com o uso das bebidas alcoólicas. Todas as pesquisas no mundo mostram isso. Quem analisa o impacto das bebidas alcoólicas na vida em sociedade, quem analisa todas as pesquisas feitas no Brasil ou nas melhores universidades do Brasil, dos Estados Unidos, da Europa constatará como se transforma um cidadão pacato num assassino potencial, como a um quilômetro de um bar as pessoas matam muito mais do que a dois, três quilômetros.

Noventa e oito por cento da violência contra a mulher e da violência sexual contra crianças estão associados às bebidas alcoólicas. É o pai, o irmão, o tio que estupra uma criança e que depois vai chorar na delegacia, sem saber exatamente o que aconteceu. Claro que existem os distúrbios psicológicos, claro que há a safadeza e a impunidade relacionada à pedofilia, mas muitos dos casos, especialmente relacionados às famílias pobres e à violência sexual contra mulheres e crianças nas suas próprias casas, têm uma vinculação direta ao uso de bebidas alcoólicas.

A maior gravidade nos acidentes de trânsito está relacionado a quê? A bebidas alcoólicas. O agravo maior ao motorista e o agravo maior ao que é atropelado está relacionado a bebidas alcoólicas.

Este é um Governo fraco, como foi fraco o Governo Fernando Henrique, acovardado, incapaz, quando há o “tzi” da cervejaria corre todo mundo com medo. Na minha sala, nenhum lobista é besta de querer entrar, porque tem até sua integridade física ameaçada. Mas o que eles fizeram aqui! Estou há seis anos nesta Casa, e há projetos de vários Senadores em relação à publicidade de bebidas: do Suplicy, do ex-Senador Requião, atual Governador, meu, da Marina, da Emilia Fernandes. Há projetos de todas as formas e todos os gostos regulando a publicidade, até para, do mesmo jeito que existe em relação ao fumo ou a outros medicamentos, que se possa colocar o que o álcool faz na vida das pessoas. E do mesmo jeito que tem aquele rótulo mostrando o agravo do fumo na carteira de cigarro que possa ter também na garrafa de bebida alcoólica.

Agora o que não pode é as nossas crianças e a nossa juventude serem seduzidas por aquela publicidade maravilhosa, com as mais belas mulheres, vinculando o uso de bebidas alcoólicas a ser bom nos esportes e a ser profundamente sedutor. Como se um homem alcoolizado fosse ganhar alguma mulher, porque não ganha uma. O cabra embriagado achar que vai ganhar uma mulher? Perde todas. Do mesmo jeito, o contrário. Mas é isso que passa na publicidade oficial.

Então, mais uma vez, vou solicitar do Governo coragem política, que supere a covardia de ser pressionado pelos fabricantes de bebidas alcoólicas e estabeleça um mecanismo para impedir a publicidade das bebidas alcoólicas, porque o álcool é uma droga psicotrópica, irresponsavelmente estimulada pela publicidade enganosa e irresponsavelmente aceita socialmente.

Quero deixar claro que não tenho nenhum falso moralismo contra quem enche a cara, absolutamente nenhum moralismo farisaico com quem quer fazê-lo, só precisa saber fazê-lo, ter a responsabilidade de saber como fazê-lo. Que uma criança seja estimulada a isso ou que um jovem acabe tendo acesso a uma droga psicotrópica pela publicidade oficial é diferente. Se fizessem a propaganda de cocaína ou de maconha, iria ser uma gritaria na sociedade.

Há uma outra droga que mata muito mais do que todas as outras drogas. A desgraça das outras drogas é que elas são utilizadas para lavar dinheiro sujo. Não é à toa que na nuvem financeira de capital volátil que paira sobre o planeta Terra 30% são para lavar dinheiro sujo do narcotráfico. Toda essa gentalha que apresenta capital financeiro, estabilidade econômica, como se fossem coisas poderosíssimas, limpas e outras coisas mais, 30% da nuvem financeira de capital volátil que paira sobre o planeta Terra são para lavar o dinheiro do narcotráfico. Não é à toa que os Estados Unidos acabaram com o Afeganistão e não derrubaram um único pé de papoula no Golden Crescent, que era a montanha do crescente dourado, onde existem praticamente 40% da produção de ópio do mundo. Acabaram com o Afeganistão, dizendo que estavam procurando Osama bin Laden, mas não derrubaram um único pé de papoula, porque sabem exatamente que parte importante do capital financeiro está diretamente vinculado à lavagem do dinheiro sujo do narcotráfico.

Assim sendo, Senador Paulo Paim e Senadora Iris de Araújo, mais uma vez, deixo o meu apelo para que o Ministério da Saúde e o Governo Federal tenham a coragem necessária para impedir a publicidade de bebidas alcoólicas. O álcool é uma droga psicotrópica socialmente aceita, irresponsavelmente estimulada pela publicidade enganosa e não pode sair por aí, seduzindo as nossas crianças e a nossa juventude.

Que os adultos possam fazer a opção, até podemos entender. Espero que eles não estejam atropelando as pessoas, estuprando suas crianças, maltratando suas mulheres ou matando as pessoas por aí afora, como todas as estatísticas oficiais demonstram.

Não podemos deixar um problema tão grave simplesmente sob responsabilidade do AA, instituição extremamente séria e importante, que, pela vivência pessoal com o alcoólatra e suas famílias, presta um grande serviço à sociedade. É verdadeiramente nadar contra a correnteza, com essa publicidade oficial que está sendo feita.

É só, Sr. Presidente.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/09/2005 - Página 30512