Discurso durante a 156ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre campanha institucional veiculada pelo TSE, a respeito do referendo sobre porte de arma a ser realizado em outubro próximo.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Considerações sobre campanha institucional veiculada pelo TSE, a respeito do referendo sobre porte de arma a ser realizado em outubro próximo.
Publicação
Publicação no DSF de 13/09/2005 - Página 30539
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, PUBLICIDADE, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), ESCLARECIMENTOS, REFERENDO, PROIBIÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, ARMA DE FOGO, PARTE, IMPLEMENTAÇÃO, ESTATUTO, DESARMAMENTO, ANALISE, GRAVIDADE, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, ESPECIFICAÇÃO, JUVENTUDE.
  • ANALISE, DADOS, PESQUISA, REDUÇÃO, HOMICIDIO, VIOLENCIA, POSTERIORIDADE, CAMPANHA, DESARMAMENTO, VOTO FAVORAVEL, ORADOR, RESTRIÇÃO, PORTE DE ARMA, COMERCIO, FABRICAÇÃO, ARMA, AVALIAÇÃO, NECESSIDADE, CONTINUAÇÃO, PROVIDENCIA.
  • IMPORTANCIA, MOBILIZAÇÃO, COMBATE, VIOLENCIA, VALORIZAÇÃO, FAMILIA, EDUCAÇÃO, CIDADANIA, TRABALHO, OPOSIÇÃO, IMPUNIDADE.
  • DEFESA, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, POPULAÇÃO, DEMOCRACIA, AMPLIAÇÃO, SOBERANIA POPULAR, ANALISE, REFERENDO, PROIBIÇÃO, COMERCIO, ARMA, POSSIBILIDADE, DECISÃO, CONGRESSO NACIONAL, MOTIVO, DEBATE, LEGISLATIVO.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Nobre Senador Tião Viana, que preside esta sessão, Srªs e Srs. Senadores, o Tribunal Superior Eleitoral começou a veicular peças publicitárias alusivas ao referendo que ocorrerá no dia 23 de outubro deste ano, relativo à questão de comercialização e venda de armas.

O início dessa campanha institucional é ensejo para que façamos alguns comentários sobre o tema que está muito ligado, obviamente, às questões relativas à segurança e à violência.

O Brasil se caracteriza hoje, infelizmente, como um dos países que não se situa bem no ranking das nações que têm alto nível de violência, que atinge sobretudo a população mais jovem. E naturalmente isso preocupa não somente às autoridades, mas certamente penaliza muito a nossa população.

É-nos constrangedor, ao ler os jornais ou olhar os noticiários da televisão ou ouvir o rádio, constatar que, em que pesem as medidas adotadas, a violência continua a crescer em nosso País.

O Senado Federal e, posteriormente, a Câmara dos Deputados aprovaram o chamado Estatuto do Desarmamento, que instituiu, entre outras providências, o referendo a que acabo de me reportar, voltado para criar limitações à comercialização e uso de armas de fogo.

As pesquisas, Sr. Presidente, feitas sobre o assunto demonstram que as campanhas do desarmamento, que começaram no ano passado, contribuíram e muito para que se reduzisse o número de homicídios, portanto de mortes por armas de fogo. E, obviamente, contribuíram para reduzir também o número de pessoas feridas, entre as quais, aliás, algumas ficam com limitações para o resto da vida.

Duas pesquisas que tive oportunidade de compulsar, uma da Unesco, que estima que pode ter ocorrido, em função dessas campanhas de desarmamento e também como efeito indireto da aprovação do Estatuto do Desarmamento, uma queda de homicídios, em torno de 15% este ano em relação a igual período de 2004.

Creio, Sr. Presidente, que a medida de evitar o porte de armas de fogo, promover o desarmamento da população e de alguma forma desestimular a sua fabricação, tudo isso concorre para que possamos melhorar ou reduzir os níveis de violência em nosso País. Daí porque o meu voto, no referendo, será favorável.

Eu gostaria também de lembrar que essa é a terceira vez em toda a História do País em que se realiza uma consulta popular de tal magnitude. A primeira, ocorreu em 1963, quando foi posta em discussão - em um plebiscito, na realidade - se deveríamos manter aquele tosco parlamentarismo que estávamos praticando ou se deveríamos retornar ao presidencialismo. E o povo, na sua grande maioria, entendeu - a meu ver acertadamente - de manter o presidencialismo. Em 1993, aí tivemos novamente uma consulta popular, desta feita um referendo, para discutir, não somente se deveríamos manter o presidencialismo vis-à-vis o parlamentarismo, e o povo, mais uma vez, se manifestou a favor do presidencialismo, como também para discutir sobre formas de governo. O eleitorado optou por manter a República e não permitiu, portanto, o retorno à monarquia.

Essa será, portanto, a terceira consulta popular que se faz sobre o tema e a segunda vez em que o País realiza, portanto, um referendo, posto que o ocorrido em 1963 foi - louvado na opinião de especialistas e constitucionalistas - um plebiscito.

Creio desnecessário repetir que o meu voto é favorável, porque entendo que devemos tudo fazer para reduzir a violência em nosso País. Mas cabe, por outro lado, também advertir que a simples proibição para a venda de armas não vai em absoluto acabar com a violência. Não podemos gerar a vã expectativa de que simplesmente essa medida vai, em um passe de mágica, resolver o problema.

Faço essas ponderações para que não haja, por parte da sociedade, uma reversão de expectativa, para usar uma expressão do ex-Ministro Roberto Campos que dizia ser a pior coisa para o político suscitar uma esperança e, depois essa esperança não se materializar.

Eu podia dar o exemplo recente do que aconteceu com algumas medidas que adotamos aqui no Congresso Nacional. Mas vou situar apenas uma: a Emenda Constitucional nº 42, que dispôs sobre a reforma tributária. Toda a sociedade esperava que, com a aprovação da reforma, teríamos uma redução da carga tributária e simplificado o processo, ocorrendo também redução da sonegação. Isso tudo permitiria que o País crescesse a taxas mais elevadas. Sabemos que tal não ocorreu. A sociedade esperava que a reforma tributária atingisse esses objetivos.

Friso mais uma vez: houve uma enorme reversão de expectativa. Pelo contrário, a carga tributária cresceu, não somente em decorrência da Emenda nº 42, mas de legislação que, posteriormente, foi votada no Congresso, acerca de problemas relativos à cobrança de taxas, impostos e contribuições.

Sr. Presidente, as causas da violência não serão eliminadas ou drasticamente reduzidas sem que se ataquem as causas mais profundas. Entre elas, eu começaria pela instituição familiar, a primeira célula da organização social.

A família vem sendo duramente atingida enquanto instituição não somente por apelos da mídia e da imprensa como também por intermédio de outras causas que contribuem para a desagregação do núcleo familiar. Entre muitas razões, que eu poderia citar neste instante - mas o tempo não permitirá que eu o faça -, estão as drogas, que vêm demonstrando à saciedade que são um fator extremamente desagregador da convivência familiar.

A propósito, lembro uma campanha realizada pelo Presidente Reagan, nos Estados Unidos, reputada como a mais bem feita nos últimos anos, porque se voltou basicamente para a família, com apelo para que cuidasse e da educação dos filhos e procurasse evitar os efeitos nocivos da droga à sociedade, de modo especial, aos jovens.

É evidente que, além do problema familiar, de se trabalhar um pouco a preservação da família - que, certa feita, o Papa João Paulo II definiu como a igreja doméstica -, creio que é importante também se investir em educação, que robustece a cidadania. Obviamente, quando se investe em educação, forma-se o cidadão, forma-se alguém com uma noção mais exata dos seus deveres na sociedade democrática - também dos seus direitos. A educação liberta o cidadão, cria condições para o acesso ao mercado de trabalho, para que se realize na comunidade e ascenda socialmente num país ainda marcado não somente pela pobreza, mas também por muitas formas de desigualdade, geradas por questões étnicas, pelo tratamento dado aos imigrantes, pelas desigualdades ainda relativas ao tratamento que se dá aos silvícolas e, por que não dizer, pelas desigualdades decorrentes do tratamento que se dá à mulher no Brasil - se bem que, nesse campo, temos avançado mais do que se esperava. 

Além dessas medidas, convém investir na área de saúde e também buscar executar, de forma mais acentuada, políticas de inclusão social, voltadas, sobretudo, para a geração de emprego e melhoria da renda. A meu ver, se trabalhássemos mais essa questão, certamente reduziríamos a violência. É certo que não se pode atribuir a violência exclusivamente ao desemprego. Pelo contrário, uma pessoa inserida na sociedade e que participa dela ativamente certamente não vai encontrar na violência uma saída ou uma solução para os seus conflitos internos. De outro lado, medidas preventivas de caráter policial e provindas do aparelho judicial do Estado vão colaborar para se minimizar o problema. O Poder Judiciário tem de fazer um grande esforço, juntamente com o Ministério Público, com as Promotorias, no sentido de evitar a impunidade, porque ela contribui, e muito, para o crescimento de homicídios e, por que não dizer, de outros tipos de crime, que concorrem para aumentar a violência no nosso País.

Não posso deixar de aproveitar a ocasião para dizer que precisamos atentar para a necessidade de melhorar os níveis de coesão e de convivência sociais. Nesse sentido, entendemos que é necessário um esforço dos governos, das instituições intermediárias e da sociedade como um todo, para que se aumente a coesão social e para que sejam discutidos colegiadamente os problemas, porque tudo isso, de alguma forma, contribui para que reduzamos a violência e, conseqüentemente, para que construamos uma sociedade menos injusta e mais pacífica.

Sr. Presidente, desejo também fazer outra consideração que julgo importante, no momento em que nos preparamos para a realização desse referendo, no próximo dia 23 de outubro. Trata-se de matéria na qual eu gostaria de voltar a insistir: diz respeito à prática da democracia participativa, ou seja, do recurso à soberania popular.

A Constituição de 1988 dispõe sobre o assunto no art. 14 e prevê três formas de participação da vontade popular na formação da lei. Uma é feita por meio da iniciativa popular, e as duas outras, às quais já me referi, são o plebiscito e o referendo. Ambas contribuem também para que o cidadão possa manifestar-se por convocação do chamado poder representativo, das Casas Legislativas, quer municipais, estaduais ou do Congresso Nacional.

Quero dizer que sou a favor dessas práticas participativas e vou mais além: quando a Constituição de 1988 foi promulgada, apresentei um projeto sobre o assunto, buscando regulamentar o dispositivo do art. 14. Houve duas outras iniciativas: uma do Senador Nelson Carneiro e outra do Senador Wilson Martins. Posteriormente, a matéria foi apreciada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e, se não me engano, relatada - aliás, com um parecer muito competente, pois se trata de um excelente homem público - pelo Senador Jarbas Passarinho, que fez um substitutivo sobre a matéria. Desse substitutivo, brotou a lei que disciplina o assunto. A matéria, aprovada no Senado, foi à Câmara e, posteriormente, à sanção presidencial.

Por outro lado, quando fui Governador de Pernambuco, no período de 1979 a 1982, adotei as chamadas práticas participativas de democracia, mesmo porque entendo que a democracia representativa não colide, não se choca com práticas participativas, chamadas de democracia direta.

O slogan do meu Governo foi “Desenvolvimento com Participação”.

Não somente eu, mas meu Vice-Governador, o hoje Deputado Federal Roberto Magalhães, o então Prefeito do Recife, hoje meu suplente, Gustavo Krause, assim também a Assembléia Legislativa, cujo Presidente era o Deputado José Ramos, trabalhamos muito a questão das práticas participativas e obtivemos êxito na execução de muitos desses projetos. Se sou a favor dessas práticas de democracia direta, ou de democracia participativa, não devo deixar de dizer que, obviamente, isso não pode ser usado improvisadamente. Não deve haver uma banalização desse instituto, mesmo porque a sua utilização excessiva pode levar, como ocorreu em alguns países do mundo, a uma certa apatia do eleitor.

Obviamente, só devemos usar o plebiscito ou o referendo quando houver matéria de alta significação. No caso, por exemplo, da comercialização de armas de fogo, penso que essa é uma matéria sobre a qual o Congresso Nacional deveria deliberar e disse isso na ocasião em que a matéria foi discutida no Senado. Não se trata de matéria que justifique uma consulta popular, como vai ser feita no dia 23 de outubro, porque é um assunto que, obviamente, por seu limitado alcance, poderia ser decidido pelos próprios congressistas, que dominam a matéria e conhecem bem a questão.

De mais a mais, sabemos que a consulta popular tem algumas desvantagens. Ela, de alguma forma, deixa ao cidadão apenas o “sim” ou o “não”, algo que, a meu ver, não permite um esclarecimento adequado da matéria. Ela elide o debate. Aliás, quem diz isso não sou eu, mas Giovanni Sartori, que, em suas observações sobre essas práticas da democracia direta, menciona o fato de que as consultas populares reduzem o espectro do debate.

Enfim, há um certo maniqueísmo - “sim” ou “não”. É algo que estabelece uma mera dicotomia: “cara” ou “coroa”, “sim” ou “não”, etc, quando, na realidade, deixa-se de discutir a matéria em toda a sua complexidade.

A questão do plebiscito e do referendo deve ser reservada para matérias de grande significação, como, por exemplo, a pena de morte. Se fosse uma matéria dessa natureza, obviamente o Congresso Nacional deveria recorrer à consulta popular. Pessoalmente, como sou contrário à pena de morte, me alinharia vigorosamente na defesa da vida.

Também quero dizer que há outros pensadores, como Hanna Arendt, por exemplo, citada recentemente pelo jornalista Mauro Santayana em seu livro As Origens do Totalitarismo. Ela sempre entendeu que esses mecanismos, muitas vezes, podem ser usados por governos autoritários ou totalitários e como forma de manipulação da opinião pública, em detrimento do papel do Parlamento.

Por isso, Sr. Presidente, encerro minha manifestação agradecendo a tolerância de V. Exª e da Casa, e fazendo apenas três considerações finais.

Em primeiro lugar, meu voto é favorável à aprovação da proibição da comercialização e venda de armas. Por outro lado, deve estar bem claro na consciência de cada um que simplesmente isso não resolverá a questão da violência no Brasil, embora possa dar uma contribuição, e que devemos trabalhar para adotar outras medidas que, efetivamente, venham eliminar ou reduzir a violência no Brasil.

Por fim, devemos ter consciência de que esses mecanismos de democracia direta, como plebiscito e referendo, só devem ser usados nos casos em que a matéria for de tal transcendência que exija uma manifestação do corpo do eleitorado brasileiro.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/09/2005 - Página 30539