Discurso durante a 160ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

As nefastas conseqüências da corrupção, que cria obstáculos ao progresso e desenvolvimento dos países.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • As nefastas conseqüências da corrupção, que cria obstáculos ao progresso e desenvolvimento dos países.
Publicação
Publicação no DSF de 16/09/2005 - Página 31155
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • GRAVIDADE, CRISE, CORRUPÇÃO, POLITICA NACIONAL, FRUSTRAÇÃO, PERDA, CONFIANÇA, POPULAÇÃO, CLASSE POLITICA, AMEAÇA, DEMOCRACIA.
  • ANALISE, CUSTO, CORRUPÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, REGISTRO, DADOS, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), RELATORIO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), AMBITO INTERNACIONAL, PERDA, INVESTIMENTO PUBLICO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, CRESCIMENTO ECONOMICO.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: a sucessão aparentemente interminável de denúncias de corrupção que têm vindo à tona ao longo das últimas semanas é motivo de perplexidade e estarrecimento para o conjunto da opinião pública do País e para nós, integrantes da classe política, em particular. Tanto entre os membros da base de apoio ao Governo como entre aqueles que lhe fazem oposição, os sentimentos mais evidentes são de tristeza e repulsa, frente à constatação de que esse vício insidioso de nossa vida pública persiste em flagelar o País, corroendo não apenas os fundos do erário mas, também, a confiança da população nas instituições e, o que é ainda muito mais grave, a própria credibilidade do regime democrático.

Neste momento de tanta preocupação, parece-me oportuno tecer algumas considerações acerca das funestas conseqüências que o fenômeno da corrupção acarreta para a vida social, política e econômica da Nação.

Para que se possa melhor aquilatar quão grave a comunidade internacional avalia ser o problema, basta lembrar que o 4º Fórum Global de Combate à Corrupção, recentemente realizado nesta Capital, afirmou, em sua declaração final, que a corrupção representa uma ameaça à democracia.

Sr. Presidente, considerado apenas o âmbito da economia, as conseqüências da corrupção já devem ser qualificadas como devastadoras. A nós, brasileiros, a corrupção endêmica, histórica e resistente, tem custado muito caro. Veja-se que, segundo a Fundação Getúlio Vargas, o País perde de 3% a 5% de seu PIB, o que equivale a R$72 bilhões, em virtude da disseminação de práticas como pagamento de propinas e licitações com cartas marcadas. No mundo todo, segundo a Organização das Nações Unidas, esse valor chega a US$3 trilhões.

Evidentemente, cada real tragado pelo ralo da corrupção representa um real a menos de investimento na merenda escolar, na aquisição de medicamentos, na construção e na recuperação das nossas rodovias, colaborando, nessa medida, para aumentar a exclusão social em nosso País.

O relatório da Transparência Internacional relativo ao ano de 2004 apontou a corrupção nos projetos públicos de grande porte como um dos grandes obstáculos para o desenvolvimento sustentável, ao diminuir os investimentos em setores públicos básicos como educação, saúde e redução da pobreza.

A corrupção acarreta pesados custos na medida em que vulnera gravemente o potencial de crescimento de uma nação. Afinal, os investimentos externos em um determinado país são sempre prejudicados quando diversas agências estatais, envolvendo políticos e burocratas, exigem propinas dos agentes privados para a implementação de projetos. A conseqüência lógica é que as empresas e os investidores optem por realizar seus investimentos em países menos assolados pela corrupção, já que os “custos informais” acarretados pelo pagamento de propinas entram como fator de desconto no cálculo da rentabilidade de projetos.

            Também por criar instabilidade política, a corrupção onera o crescimento econômico, ao afugentar novos investimentos. O risco político e institucional, que implica incerteza com relação aos direitos individuais e sociais, é sempre levado em conta pelos investidores internacionais e domésticos. Quando esse risco é alto, projetos de novos investimentos podem ser adiados ou mesmo cancelados. Em casos extremos, a corrupção crônica leva países a crises políticas permanentes.

Além do crescimento econômico stricto sensu, a corrupção traz graves prejuízos para o desenvolvimento, entendido este em seu sentido amplo, como garantia de qualidade de vida mínima para toda a população de um país. Afinal, deve-se considerar que, em várias economias, a corrupção implica diminuição da eficácia dos investimentos ditos sociais, por ineficiência deliberada dessas políticas ou por puro e simples desvio de verbas públicas destinadas para as políticas de combate à pobreza, de melhoria da educação, da saúde etc.

A corrupção, portanto, quando endêmica e crônica numa sociedade, é extremamente danosa, não só para o crescimento da economia, mas também para o desenvolvimento social e humano.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o próprio sentido das normas e regulações estabelecidas pelo Poder Público é excluir algumas áreas de convivência social da lei do mais forte, do mais rico, do mais esperto, mediante a introdução de garantias para a segurança, a igualdade e a justiça entre os cidadãos e nas relações negociais.

Quando um agente corruptor faz uso de propina para contornar essas normas e regulações, quem sai perdendo?

Em primeiro lugar, perde aquele que não é o mais forte, o mais rico, o mais esperto, aquele que era o destinatário da proteção instituída pela norma. Se as regulações podem ser evitadas mediante o pagamento de um suborno, voltamos à era do vale-tudo, dribladas as regras de convivência social e suprimida da apreciação do Poder Judiciário a lesão dos direitos. O desenvolvimento de atividades reguladoras pelo Estado visa à preservação do bem comum. Assim, a corrupção prejudica a sociedade, que conta com a fiscalização do Estado, favorecendo tão-somente o corruptor e o corrupto.

O segundo perdedor com a corrupção é o próprio Poder Público, que, por sua causa, acaba caindo em descrédito. Um Estado cujos funcionários se deixam subornar freqüentemente é, na verdade, somente uma fachada. Não consegue regular as relações sociais e as atividades econômicas para torná-las mais justas, mais seguras, mais produtivas. Na medida em que as instituições do Estado são corrompíveis, os cidadãos também deixam de acreditar no princípio do bem comum, um espaço do convívio social fora da lei da selva.

O terceiro perdedor é o empreendedor privado honesto. A corrupção estabelece uma concorrência desleal entre aquele que segue as normas e aquele que paga propina para fugir a suas obrigações ou para obter privilégios. Se o Estado não consegue fazer valer as suas normas, ele sinaliza aos empreendedores que a sobrevivência no mundo dos negócios sem praticar atos de corrupção significa competir com outros que têm menos custos de investimento, pagam menos impostos, temem menos a fiscalização e conseguem mais contratos públicos e a preços melhores. Na esfera privada, a corrupção tende a contaminar sucessivamente os mercados.

Sr. Presidente, por fim, deve-se considerar uma das mais terríveis conseqüências da corrupção, que é a deterioração por ela provocada na imagem do regime democrático. Isso é particularmente verdadeiro nos países onde a democracia é uma conquista recente. Naqueles outros que se caracterizam como democracias estáveis, a corrupção afeta os governos e seus protagonistas, mas não compromete as instituições políticas. Países de tão arraigada tradição democrática como os Estados Unidos da América, o Reino Unido, a França e a Itália viveram, no período recente, rumorosos escândalos de corrupção, que acarretaram grande desgaste para seus governantes e parlamentares. Não houve, lá, contudo, qualquer questionamento por parte da opinião pública quanto à validade do regime democrático representativo.

Já em países como o Brasil, onde a democracia é uma conquista recente, a corrupção pode adquirir uma dimensão não só política, mas, também, institucional. Há motivos para nos preocuparmos em que medida - e em que prazo - a percepção de que a corrupção é generalizada não poderá levar ao descrédito da democracia. Afinal, o respeito ao devido processo legal na repressão às condutas delituosas é uma exigência do regime democrático. Para as mentalidades politicamente menos esclarecidas, pode parecer tentadora a alternativa de abrir mão das franquias democráticas em troca de uma repressão pretensamente mais eficaz ao crime em geral e à corrupção em particular.

Em outros países latino-americanos, politicamente menos estáveis que o Brasil, esse risco é ainda maior. Cabe, contudo, lembrar àqueles que se possam mostrar sensíveis às tentações autoritárias que são exatamente as liberdades democráticas que facilitam a descoberta dos esquemas de corrupção. Nos regimes totalitários, onde não impera o Estado de Direito, a percepção da corrupção é, às vezes, menor, justamente em virtude do cerceamento à liberdade de imprensa, da falta de autonomia do Ministério Público, da facilidade de acobertamento de seus atos espúrios de que gozam os poderosos.

Em outras palavras, a corrupção não é menor do que nas democracias, apenas é mais facilmente encoberta. E os terríveis rigores da repressão, que prescindem do devido processo legal, são reservados não necessariamente aos corruptos, mas, sim, àqueles corruptos que não atuam em sintonia com os poderosos de plantão.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como se pode ver, são terrivelmente deletérias as conseqüências da corrupção para as nações e seus respectivos cidadãos. Algumas vezes, ela os impede de exercer plenamente seus direitos civis e políticos. Outras, priva-os de seus direitos sociais e econômicos. Em qualquer caso, a corrupção cria obstáculos ao progresso e desenvolvimento dos países, prejudicando todos os setores da sociedade.

Essa a reflexão que desejei trazer ao conhecimento da Casa, neste difícil momento em que a Nação é defrontada com tantas denúncias, com a revelação de tantos escândalos.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/09/2005 - Página 31155