Discurso durante a 161ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Pedido de apuração, por parte da Polícia Federal, de incêndio ocorrido dentro da Reserva Indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Pedido de apuração, por parte da Polícia Federal, de incêndio ocorrido dentro da Reserva Indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima.
Publicação
Publicação no DSF de 20/09/2005 - Página 31328
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, TELEJORNAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), INCENDIO, MISSÃO, IGREJA CATOLICA, LOCALIZAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), CRIME DOLOSO, CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE, OPOSIÇÃO, HOMOLOGAÇÃO.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, NOTICIARIO, IMPRENSA, ESTADO DE RORAIMA (RR), ENDEREÇO, INTERNET, CONSELHO, IGREJA CATOLICA.
  • DETALHAMENTO, POLEMICA, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), FAIXA DE FRONTEIRA, SOBERANIA NACIONAL, DESRESPEITO, INTERESSE, COMUNIDADE, INDIO, ESTUDO, COMISSÃO EXTERNA, SENADO, CAMARA DOS DEPUTADOS, IMPOSIÇÃO, VONTADE, IGREJA CATOLICA.
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, INTERNET, COMENTARIO, CRIME, INCENDIO, SUSPEIÇÃO, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, AMBITO INTERNACIONAL, ANTERIORIDADE, DECISÃO JUDICIAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), CONTESTAÇÃO, ILEGALIDADE, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), SOLICITAÇÃO, ORADOR, INVESTIGAÇÃO, POLICIA FEDERAL.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, no sábado, no jornal da Rede Globo, foi noticiado um incêndio numa missão da Igreja Católica localizada na Reserva Indígena, recém-demarcada pelo Presidente da República, Raposa Serra do Sol, no meu Estado.

Ontem, o “Fantástico” anunciou, com mais detalhes, a mesma notícia, dando conta de que pessoas contrárias à homologação teriam incendiado o hospital, - que não funciona mais como hospital, mas como uma espécie de casa de doutrinação - a igreja e os aposentos nos quais são acolhidos padres das mais diversas origens do mundo.

Aqui eu quero de antemão requerer a transcrição, como parte do meu pronunciamento, de matérias publicadas nos jornais do meu Estado, na Folha de Boa Vista e também nos sites do Conselho Indígena Missionário e do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, transcrevendo uma notícia produzida pelo Conselho Indígena de Roraima, que é um braço do Conselho Indigenista Missionário, da Igreja Católica.

Eu quero fazer uma retrospectiva. Essa questão da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol se arrastou durante trinta anos. Inicialmente, era a Reserva Indígena Serra do Sol e a Reserva Indígena Raposa, distando uma da outra 150 quilômetros em linha reta. Entre uma e outra existiam pouquíssimas comunidades indígenas. Adredemente, a Igreja Católica criou o Conselho Indígena de Roraima e, por meio dele, foi pulverizando as comunidades existentes de forma a preencher de maneira esparsa, com os mesmos índios que lá estavam, essa área e criando uma só área, de um milhão e setecentos mil hectares, numa área de fronteira com o Brasil, a Venezuela e a Guiana; a Venezuela e a Guiana, quanto a essa área, têm o litígio de terra, porque a Venezuela não reconhece como da Guiana a área da Guiana. Então, é uma área de conflito para o Brasil, uma área de interesse de soberania nacional.

            O mais interessante é que a maioria dos índios que moram lá nunca quis essa demarcação de forma contínua, mas a Igreja Católica, através de seus órgãos - CNBB, o CIME e o CIR -, como detentores da verdade suprema, resolveu impor a vontade na marra, digo na marra porque nem o Presidente Fernando Henrique Cardoso teve coragem de homologar. Naquela ocasião, S. Exª ouviu todos os lados da questão e não homologou.

O Presidente Lula, quando assumiu, determinou que fosse feito um estudo sobre o assunto, inclusive determinou que o Sr. Ministro Márcio Thomaz Bastos fosse lá e ouvisse todas as partes, principalmente os índios que moram naquela região. O Sr. Ministro foi lá e ouviu os índios - eu estava também, nessa ocasião -, que, na sua maioria, não queriam a segregação, esse apartheid na área. Assim mesmo, o Sr. Ministro, contrariando a tudo e a todos, além de usar de falsidade para com o Supremo Tribunal Federal, fez com que as ações que existiam contra essa demarcação contínua fossem, usando um artifício jurídico errado, derrubadas pelo Supremo, baseando-se na falsa informação do Ministro de que tinha baixado uma portaria revogando a anterior. S. Exª não a havia baixado, porque só depois, no dia seguinte ao da decisão do Supremo, é que a portaria foi publicada. Portanto, com base em uma mentira, o Presidente da República, para agradar - como Sua Excelência mesmo disse depois -, no dia 15 de abril, baixou um decreto homologando de forma contínua aquela reserva.

Criou-se, pois, um impasse, o qual foi devidamente apontado pela Câmara dos Deputados, mediante uma Comissão externa, cujo Relator foi o Deputado Lindberg Farias, do PT - portanto, em tese, insuspeito para falar sobre o assunto -, e pelo Senado, por uma Comissão externa cujo Relator foi o Senador Delcídio Amaral, Líder do PT e do Bloco de Apoio do Governo - portanto, em tese, também insuspeito para falar sobre o assunto. Ambas as comissões recomendaram ao Presidente da República que não demarcasse a área de forma contínua e que, de apenas 1,7 milhão de hectares a serem demarcados, fossem retirados 320 mil hectares. Restaria ainda uma reserva com 1,4 milhão hectares, em uma fronteira delicada para o Brasil. Entretanto, nem isso serviu de suporte para o muito sabido Ministro da Justiça evitar que acontecessem, como foi relatado pelas duas Comissões, conflitos que eram previsíveis.

Ocorre que esse incêndio que aconteceu agora é muito suspeito, pelo seguinte: a demarcação ocorreu em abril, e essas organizações ligadas à Igreja Católica marcaram para setembro uma comemoração pela demarcação das terras indígenas, mandaram buscar na Itália o Bispo que, na época, começou essa confusão, Dom Aldo Mongiano - que já está em Roraima -, bem como uma Senadora italiana. Já havia até uma rede de televisão de Portugal e da Itália aguardando para filmar esses festejos. E, coincidentemente, quatro dias antes dos tais festejos, em que o Ministro Thomaz Bastos vai a Roraima representar o Presidente Lula, incendeia-se a Missão Católica na região da Raposa Serra do Sol, na Vila do Surumu. Isso é muito interessante.

Por isso, quero aqui fazer a leitura - e peço que tudo seja transcrito na íntegra - de um artigo publicado no site Fontebrasil, de autoria do Sr. Amazonas Brasil, que é um Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, já aposentado. Vou ler somente uma parte que diz o seguinte:

(...) o susto da manhã foi bem menor que o da hora do almoço: fui informado que a Missão Surumu, de responsabilidade da Ordem Consolata (que fica na Vila Pereira, área Raposa Serra do Sol), cujo bispo italiano, anterior ao atual, defende ardorosamente área contínua de 1.700.000ha e é o principal responsável por todas as ações de mobilização da minoria de índios coordenada pelo CIR, foi totalmente destruída por um incêndio criminoso.

De imediato, a pergunta: a quem interessa essa violência?

E de pronto a analogia comum a um fato histórico e criminoso: Adolfo Hitler mandando queimar o parlamento alemão, atribuindo tal fato ao Partido Comunista, promovendo intensa campanha na imprensa para justificar a perseguição que faria aos comunistas, como de fato fez, e, com isso, consolidando a ditadura nazista.

Porque a correlação: incêndio da Missão Surumu e incêndio do Parlamento alemão?

Vejamos:

1. apesar da homologação, existe ação, no Supremo Tribunal Federal, contestando a legalidade dos procedimentos adotados pela Funai, apontando vários vícios e inconstitucionalidades, propondo a nulidade do ato. Portanto a questão está sub judice. Por isso estranhamos a presença do senhor Ministro da Justiça para comemorar a decisão de um ato que ainda não transitou em julgado;

         Faço um parêntese para dizer que aqui mesmo, no Senado Federal, existe um decreto legislativo que objetiva anular o decreto do Presidente que homologou a reserva.

2. mesmo assim, sem a decisão final da Justiça, a FUNAI continua a iniciativa para retirada dos não-índios que habitam a região Raposa Serra do Sol, inclusive fazendo avaliação de benfeitorias que podem ser contestadas;

3. dentre os não-índios estão os arrozeiros que ocupam uma área próxima à Missão Surumu.

Os produtores de arroz são pessoas com relativo poder financeiro graças a altas produtividades alcançadas em suas lavouras modernas e eficazes. E estão irresignados com a homologação e a decisão da FUNAI de retirá-los imediatamente da área contínua. Portanto, os arrozeiros prometem, publicamente, usarem todos os recursos legais para não saírem da área, sendo assim o principal obstáculo à consecusão dos objetivos da FUNAI;

4. ressalte-se que, para comemorar a homologação da Raposa Serra do Sol, foram convidados representantes da imprensa européia. E já está em Boa Vista a equipe de uma TV portuguesa, sendo esperada a chegada de outra de Londres.

Será que a simples comemoração da homologação é notícia internacional? Ou seria preciso gerar um fato que justifique a presença da imprensa internacional?

A quem interessaria queimar a Missão Surumu?

Sr. Presidente, quero pedir não ao Ministro da Justiça, porque não confio em S. Exª - depois que fez essa verdadeira molecagem jurídica com o Supremo Tribunal Federal, não confio mais nesse Ministro -, mas à Polícia Federal, que é uma instituição que está acima do Ministro, porque é permanente, não depende desse Ministro ou de outro, que faça uma investigação séria, que avalie as duas vertentes, porque é muito estranho que, a quatro dias de uma comemoração, se resolva queimar a Missão, sendo que passamos trinta anos brigando contra essa demarcação contínua. Temos elementos na Justiça e estamos lutando - o Governo do Estado, eu e o Senador Augusto Botelho, outros Parlamentares de Roraima, Deputados Federais, e os próprios não-índios daquela região também têm ações na Justiça. Então, estamos buscando os caminhos legais. Por que alguém que não concorda com isso queimaria os prédios da Missão Católica no Surumu? É preciso verificar.

Tenho todo o respeito aos católicos - sou católico, inclusive -, mas a Igreja Católica tem no seu passado as Cruzadas, a Inquisição, e não podemos confiar nesses que às vezes se deixam fazer de companheiros de Deus ou professores de Deus, pois pensam que a verdade que eles defendem é a única verdade, ou a verdade acima de todas as outras.

Estive, há poucos dias, na região da Raposa Serra do Sol, em uma comunidade indígena chamada Flechal, onde estava havendo festejos típicos, reunindo várias comunidades. Juntamente com o Governador, tivemos que decolar da pista dessa comunidade para uma outra vizinha, porque o avião não tinha capacidade de decolar com todos os passageiros. Pois bem, a pista ficava na comunidade vizinha, que é ligada ao Conselho Indigenista de Roraima, e lá descemos eu e o Governador enquanto o avião ia buscar os outros passageiros. E fomos tratados de maneira hostil pelo tuxaua daquela comunidade, chamado Duarte. Ao contrário dos índios da região que não defendem a área contínua, eles não aceitam nem luz elétrica nem nada, embora falem o português fluentemente e tenham a sua “fonia” ligada 24 horas com o comando da Funai.

Além de fazer esse registro e de manifestar minha suspeita quanto a esse ato praticado naquela região, peço à Polícia Federal que realmente investigue o caso. Quero também denunciar que, para esse ato, para essa festa de homologação, estão sendo designados mais de cem homens da Polícia Federal para darem garantia às festas, principalmente durante a visita do Sr. Ministro da Justiça. É preciso perceber que, enquanto o povo passa fome, o Ministro vai para lá fazer festa; enquanto o povo passa fome, o Ministro vai para lá impor algo que o povo daquela região não quer.

Portanto, deixo registrada a minha indignação e, ao mesmo tempo, o meu pedido de uma apuração isenta por parte da Polícia Federal. Não é preciso, portanto, nem o Presidente da República nem o Ministro mandarem investigar o caso, pois a Polícia Federal age de ofício. Tenho certeza de que, juntamente com o Ministério Público Federal, haverá uma apuração isenta para passarmos a limpo essa questão, a fim de que, um dia, possa realmente existir naquela região a paz entre os índios que pensam de um jeito e os que pensam de outro e também entre a população não indígena das vilas que compõem toda a área de fronteira, como Mutum, Água Fria, Socó e a Vila Surumu, também chamada de Vila Pereira, onde houve o acidente.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

“Missão Surumu”;

“PF vai readequar plano para garantir segurança nos festejos”;

“Violência em Raposa Serra do Sol”;

“Homens encapuzados invadem e tocam fogo em Centro Indígena de Formação”;

“Violência em Raposa Serra do Sol”;

“Missão do Surumu é saqueada”; e

“A quem interessaria queimar a Missão do Surumu?”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/09/2005 - Página 31328