Discurso durante a 163ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao ex-Presidente do Senado, Senador Petrônio Portella, na passagem do dia 12 de setembro corrente, do octogésimo aniversário do seu nascimento.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao ex-Presidente do Senado, Senador Petrônio Portella, na passagem do dia 12 de setembro corrente, do octogésimo aniversário do seu nascimento.
Aparteantes
Edison Lobão, Eduardo Azeredo.
Publicação
Publicação no DSF de 22/09/2005 - Página 31621
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, PETRONIO PORTELLA, EX PRESIDENTE, SENADO, ESTADO DO PIAUI (PI), ELOGIO, ATUAÇÃO, VIDA PUBLICA, EXERCICIO, MANDATO, DEPUTADO ESTADUAL, PREFEITO, GOVERNADOR, PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, ALIANÇA RENOVADORA NACIONAL (ARENA), MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), EMPENHO, BUSCA, ARTICULAÇÃO, NATUREZA POLITICA, PAIS, RETORNO, PLURIPARTIDARISMO, PERIODO, ESTADO NOVO, EMENDA CONSTITUCIONAL, IMPLEMENTAÇÃO, ESTADO DE DIREITO, REVOGAÇÃO, ATO INSTITUCIONAL, ATO COMPLEMENTAR, CONCESSÃO, ANISTIA.
  • LEITURA, TRECHO, APRESENTAÇÃO, LIVRO, AUTORIA, PETRONIO PORTELLA, EX SENADOR.
  • SOLICITAÇÃO, PRESIDENCIA, SENADO, REMESSA, HOMENAGEM, ORADOR, FAMILIA, EX SENADOR, ESTADO DO PIAUI (PI).

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, desejo homenagear, hoje, a memória do Senador Petrônio Portella.

Se a “indesejada das gentes”, como Manoel Bandeira apelidava a morte, não o tivesse subtraído tão cedo do nosso convívio, estaria ele celebrando, neste mês, seus 80 anos.

Nascido em Valença, Piauí, em 12 de setembro de 1925, faleceu aos 54 anos, ao tempo em que exercia as funções de Ministro da Justiça do Governo João Figueiredo e desempenhava, concomitantemente, as tarefas de coordenador do processo de abertura política, iniciada pelo Presidente Ernesto Geisel.

A atividade política, sabe V. Exª, Sr. Presidente, é exigente. Ela não convive com o diletantismo, nem com o interesse pessoal. Pressupõe, antes, uma espessa provisão de sol interior, de que falava Joaquim Nabuco, isto é, “o interesse vivo, palpitante, absorvente no destino e na condição alheia”.

Era Petrônio Portella o autêntico homem público e posso com convicção dizê-lo por haver sido seu amigo e dele haver haurido lições de espírito público e de ideais, pois ao verdadeiro político não basta ter idéias, é necessário também acreditar nas utopias possíveis e colocar-se a serviço de causas que dão significado e objetivo a toda uma vida.

Parecia Petrônio Portella saber-se dotado de alicerces subterrâneos que, na visão de Ortega y Gasset, vertebram a gigantesca estrutura de um grande político. Foi essa compreensão que o conduziu a afirmar que o homem público “não escolhe os seus destinos; os seus destinos são aqueles designados pelo povo”.

Cedo ainda, com pouco mais de 20 anos, Petrônio Portella revelou-se líder estudantil na então Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro, lutando em prol da redemocratização do País que levou ao fim o Estado Novo de Getúlio Vargas. A partir daí, Petrônio Portella transformou sua vocação em missão de toda sua existência. Foi no seu Estado natal, o Piauí, sucessivamente, Deputado Estadual, Prefeito de Teresina, Governador; no plano nacional, Presidente da Arena, Senador da República em duas oportunidades, em cuja Casa foi também Líder do Governo, e duas vezes Presidente da instituição. E, finalmente, Ministro de Estado da Justiça, em cujo exercício faleceu, vítima de brusco enfarte.

Concedo um aparte ao nobre Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Senador Marco Maciel, V. Exª faz uma das homenagens mais justas de que se têm notícia nesta Casa a um homem público da melhor qualidade, a um exemplo de homem público, que foi Petrônio Portella. Eu era jornalista político e convivi com ele, juntamente com V. Exª também, que era da mesma geração. Petrônio Portella avultava por sua inteligência e por seu talento político pessoal. Ele se sobressaia, como poucos neste País, por seu espírito público, a que V. Exª faz menção. Ele era possuidor da sensibilidade do estadista. Foi um líder extraordinário. Contra ele, nunca se dizia absolutamente nada, pela sua correção pessoal, pela maneira como conduzia as suas decisões e o seu comportamento político. Petrônio Portella, com pouco mais de 50 anos, foi Ministro da Justiça. Infelizmente, o País o perdeu. Ele seria candidato a Presidente da República, penso eu, até sem competidor, de tal modo ele avançou no conceito político deste País. Essa homenagem que presta V. Exª a esse homem público é de extrema justiça. Oxalá pudéssemos a cada momento homenagear homens públicos desse jaez! Petrônio merece, portanto, as homenagens do Senado da República, as quais propõe V. Exª.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Nobre Senador Edison Lobão, agradeço-lhe o aparte e, como sempre, um aparte denso de quem, à época, era jornalista e cobria os fatos da vida de então. E mais: jornalista político, que teve a oportunidade de acompanhar Petrônio Portella não somente em suas atividades aqui no Senado Federal, mas também no exercício da chamada “Missão Portella”, que, percorrendo todo o País, não somente buscou trabalhar no sentido da transição para a democracia, como também para o fortalecimento das nossas instituições. Ele, efetivamente, foi uma das figuras mais importantes, sob o ponto de vista político, da segunda metade do século XX. Por isso, V. Exª faz bem em render-lhe a devida homenagem e, prestar-lhe o preito de gratidão, de reconhecimento pelo que fez pelo País.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Permita-me V. Exª mais uma ligeira intervenção. O Presidente Ernesto Geisel era um estrategista, inclusive um estrategista político, e decidiu fazer do Senador Petrônio Portella Presidente do Senado, para que ele liderasse a distensão. Geisel desejava, realmente, restaurar a democracia, revogar o AI-5, e acabou fazendo - como lembra o Senador Jefferson Péres - uma penetração nessa direção lenta, gradual e segura. Ele encarregou o Senador Petrônio Portella de fazê-la. Ele foi feliz em sua decisão, porque Petrônio ouviu, então, todos os estamentos sociais e políticos deste País: foi à Ordem dos Advogados, à Igreja Católica, à CNBB, aos sindicatos. Ele ouviu todos e caminhou com segurança na direção da restauração do processo democrático deste País. Portanto, Petrônio Portella é uma figura que merece de todos este momento de homenagem.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Mais uma vez, nobre Senador Edison Lobão, meus cumprimentos pelo seu aparte e pelos subsídios que V. Exª trouxe, que ajudaram a iluminar a personalidade do Senador Petrônio Portella que era, mais do que um político, um homem público, mais do que um homem público, um verdadeiro estadista. Pena que a morte o tenha levado tão cedo. Como V. Exª salientou, faleceu com 54 anos de idade, em pleno desincumbimento de elevadas funções, que certamente o levariam - e sobre esse assunto falarei depois - à suprema magistratura do País.

Ouço agora, com prazer, o nobre Senador Eduardo Azeredo.

O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Senador Marco Maciel, somo-me a V. Exª nessa homenagem que presta ao Senador Petrônio Portella. Evidentemente, àquela época, eu não participava da vida pública do País, apenas era filiado ao antigo MDB. Mas o meu pai, Renato Azeredo, já Deputado Federal. Portanto, lembro-me bem de toda essa história e de toda essa luta. Petrônio Portella, realmente, tratava os membros da Oposição, à época o MDB, com todo o respeito - como aqui lembrou o Senador Edison Lobão -, buscando uma abertura democrática no Brasil, uma transição que pusesse fim ao regime militar. A atuação de Petrônio Portella está na história, e é muito importante que ela seja aqui lembrada, nos moldes da sua contribuição efetiva para, dentro do Governo, buscar a abertura democrática por meio do diálogo com aqueles que faziam oposição leal à época do então MDB.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Nobre Senador Eduardo Azeredo, ao agradecer ao aparte de V. Exª, quero chamar a atenção para dois fatos que ligam a figura de Petrônio Portella a V. Exª. Em primeiro lugar, a amizade que Petrônio Portella tinha com o seu pai. Aliás, o seu pai foi uma figura que, nos sucessivos mandatos que desempenhou, deixou aqui não somente muitos admiradores, mas também muitos amigos. E, em segundo lugar, a admiração que Petrônio Portella tinha por políticos mineiros e, de modo especial, por Bernardo Pereira de Vasconcelos, em cuja figura ele via alguém que foi capaz de, corajosamente, abjurar as idéias liberais e se transformar em um conservador com o objetivo tão-só e simplesmente de assegurar a continuidade do Império e, conseqüentemente, do II Reinado. Ele foi a Minas Gerais para, justamente, prestar uma homenagem a Bernardo Pereira de Vasconcelos. Petrônio Portella era um espírito conciliador: buscava estabelecer consensos e sabia que, para estabelecê-los, era necessário, muitas vezes, transigir, desde que a transigência não fosse sinônimo de renunciar a objetivos maiores. Enfim, Petrônio Portella nos deixou, portanto, um grande exemplo como homem de Estado.

Sr. Presidente, prossigo, a habilidade, recurso ancilar da política, fê-lo participar de muitos episódios de caráter nacional. Essa qualidade o converteu em um dos maiores articuladores políticos do País. Antes, no Piauí, já demonstrara tal qualidade ao governar seu Estado numa aliança talvez inédita, a UDN e o PSD, antigos e ferrenhos adversários.

Devo, por oportuno, assinalar dois momentos de grande significação para a vida recente do País, em especial para a sua consolidação democrática, nos quais a atuação de Petrônio Portella foi excepcional. O primeiro foi o seu trabalho à frente da Presidência da Arena, de 1974 a 1979, quando se afastou para, a convite do Presidente João Figueiredo, assumir o Ministério da Justiça. Nesse período, além de buscar estruturar melhor o Partido, ele procurou, numa visão antecipadora dos fatos, preparar o País para o retorno ao pluripartidarismo. Percorreu todo o território nacional, dialogicamente explorando caminhos para a realização dos consensos.

A convicção com que expendia suas posições não o afastava da capacidade de ouvir interlocutores, sobretudo aqueles que dele divergiam, sopesando caminhos e alternativas.

Em tais ocasiões, revela-se o lado pouco conhecido de sua estrutura intelectual. Difícil distinguir nesse tocante o que mais nele realçava: se o pleno domínio da língua, pela facilidade de expressão; se a densa formação jurídica que somente deixava transparecer quando se tornava imperativo fundamentar suas asserções; se a intuição, atributo dito feminino, mas indispensável na política; por fim, se a ampla cultura de que era portador, ferramenta imprescindível nos entendimentos que entreteve com a sociedade.

Outro papel, Sr. Presidente - certamente o mais importante da sua vida, conquanto o tenha deixado inconcluso pelo súbito falecimento -, foi o processo de transição para a democracia, coroado com a Aliança Democrática em 1984 e a posterior promulgação da Carta Constitucional de 1988.

Invulgar contrutor, ele foi na missão que lhe delegara o Presidente Ernesto Geisel de promover a abertura política, embora lenta, gradual, mas sem retrocessos, segura, portanto.

            A essa tarefa, embora não tenha, como Moisés, pela morte, podido participar do seu desfecho, dedicou todos os seus derradeiros anos de vida. Tal foi a sua proeminência nesse processo que o seu trabalho se confundiu com o seu próprio nome. A expressão “Missão Portella” virou sinônimo de abertura política, de distensão, de descompressão, ou seja, de redemocratização.

A sua interlocução não ficou circunscrita ao Congresso Nacional, nem aos demais Poderes da República - ao Executivo e ao Judiciário, nem tampouco aos Estados e Municípios. Ele a exercitou com toda a Nação por intermédio da oitiva de toda a chamada sociedade civil - a OAB, então presidida por Raimundo Faoro; a CNBB, por Dom Ivo Lorscheiter; a ABI, por Barbosa Lima Sobrinho; a SBPC, a CNI, o CNC, a Contag, a CNA e muitas outras entidades. .

Desejo destacar, Sr. Presidente, especialmente, algo que ele teceu, paciente e perseverantemente, e que se constituiu em instrumento preliminar para a abertura política. Refiro-me à Emenda Constitucional nº 11, de 1978, da qual tive o ensejo de participar, a seu chamado, quando ocupava as funções de Presidente da Câmara dos Deputados. A Emenda Constitucional nº 11 permitiu que o País voltasse ao Estado de Direito pela revogação dos atos de exceção - os Atos Institucionais e os Atos Complementares; pelo fim do bipartidarismo; pela volta da liberdade de organização sindical; pela possibilidade de concessão de anistia, entre outros itens fundamentais.

É induvidoso que, sem tal passo, não teríamos condições de operar a construção da Aliança Democrática em 1984, pacto político que viabilizou a convocação da Constituinte em 1986 e,´por conseguinte, a Carta de 1988, denominada por Ulysses Guimarães de “Constituição Cidadã”.

Sr. Presidente, sei que o tempo não é solidário com os discursos longos. Contudo, antes de terminar, permita-me ler trechos de apresentação que o Ministro Golbery do Couto e Silva fez ao livro de Petrônio Portella, intitulado Tempos de Congresso.

(Interrupção do som.)

            O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - É bom frisar que nesse livro, editado somente após a sua morte, o Ministro Golbery confirma o seu talento nas articulações políticas:

            “Petrônio Portella foi, em todas elas, ator dos mais qualificados - na verdade, mestre reconhecido e admirado. Dizer-se, pois, que foi grande político, presta-se a interpretações amesquinhadoras de sua efetiva grandeza, uma vez que mestre o foi, exímio, em qualquer dos degraus da variada praxis política”.

E a seguir acrescenta:

            “E esse é o líder verdadeiro, em seu profetismo arrebatador e carismático, em quem o povo, a Nação toda acaba por enxergar sua própria encarnação em moldes humanos.

            A Petrônio Portella não lhe foi dado alcançar tais culminâncias. Tinha tudo para isto, e sentimento bem generalizado no País é o de que a morte lhe ceifou, inexorável, a plena marcha ascensional à suprema magistratura da Nação”.

Sr. Presidente, antes de encerrar, gostaria de dizer que há uma manifestação do jurista e acadêmico Miguel Reale que consta de discurso proferido pelo Deputado Paes Landim, na Câmara dos Deputados, anteontem. Sobre o assunto, citando Miguel Reale, lembrou o Deputado Paes Landim:

            Petrônio Portella preferia, ao invés de fazer postulações gongóricas e do mais amplo espectro, pleitear reformas aparentemente parciais, mas que, pela força natural das coisas, pudessem conduzir o País, como efetivamente conduziram, à reconquista das liberdades democráticas. Na vida pública, a consciência da força do tempo ou a confiança no evolver dos acontecimentos constitui uma alta virtude política, e essa Petrônio Portella a possuía no mais alto grau, como demonstrou também, por ocasião da Lei nº 6.687 sobre a anistia. Enquanto se bradava nas ruas em prol de uma anistia “ampla e irrestrita”, ele preferiu consegui-la na medida do possível: os acontecimentos futuros, contudo, se encarregaram de ampliar-lhe as conseqüências, alcançando-se os mesmos resultados.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fazer memória de Petrônio Portella, por ocasião dos 80 anos de seu nascimento, é uma forma de aviventar, de vivificar os seus ideais e de tomá-los como inspiração em nossa sáfara e ao mesmo tempo fascinante atividade pública.

            Por isso, com essa homenagem, acredito que estamos resgatando a memória de Petrônio Portella e certamente tomando-o como exemplo a guiar nossos passos neste momento difícil que vive a Nação.

Sr. Presidente, eu pediria a V. Exª que desta homenagem fosse dada ciência à viúva, Dona Iracema Portella, bem como a seus irmãos, Lucídio Portella e Elói Portela, que foram também Senadores, e a outros personalidades como os ex-Senadores Hugo Napoleão e Freitas Neto, ex-Governador Djalma Veloso, ex-Deputado Estadual Abdon Portela Nunes, e a outros seus parentes, muitos dos quais continuam militando na vida política do Estado do Piauí..

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Agradeço a tolerância de V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/09/2005 - Página 31621