Discurso durante a 164ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Questionamentos sobre incidentes na reserva indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FUNDIARIA.:
  • Questionamentos sobre incidentes na reserva indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima.
Aparteantes
Augusto Botelho.
Publicação
Publicação no DSF de 23/09/2005 - Página 31756
Assunto
Outros > POLITICA FUNDIARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, OCORRENCIA, ATENTADO, VIOLENCIA, INTERIOR, ESTADO DE RORAIMA (RR), MOTIVO, IRREGULARIDADE, CRITERIOS, GOVERNO FEDERAL, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, AUSENCIA, ATENDIMENTO, INTERESSE, POPULAÇÃO, LOCAL, NEGLIGENCIA, PARECER CONTRARIO, COMISSÃO EXTERNA, CAMARA DOS DEPUTADOS, SENADO.
  • COMENTARIO, OFICIO, AUTORIA, ORADOR, ENCAMINHAMENTO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SUGESTÃO, COMPLEMENTAÇÃO, DECRETO FEDERAL, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, EXCLUSÃO, AREA RESIDENCIAL, AREA AGROPECUARIA, LIMITE GEOGRAFICO, TERRAS INDIGENAS, OBJETIVO, PACIFICAÇÃO, AREA ESTRATEGICA, PROXIMIDADE, FAIXA DE FRONTEIRA, PAIS ESTRANGEIRO.
  • EXPECTATIVA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), LEGITIMIDADE, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.
  • QUESTIONAMENTO, NEGLIGENCIA, CONDUTA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATENDIMENTO, REIVINDICAÇÃO, POPULAÇÃO, ESTADO DE RORAIMA (RR).

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Srª Senadora da Itália aqui presente, coincidentemente quero abordar nesta minha fala exatamente os incidentes que aconteceram agora na reserva indígena Raposa Serra do Sol, demarcada, homologada no dia 15 de abril pelo Presidente Lula, contrariando, inclusive, as recomendações da Comissão Externa do Senado, cujo Relator foi o Senador Delcídio Amaral, e da Comissão Externa da Câmara, cujo Relator foi o Deputado Lindberg Farias. Essas duas Comissões alertaram claramente o Senhor Presidente para todas as peculiaridades, seja das discordâncias das diversas etnias - e estou falando só dos índios que lá moram -, seja quanto à forma como estava sendo proposta e, mesmo assim, terminou sendo feita a demarcação.

Apesar disso, o Sr. Ministro da Justiça, que não estava podendo demarcar aquela área porque havia uma decisão do Supremo Tribunal Federal que sustava a demarcação até que se julgassem os recursos contra os procedimentos administrativos eivados de irregularidades, conseguiu fazer com que o Relator, baseado numa informação dele, no julgamento de uma preliminar, também julgasse como prejudicadas todas as ações por afirmar o Ministro que já tinha baixado uma portaria mudando a outra.

Resultado: em cima de uma mentira, o Presidente Lula demarcou essa reserva indígena, contrariando a maioria dos índios, os não-índios que moram lá, todos os segmentos da sociedade de Roraima, o Governador e os Parlamentares. E avisamos que iriam acontecer conflitos, que, aliás, já aconteciam.

Agora, coincidentemente, tendo a demarcação sido no dia 15 de abril, se promove um conjunto de festejos para comemorar - não sei por que em setembro - a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Coincidentemente, quatro dias antes dessa comemoração o que acontece?

Primeiro, um incêndio em uma missão da Igreja Católica dentro da vila chamada Vila Surumu (ou Surumum) ou Vila Pereira. Quer dizer, aquela comunidade convive com a Igreja Católica ali há décadas e nunca houve um incidente. De repente, há um incêndio e um lado da questão, o Conselho de Roraima, logo se precipita em acusar que os índios, a mando de fazendeiros, é que incendiaram a missão.

Até fiz um pronunciamento aqui. Citei por analogia...Levantei uma suspeita de que, assim como Hitler, na Alemanha, mandou incendiar o Parlamento para culpar os comunistas, podia, perfeitamente, acontecer que o lado dos festejos tivesse promovendo aquilo ali para chamar a atenção da mídia internacional, como chamou.

Hoje, temos notícia de que uma ponte foi incendiada naquela região, isolando mais de três mil pessoas que não podem ir e vir e de que a Polícia Federal deslocou cerca de cem agentes policiais federais para garantir os festejos; que ela está usando alguns homens policiais federais - os jornais estão noticiando - para reconstruir a ponte.

Sr. Presidente, o que quero dizer é que eu, o Senador Augusto Botelho, os Deputados Federais em sua unanimidade, buscamos uma solução que pacifique aquela região e que faça com que todos possam viver em paz, uns pensando de um jeito, outros pensando de outro, uns agindo de uma forma, outros agindo de outra, mas vivendo pacificamente - como sempre viveram, aliás.

Pois bem, parece que não é esse o interesse de alguns setores.

Tomei, inclusive, a iniciativa de ontem mandar um ofício para o Presidente Lula, em razão mesmo desses incidentes, propondo ao Presidente, vamos dizer assim, que complemente o seu decreto, que mesmo baixado com todos esses erros que citei, pode ser perfeitamente convalidado com apenas o acréscimo de algumas pequenas coisas. E quais são essas pequenas coisas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores? A exclusão das Vilas do Mutum, Socó, Água Fria e Surumum, também chamada Vila Pereira, e alguma coisa - e coloquei lá 30 mil hectares para garantir a produção de arroz na borda da reserva indígena, portanto excluindo daquela área de 1,7 milhão apenas essas áreas, que não chegam a dar, no seu conjunto, sequer 300 mil hectares. E parece que não se consegue encontrar um acordo, um consenso que possa realmente pacificar aquela região importante do meu Estado, que é fronteira com a Guiana e com a Venezuela, e que, portanto, merece uma atenção especial no que tange à soberania nacional, no que tange à integridade territorial do nosso País.

E espero, embora não confie mais - quero dizer que mandei esse ofício por uma questão de dever de consciência, para que o Presidente disponha e, portanto, não dizer que não houve sugestões, porque já aconteceu, repito, das comissões do Senado e da Câmara e não foram levados em conta.

Agora, mandei esse ofício sugerindo essas pequenas mudanças no próprio decreto do Presidente, o que Sua Excelência pode fazer se tiver um pouquinho de boa vontade com nosso Estado, se tiver um pouco de independência para agir realmente como magistrado, como primeiro mandatário desta Nação. Prefiro acreditar que isso não vai acontecer, porque, apesar de todo esse tempo e de todas as informações que teve, Sua Excelência agiu de forma diferente.

O meu dever, como representante de Roraima, é apresentar sugestões, é lutar para que os problemas do meu Estado sejam resolvidos - e isso tenho feito aqui incessantemente. Espero mesmo que o Supremo Tribunal Federal se debruce sobre as ações que estão lá, algumas impetradas por mim, outra pelo Senador Augusto Botelho, outra pelo Governador do Estado, que cuidam justamente da questão fundiária, tanto no que tange a essa reserva indígena desproporcional e contrária à vontade da maioria dos índios que moram lá, repito, como também às outras terras indígenas que o Incra não regulariza, não titula.

Agora, por exemplo, para os festejos na Raposa Serra do Sol foi o Presidente da Funai - é compreensível, embora meio ilógico - e o Presidente do Incra, que não tem nada a ver com reserva indígena, que não resolve os problemas afetos ao seu órgão, no Estado, mas vai fazer média por uma questão ideológica apenas. Registro o meu protesto contra essa visita do Presidente do Incra, que foi lá só passear. Ele deveria ressarcir aos cofres públicos esse passeio porque não foi a serviço do seu órgão. Não foi resolver nada lá! O Presidente da Funai ainda pode alegar que foi a uma festividade indígena.

Ouço o aparte do Senador Geraldo Botelho, com muito prazer.

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Senador Mozarildo Cavalcanti, V. Exª toca justamente em um grave problema de nosso Estado. Volto a afirmar que, quando morrer, as primeiras pessoas a serem responsabilizadas pelos conflitos gerados serão o Sr. Márcio Thomaz Bastos e o Presidente da República, porque foram advertidos, e a situação está se agravando. Vou aproveitar o aparte a V. Exª para falar sobre as indenizações dos tais fazendeiros. Foi publicada uma portaria, agora em 2005, Edital nº 2002, convocando os fazendeiros a receberem indenizações. São 26 famílias de Roraima. A indenização, em média, dá R$35 mil. Onde é que ele vai colocar o gado?... E, outra coisa: o Sr. Márcio Thomaz Bastos e o Senhor Presidente prometeram reassentar essas pessoas. Vão dar R$35 mil a uma pessoa que vive no campo, tem 40, 50 cabeças de gado e por lá vive... Com R$35 mil, ela mal vai comprar uma casa e não comprará terra para cuidar desse gado. Então, é injustiça! São os direitos humanos sendo violados em nosso Estado há mais de 20 anos. Toda vez que se cria uma área indígena, retiram as pessoas, prometem indenização que chega a 10, 15 anos depois por um valor irrisório. E nunca foi reassentada nem uma pessoa retirada de suas casas, de suas propriedades. Quanto a essas vilas que V. Exª citou: Mutum, Água Fria, Surumu e Socó, as propriedades, quando forem indenizadas dentro dos critérios da Funai, nem uma valerá mais que R$15 mil. Quem mora nessas vilas vive lá porque o cunhado, por exemplo, ajuda e geralmente são casados com indígenas. Dizem que os casados com indígenas não vão sair. Mas é mentira. Existem ações, com o objetivo de retirar de uma área de Amaraji, por exemplo, um senhor casado com uma indígena que tem até neto indígena. Falo do Sr. Dilson Cabral. Isso vai ocorrer lá também. As pessoas vivem lá porque uma protege a outra. Têm uma pequena roça feita à mão - não usam nem motosserra -, de onde sobrevivem. Quando um não tem farinha, o amigo tem e o ajuda. Quando um não tem feijão, o outro tem. Um ajuda o outro. Vão desestruturar esses grupos que estão lá. São seiscentas famílias ao todo. Vão colocá-los na miséria. Vão ficar onde? Vão para a periferia da cidade de Boa Vista, onde as condições sanitárias são precárias, apesar de a propaganda oficial dizer que está tudo bem, vão para onde as pessoas não têm esgoto. Vão comprar um barraco e fazer uma favela perto de Boa Vista, ainda sem perspectiva de emprego. O setor madeireiro - que é pequeno em relação aos outros Estados, mas que para nós é grande - desempregou mais de 2 mil pessoas porque o Incra não cedeu autorização para retirar madeira. Aliás, cedia autorização de derrubada para os pequenos colonos, de 3 hectares, mas só podiam retirar 5 metros de cada tipo de madeira. Uma tora de Angelim, em Roraima, tem muito mais do que 5 metros. Queimaram-se mais não sei quantos metros cúbicos de madeira. O Estado tem encomendas de exportação de quase US$1 milhão. É muita coisa para o nosso Estado, que não poderá honrar o compromisso porque não há matéria-prima e, principalmente, porque desempregou as pessoas. Existem muitas pessoas passando fome, dificuldades. Todo o setor da madeira está falido. Daqui a pouco vão começar a expulsar os arrozeiros. O arroz é barato em Roraima, mas ficará caro. Tenho esperança de que o ofício que V. Exª mandou ao Presidente Lula - que agora passou por uns apertos e sentiu novamente como é ser oprimido pelas coisas que nossos amigos fazem - faço-o pensar e tomar uma atitude. Deus queira que Sua Excelência o ouça e deixe que os pobres das quatro vilas lá permaneçam, bem como os produtores de arroz. Não são pobres porque são trabalhadores, mas também não são essas grandes potências econômicas. Muito obrigado.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª. E quero deixar bem claro aqui que, quando o Senador Augusto Botelho fala das 28 famílias ou dos 28 fazendeiros é que, na verdade, fazendeiro é o nome que usamos lá só por status mesmo porque é um pequeno criador que tem 20, 30, 40 reses. Então são 20 e tantas famílias que estão lá há muitas décadas, que tiveram o avô, o pai trabalhando naquela terra e que agora vão ter que sair. Não estou questionando isso; estou deixando para que essas pessoas aceitem ou não a indenização da Funai, questionem na Justiça essas indenizações descabidas e injustas.

No entanto, o mínimo que se pode pretender do Presidente Lula é aquilo que está na minuta e no ofício que fiz para Sua Excelência e espero que mereça pelo menos, como representante de Roraima, uma resposta porque realmente o Governo Lula para o meu Estado tem sido muito ruim, muito ruim mesmo. Não há uma coisa positiva feita durante o Governo Lula no meu Estado. Nada, absolutamente nada!

Quero registrar essa minha indignação, mas, ainda assim, para que não se diga que não se está dialogando ou sugerindo, fiz esse ofício mesmo não acreditando mais em nenhuma solução que possa atender a maioria do povo de Roraima.

O Presidente Lula, na última audiência em que tive com Sua Excelência, o Senador Augusto Botelho presente, o Governador do Estado, os deputados, me fez uma pergunta que é emblemática, perguntou: quanto eleitores tem em Roraima? E nós dissemos é alguma coisa em torno de 250 mil. E Sua Excelência balançou a cabeça e disse que estava sendo pressionado pela USP, pela OEA, pelas ONGs européias. É como quem diz: 250 mil eleitores eu tenho só na USP. Só que esses 250 mil eleitores de Roraima poderão se multiplicar por muitos, porque cada pessoa de Roraima tem, pelo menos, de cinco a dez amigos fora de Roraima, e poderemos comandar um grande levante contra a possível reeleição do Presidente Lula justamente pela maldade que fez com o meu Estado.

Muito obrigado.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/09/2005 - Página 31756