Discurso durante a 165ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas ao projeto de gestão de florestas públicas. (como Líder)

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SOBERANIA NACIONAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Críticas ao projeto de gestão de florestas públicas. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 24/09/2005 - Página 31967
Assunto
Outros > SOBERANIA NACIONAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • CRITICA, PROJETO DE LEI, GESTÃO, FLORESTA, SETOR PUBLICO, ACUSAÇÃO, IRREGULARIDADE, APREENSÃO, INTERESSE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), EMPRESA MULTINACIONAL, LEITURA, TRECHO, DENUNCIA, INCONSTITUCIONALIDADE, APRESENTAÇÃO, SUBSTITUIÇÃO, PROJETO.
  • DEFESA, AMPLIAÇÃO, DEBATE, PROJETO DE LEI, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, ACUSAÇÃO, PREJUIZO, INDUSTRIA, MADEIRA, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL, AUSENCIA, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, POPULAÇÃO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente Heloísa Helena, é uma honra falar tendo V. Exª presidindo os trabalhos desta Casa, especialmente sobre esse assunto para o qual chamarei a atenção, principalmente dos Ministérios Públicos Federal e Estaduais, da OAB - Ordem dos Advogados do Brasil e desta Nação como um todo.

Dirijo também uma palavra à indústria madeireira, principalmente da Amazônia, que está angustiada com essa questão relativa ao projeto de gestão das florestas públicas. Porque esse projeto, Senadora, nada mais é do que um aluguel das nossas florestas, que vão gerar bilhões de dólares e que será gerido por um fundo que, conforme o projeto do Governo, será administrado apenas por quatro pessoas.

Os recentes escândalos ocorridos no âmbito do Poder Executivo e de instituições bancárias e outras não nos deixam tranqüilos em pensar que alguém vai gerir essa quantidade de dinheiro pelo aluguel das nossas florestas. E aluguel para quem? O aluguel poderá ser feito para organizações não-governamentais, transnacionais, até porque - posso dizer, sem medo de estar cometendo uma injustiça - em uma das audiências públicas, estava presente o representante do Greenpeace. Então, é evidente que há o interesse dessas ONGs.

Mas também podem estar sendo exploradas por empresas multinacionais, usando fachada de empresas locais.

Então, esse projeto contém inúmeras irregularidades, que eu apontei no meu substitutivo. É um projeto que é bom por um lado, porque, realmente, garantimos que as florestas nacionais do Brasil - cuja maioria está na Amazônia - vão continuar sob o domínio do Governo Federal, dos governos estaduais um pouquinho e dos Municípios um pouquinho.

Srª Presidente, lerei aqui, para deixar bem registrados, os pontos que identifiquei como realmente inconstitucionais ou pelo menos omissos e que deixam brechas, sim, para que o dinheiro possa ser desviado; que deixam brechas, sim, para que as nossas florestas sejam internacionalizadas.

E o interessante é que nem os funcionários do Ibama querem; nem os engenheiros florestais querem; nem as pessoas da dita Academia - homens das universidades que estudaram em profundidade esse projeto - querem. A grande maioria desta Nação não está nem sabendo disso.

Haverá um referendo sobre a proibição de venda de armas de fogo e de munição. Este projeto é que deveria passar por um referendo e um grande debate nacional. Mas o Governo está querendo passar como um tratoraço, num esquema de urgência, urgentíssima, uma sangria desatada. Então, eu resolvi, como Relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, aprofundar-me, até por que é meu dever como Senador da Amazônia e como Senador da República, já que envolve todas as florestas: Mata Amazônica, Pantanal, tudo.

Lerei esses pontos, bem como as mudanças que estou pretendendo incluir no meu substituto:

a) A exclusão do §1º, do art. 2º, do projeto original do Governo, de forma a ajustar o projeto ao disposto no §1º, do art. 24, da Constituição Federal que diz o seguinte:

§1º. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão [quer dizer, está obrigando] as adaptações necessárias de sua legislação às prescrições desta lei, buscando atender às peculiaridades das diversas modalidades de gestão de florestas públicas.

Aqui devia ser de aluguel, porque, na verdade, será uma concessão por até 40 anos de florestas de tamanhos diversos para empresas e, com certeza, não será para as empresas pobres do Brasil.

Como uma legislação infraconstitucional pode determinar que Estados, Distrito Federal e Municípios modifiquem sua legislação adequando-se a esta? Esse ato somente é cabível às leis complementares e à própria Lei Magna. A Constituição Federal, em seu art. 24, §§ 1º e 4º, delimita a ação do Executivo nas matérias sujeitas à legislação concorrente.

b) A modificação do § 2º do art. 41, a fim de garantir um maior controle público sobre recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal, prevendo a constituição de um Conselho Curador para o FNDF [que arrecadará bilhões de dólares] com a participação de representantes de diversos Ministérios e da sociedade civil, conforme relação abaixo:

·     Um representante do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal;

·     Um representante do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;

·     Um representante do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;

·     Um representante do Ministério da Defesa;

·     Um representante do Ministério Público Federal;

·     Um representante do Ministério Público dos Estados;

·     Um representante do Senado Federal;

·     Um representante da Câmara dos Deputados;

·     Um representante do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra);

·     Um representante do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama);

·     Um representante da Ordem dos Advogados do Brasil. [No meu entender, é o melhor representante da sociedade civil organizada em matéria dessa magnitude.] 

c) A inclusão no § 7º do art. 41 de inciso que regulamenta a forma de participação das entidades sem fins lucrativos nos recursos do fundo, determinando que essas seguirão as mesmas normas que qualquer ente privado ou público segue quando pretende conveniar com a Administração Pública.

Por que isso? Porque, nessa aparente participação de uma entidade sem fins lucrativos no aluguel de florestas - portanto, ela vai pagar para alugar a floresta e vai tirar logicamente lucros desse aluguel - quem são essas entidades filantrópicas? São as mais diversas, entre elas, o Greenpeace. Portanto, nós, aqui, temos de estar atentos. É uma questão de nacionalismo e preocupação com relação ao nosso patrimônio e a seriedade no uso dos recursos públicos.

d) Estabelecimento de que o Plano Anual de Outorga Florestal seja apreciado pelo Conselho de Defesa Nacional quando contiver áreas em zona de fronteira, ou seja, as concessões em faixa de fronteira deverão ser aprovadas pelo Conselho.

Por que isso? Há faixas de fronteiras com a Amazônia que correspondem a limites com países altamente problemáticos, como o Suriname, a própria Venezuela, a Colômbia, a Bolívia, o Peru, o Paraguai. Essas áreas da faixa de fronteira têm de ser, sim - não estou inventando, isso está na Constituição -, submetidas ao Conselho de Defesa Nacional, que analisará se essa atividade coloca em risco a soberania, a integridade nacional, enfim, os interesses maiores da Nação.

Outro ponto:

e) estabelecimento de que o Plano Anual de Outorga de Floresta, PAOF, seja aprovado pelo Senado Federal, independentemente de onde seja a concessão. Esse dispositivo faz com que o projeto obedeça ao disposto no inciso XVII do art. 49 da Constituição Federal:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

(...)

XVII - aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares.

No Senado, analisamos e aprovamos, ou não, concessões até de rádios comunitárias, de televisão! E, de maneira correta, a concessão, por exemplo, de empréstimos externos ou internos para Municípios, Estados e para o próprio Governo Federal. Portanto, como é que o Senado vai ficar de fora em relação à análise de concessão de áreas imensas de florestas que vão ser alugadas para sabe-se lá quem! Vão dizer: “Ah, não, vai ser só para empresas nacionais”. Estamos cansados de saber que não é assim. Está aí a GTech, na Caixa Econômica Federal.

A GTech é uma empresa norte-americana que nunca participou de uma licitação na Caixa Econômica Federal, mas comprou uma empresa nacional que tinha contrato com a Caixa. Até hoje, é a GTech que cuida dos sorteios da Caixa Econômica Federal. Portanto, a GTech é a que mais tem sido premiada, e não os acertadores da Megassena e de outras loterias. É a GTech que traz a tecnologia dos sorteios e, com isso, leva o filé. Para onde? Para os Estados Unidos. Ela gera alguns empregos aqui? Sim, mas está lá de maneira ilegal.

Falo isso como Presidente da CPI dos Bingos, porque já constatamos que essa ilegalidade persiste, e o contrato da GTech foi até aumentado. Então, outras GTechs poderão existir em relação à exploração das nossas florestas.

Outro ponto:

f) exclusão das áreas de até 2.500 hectares da possibilidade de concessão, protegendo, assim, os pequenos produtores rurais;

g) enxugamento da diretoria do Serviço Florestal Brasileiro, SFB...

Nesse projeto, ainda há isto: está-se criando um novo órgão. O Ibama já existe para cuidar do meio ambiente, das florestas, mas estão criando um novo órgão, com o objetivo de gerar cargos comissionados, a fim de cuidarem do problema relativo às florestas. Depois, criaremos um órgão para cuidar dos animais que estão na floresta, um outro para cuidar das plantas e dos rios.

O Governo quer criar mais um órgão. E pior: sem previsão orçamentária para o ano que vem e sem organograma desse órgão.

Por isso, proponho o enxugamento desse serviço, apesar de ser contra ele, porque os funcionários do Ibama também são contra isso. Eles estão denunciando esse problema, dizendo que se trata de mais uma maracutaia.

Estou sugerindo que haja apenas “um Diretor-Geral, em vez de cinco do Conselho Diretor, o que se torna desnecessário, tendo em vista a criação do Conselho Curador proposto e de o projeto já prever um Conselho Consultivo”.

Vejam que há um monte de Conselhos e, ainda, um órgão gestor do fundo, que vai cuidar de bilhões de reais.

Outro ponto:

h) determinação de que os DASs para o Serviço Florestal Brasileiro, SFB, sejam criados em lei específica após estudo da necessidade e montagem do organograma do mesmo, medida que visa a proteger os cofres públicos [que foram muito assaltados neste Governo] e impedir a criação de um cabide de emprego.

Portanto, não podemos dar, aqui, um cheque em branco para se criar mais um esquema de maracutaia, que pode representar bilhões em prejuízos para o povo.

Outro ponto do meu substitutivo, modificando o projeto original do governo:

i) supressão da possibilidade da autonomia administrativa do Serviço Florestal Brasileiro. As nossas florestas [todos sabem] são objeto da cobiça internacional, isso é fato [muito claro], nem ao menos o Banco Central tem tal autonomia.

E sequer dá autonomia para esse serviço florestal, que vai gerir esses bilhões de reais justamente para fugir de qualquer tipo de investigação adequada.

Continuando o mesmo item:

(...)

Como pode um órgão que gerirá tão grande patrimônio nacional, grandes quantias de recursos próprios, criar e extinguir seus cargos, formas de contratação etc.?

Srª Presidente, faço essa leitura da tribuna, tendo em vista o alcance da TV Senado e da Rádio Senado a toda a população, porque ela pode esclarecer muitas pessoas que estiverem sendo enganadas pela propaganda de que esse projeto é a salvação da lavoura. Esse projeto, da forma como está, é mais uma maracutaia que se quer montar.

Quero dirigir uma palavra aos empresários do setor madeireiro da Amazônia, que têm, inclusive, me procurado, porque estão com a corda no pescoço. É aquela história: o Governo Federal botou a corda no pescoço do setor produtivo madeireiro na Amazônia, sob pretexto de que estava havendo grilagem. Aí mataram aquela irmã norte-americana, Dorothy Stang, e todo mundo que está na Amazônia trabalhando é suspeito, todo mundo que está na Amazônia trabalhando é bandido. E isso não aceito, como homem da Amazônia.

Então, já que botaram a corda no pescoço do setor madeireiro, já que botaram o bode na sala, agora querem dizer que esse projeto vai tirar o bode da sala e a corda do pescoço do setor madeireiro.

Quero aqui dizer para o setor madeireiro que isso é uma enganação e que os empresários desse setor deveriam pressionar o Governo para baixar uma medida provisória, já que o Governo faz isso toda hora. Hoje mesmo, presidindo esta sessão, li três medidas provisórias que chegaram da Câmara dos Deputados e que vão trancar a pauta do Senado Federal. Por quê? Porque o setor madeireiro está desempregando gente, sim, prejudicando a economia nacional, sim, mas por ação do Governo Federal; e o Governo Federal agora vem com a desculpa de que esse projeto vai salvar a vida do setor madeireiro e garantir as florestas para o Brasil. É mentira!

Quando alguém está querendo fazer as coisas muito rapidinho, especialmente com relação a um assunto dessa magnitude, com tanta influência para o Brasil, há coisa por trás. E não pode ser algo honesto. Porque, quando é algo honesto, quando é algo claro, quando é algo que tem razão de ser, ninguém tem medo de discutir, de explicar, de ir à exaustão para justificar.

Eu, portanto, estou convencido. Posso até ser derrotado neste plenário, porque o Governo possui um esquema, realmente, de amassamento, de engessamento e, às vezes, aprova matérias que são contrárias à Nação. Mas não vai ser com o meu voto, não vai ser com o meu silêncio, não vai ser com a minha conivência, porque estou apresentando um substitutivo que nem digo que seja a perfeição, até porque o tempo que dispus para fazer esse substitutivo não me permitiu realmente ir mais longe, não. Fiz o possível. Mas, com certeza, no meu substitutivo, só dois pontos já seriam significativos para justificar a mudança: submeter as concessões à apreciação do Senado, para examinar caso a caso, e também submeter as concessões na faixa de fronteira ao exame do Conselho de Defesa Nacional. Mas as outras mudanças constitucionais, as outras mudanças que visam a resguardar o dinheiro que vai ser arrecadado com o aluguel das nossas florestas, que não seja usado como ocorreu no esquema do PT com Delúbio e companhia limitada.

Este Governo não merece esse voto de confiança, para aprovarmos o projeto dessa forma, sem discuti-lo seriamente, sem mostrar se esse dinheiro vai servir para empregar as pessoas que estão desempregadas, se vai servir para matar a fome das milhões de pessoas que estão passando fome, se vai servir para pagar um pouco da nossa dívida externa. A matéria não pode ser aprovada dessa maneira. Ela passa um tempo na Câmara, chega ao Senado, temos de aprová-la rapidamente e abrindo mão do nosso papel de Casa Revisora, porque o Senado existe justamente para revisar os atos praticados pela Câmara e aprimorá-los. Mais ainda, o Senado é responsável pela Federação, pela representação dos Estados, tanto é que, aqui, o meu Estado de Roraima, que é pequenininho, é representado por três Senadores, e o Estado de São Paulo, grandão, também tem três representantes.

Dessa forma, esta Casa é onde devemos discutir e defender os interesses da Nação e espero que o Senado cumpra o seu papel histórico, como tem feito, de passar a limpo essas coisas equivocadas. Temos aprovado muita coisa, muita medida provisória, no apagar das luzes, sem tempo para análise e estudo, e, depois, constamos que era uma grande armadilha, uma grande maracutaia.

Para esse projeto, repito, peço a atenção do Ministério Público Federal, dos Ministérios Públicos Estaduais, da OAB, da indústria madeireira e de todo brasileiro que quer ver este Brasil ser diferente, mais sério e mais honesto.

Peço a transcrição da matéria lida.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“REF: Mudanças no PLC 26/05 (Florestas Públicas)”


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/09/2005 - Página 31967