Discurso durante a 166ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Protesto pela cassação do mandato do Senador João Capiberibe por determinação do Tribunal Superior Eleitoral.

Autor
Cristovam Buarque (S/PARTIDO - Sem Partido/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. JUDICIARIO.:
  • Protesto pela cassação do mandato do Senador João Capiberibe por determinação do Tribunal Superior Eleitoral.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares.
Publicação
Publicação no DSF de 27/09/2005 - Página 33047
Assunto
Outros > HOMENAGEM. JUDICIARIO.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, APOLONIO DE CARVALHO, FUNDADOR, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), ELOGIO, VIDA PUBLICA, LUTA, DEMOCRACIA.
  • HOMENAGEM, VIDA PUBLICA, JOÃO CAPIBERIBE, SENADOR, INJUSTIÇA, CASSAÇÃO, MANDATO PARLAMENTAR, PREJUIZO, DEMOCRACIA, ANUNCIO, APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, MESA DIRETORA, SENADO, CONCESSÃO, DIREITO DE DEFESA, QUESTIONAMENTO, JUDICIARIO, DEFESA, ETICA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Sem Partido - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, 15 minutos serão suficientes. Antes, porém, quero agradecer ao Senador Garibaldi Alves Filho, que me cedeu a oportunidade de falar neste momento.

Sr. Presidente, vou falar de coisa rara neste País: heróis. V. Exª, que estuda História e conhece bem a história de outros países, sabe como é raro o fenômeno do herói no nosso País. Vou falar de dois heróis: um deles nasceu em Corumbá, em 1912; o outro nasceu em Marajó, em 1947. O primeiro queria ser médico, como V. Exª, mas terminou seguindo a carreira militar, em que ingressou em 1930. O outro herói entrou no seminário, mas, inquieto, depois, fez o curso de Engenharia Agrícola no Chile.

O primeiro herói, que nasceu em 1912, em 1935 foi preso por fazer parte da chamada Aliança Nacional Libertadora - ANL, que lutava contra a ditadura existente naquele momento. O segundo herói também entrou na ANL, aos 18 anos, para lutar contra outra ditadura que havia naquele momento, que era a ditadura militar.

O primeiro herói foi para a Espanha depois, onde lutou pelo Partido Comunista Brasileiro para tentar impedir a vitória da ditadura de Franco. Não se conformou em lutar pela liberdade na Espanha e foi lutar pela liberdade na França, contra os invasores nazistas. O outro herói, participando da Aliança Nacional Libertadora, fez a guerrilha no Bico do Papagaio, no norte do antigo Goiás, hoje Tocantins, lutando pela democracia no Brasil.

O primeiro herói, que nasceu em 1912, voltou ao Brasil em 1946 e, em 1968, fundou o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário. Foi preso em 1970, tendo de se exilar na Argélia e, depois, na França. O outro herói, o herói mais jovem, o herói que nasceu em Marajá, foi preso também, no mesmo ano, em 1970, e teve de ficar dez anos no exílio. Foi exilado no Chile, de onde - após o golpe contra o Presidente Allende - foi obrigado a ir para o Canadá.

São duas carreiras, Senador Antonio Carlos Magalhães, distanciadas no tempo, mas extremamente semelhantes. Enquanto o primeiro herói estava na Argélia, o segundo herói teve de ir para Moçambique. Estava em Moçambique quando foi anistiado, da mesma maneira que estava na Argélia o outro herói.

O primeiro herói, o que nasceu em 1912, morreu aos 95 anos, no dia 23 de setembro, na semana passada. O outro herói de quem falo foi cassado como Senador da República, na quinta-feira, 22 de setembro. O primeiro herói tinha por nome Apolônio de Carvalho; o segundo herói chama-se João Capiberibe.

O primeiro herói saiu de cena, por vontade de Deus, aos 95 anos, depois de uma vida gloriosa, depois de uma luta heróica. O segundo herói saiu, aqui, da nossa companhia não pela vontade de Deus, mas por um voto, Sr. Presidente, por um voto de diferença no TSE. Se um juiz tivesse ficado ao lado dele, teria sido empate, e, certamente, o Presidente teria respeitado os eleitores.

Sr. Presidente, vim falar de dois heróis, mas vim falar também de uma grande preocupação: em nome da ética, foi cassado um companheiro nosso. Foi cassado, em nome da ética, porque duas pessoas denunciaram que ele teria vendido seus votos por R$20,00. Essas duas pessoas, depois, disseram que não tinha ocorrido aquilo e que tinham sido usadas para que se criasse um constrangimento jurídico para cassar o companheiro Capiberibe, Senador da República pelo Estado do Amapá.

Isso não entrou no julgamento, porque a terrível palavra “tecnicalidade”, de que a Justiça se envergonha, não permitiu que fossem levadas em conta essas decisões. Todos disseram, comentaram que o companheiro, o amigo, o Senador Capiberibe perdeu o seu mandato por tecnicalidade, porque não foi bem defendido, porque, na Justiça, o seu processo não seguiu com o cuidado devido. Ou seja, a democracia brasileira, cuja conquista se deu também pela luta desses dois heróis, depende de quanto se ganha e de quão competentes são os advogados.

Vim aqui, Sr. Presidente, falar de dois heróis e da democracia. Somos Senadores da República, temos de respeitar, sim, o Poder Judiciário, mas também temos de ser respeitados pelo Poder Judiciário. Dentro de algumas horas, de alguns dias, no máximo, chegará aqui a determinação da Justiça, para que nós, Senadores, por intermédio da Mesa, digamos ao Senador Capiberibe que ele não é mais Senador.

Será a primeira vez, Senador Antonio Carlos Magalhães, que isto acontecerá: a cassação vinda por lei recente, com boas intenções. Essa será a primeira vez em que isso ocorrerá. Quero saber se a Mesa vai pura e simplesmente despachar ou se a Mesa vai pelo menos dar, como está na Constituição, o direito de defesa ao Senador Capiberibe. E quero saber se, nessa defesa, o julgamento é apenas por tecnicalidades ou por uma questão, de fato, de ética e de justiça. Se fosse uma questão de ética e de justiça, eu não estaria aqui defendendo nem o Senador Capiberibe nem nenhum outro.

Não podemos, em nome de uma lei bem intencionada, que foi fruto, se não me engano, de um abaixo-assinado neste País inteiro, deixar que se abra uma brecha, pois, a partir de agora, qualquer um de nós aqui pode perder o mandato se duas pessoas disserem que vendemos o voto por R$20,00 - poderemos perder os nossos mandatos por não sermos bem defendidos no processo de cassação.

Ainda mais grave, Sr. Presidente, é que faz poucos meses que outro político também ameaçado de cassação foi absolvido depois que se mostraram documentos em que teria usado milhões de reais dos cofres públicos para a sua campanha.

Não vou julgar a absolvição desse, que passou. Não, em nenhum momento me interessa julgar. O que eu quero julgar é a desigualdade na dimensão dos fatos, sobretudo a desigualdade na dimensão das decisões. É isso que temos de analisar.

Não estou dizendo - muito pelo contrário - que deixemos de cumprir. Ao contrário, temos de cumprir as decisões. Mas são dois Poderes. Vamos dialogar e saber por que, de fato, o nosso colega Senador Capiberibe foi cassado. Temos de cumprir as leis, temos de cumprir as decisões judiciais, mas temos de tomar conhecimento delas com cuidado. Não podemos ficar alheios e apenas ouvirmos, sem sermos informados corretamente e sem termos, aqui nesta tribuna, enquanto ele for Senador, a sua defesa.

Concedo o aparte ao Senador Antonio Carlos Valadares, que me solicitou.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) - Senador Cristovam Buarque, V. Exª está falando de um assunto que muito nos entristece, principalmente porque se refere à figura de um dos maiores Senadores da República e, como disse V. Exª, um verdadeiro herói, que colocou a sua vida e a de sua família em perigo, em defesa da liberdade e da democracia. Por isso, foi preso e exilado. Voltou a sua terra natal, o Estado do Amapá, para, depois de ser liberado em virtude da anistia geral concedida neste País, candidatar-se a Prefeito e, em seguida, a Governador do seu Estado e a Senador. E trouxe consigo, eleita a Deputada Federal mais votada no Estado do Amapá, a Deputada Janete Capiberibe, que também foi atingida por essa decisão da Justiça. É bom que se registre que os dois, tanto o Senador quanto a Deputada, não conheciam pessoalmente as testemunhas que foram a juízo acusá-los de compra de voto, mesmo porque, depois dessa acusação, dessa denúncia, as mesmas testemunhas foram flagradas numa gravação pedindo dinheiro para se arrependerem. E afirmaram nessa gravação, Senador Cristovam Buarque, que haviam participado de uma trama urdida por adversários de Capiberibe, e que teriam recebido benefícios para participarem desse projeto da cassação de mandato do casal Capiberibe. Logicamente que, como disse V. Exª, por uma fragilidade da defesa, essas provas tão contundentes não puderam constar da defesa do Senador; antes pelo contrário, isso foi utilizado como instrumento para acusar o Senador de que estaria pressionando as testemunhas, quando a gravação revelava que aquelas testemunhas estavam propondo uma negociata para darem um outro depoimento e afirmavam peremptoriamente que haviam participado de uma trama, urdida pelos seus adversários, para obterem a cassação do Senador Capiberibe e da Deputada Janete. Enalteço V. Exª pela coragem. V. Exª não é do nosso Partido e não teria nenhuma obrigação, como companheiro, de fazer isso. V. Exª faz isso em defesa da instituição, das prerrogativas do eleitorado, das prerrogativas do Senado Federal. De fato, uma ação direta de inconstitucionalidade seria da maior importância neste momento para provocar o Judiciário a respeito do art. 41-A, porque há Ministros do Supremo que, em votos concedidos em ações outras, têm demonstrado a incompatibilidade jurídica do art. 41-A com a Constituição, porque, como V. Exª assinalou, o art. 55 da Constituição diz que, por uma decisão do Tribunal Eleitoral, o Deputado ou o Senador, antes de ser decretada a perda do seu mandato pela Mesa, tem direito à ampla defesa. Isso está na Constituição. Ora, se para cassar um Deputado ou um Senador é preciso que se obedeçam aos trâmites constitucionais, como é que uma lei ordinária pode cassar o mandato legitimamente conquistado de um Deputado ou um Senador, como foi o caso do Senador Capiberibe e da Deputada Janete? Eles fizeram uma eleição limpa e todos sabemos da pobreza do nosso Capiberibe. É um homem que terá dificuldades para sobreviver economicamente depois desse resultado. Saindo daqui do Senado Federal, o Senador e sua esposa terão que se virar para conseguir sobreviver, para comer, pagar aluguel da sua casa, manter a sua família, porque se trata de um homem pobre. Um homem que pregou, e colocou em prática no seu governo - inclusive aprovamos aqui no Senado um projeto de lei de sua autoria nesse sentido, V. Exª também acompanhou o trabalho dele -, uma maior transparência em relação à aplicação dos recursos públicos. Lá no Estado de S. Exª, tudo que se gastava no governo era registrado na Internet imediatamente - os empenhos e todas as despesas do Estado. Foi o primeiro Governador que fez isso na história do Brasil, em defesa da transparência, da ética, da decência e da boa aplicação. E, para terminar, Senador Cristovam Buarque, ele enfrentou no Governo forças poderosas...

(Interrupção do som.)

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) -... que se moviam na direção do narcotráfico, da corrupção...

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Vou conceder mais alguns minutos a V. Exª, Senador Cristovam Buarque, pela importância do tema.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) - ...forças que queriam aprisionar o Governador do Estado. E ele enfrentou processo de impeachment, processo para tirá-lo do Governo. Certamente, por causa da sua coragem, ele arranjou muitos inimigos. Esses inimigos é que hoje estão comemorando a cassação do seu mandato. Eu sei que, há dois anos, quando começou esse processo, na casa de um parlamentar já se comemorava essa cassação pela Justiça. Antes de a Justiça tomar a decisão, já promoviam uma noite de queijos e vinhos - eu não fui convidado e não podia sê-lo -, na casa de um parlamentar, comemorando por antecipação a cassação e, vamos dizer assim, o ferimento político do casal Capiberibe, num desrespeito à Justiça do nosso País. Agradeço a V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Sem Partido - DF) - Senador Antonio Carlos Valadares, agradeço a V. Exª o seu aparte e concluo dizendo, mais uma vez, que precisamos respeitar o Poder Judiciário, mas temos, sim, a obrigação, como Casa, de ouvirmos o Senador João Capiberibe. Temos obrigação de fazer respeitar a Constituição, que dá ao Senador o direito de defesa.

Senador Antonio Carlos Valadares, vim aqui, mesmo sem ser do Partido, por causa da democracia, por causa desta Casa e por causa da História. Passados alguns anos, essa história será escrita e quero que saibam de que lado eu estava, quero que saibam que eu estava do lado do Senador João Capiberibe. Com toda responsabilidade que isso implica, porque defendo, sim, a ética. Mas não sei se estarão de um lado bonito aqueles que julgaram a cassação dele. Tenho certeza de que tanto o Senador quanto o outro herói a que me referi, chamado Apolônio de Carvalho, esses dois vão estar em boas companhias quando a história for escrita.

Há ainda um pedido de aparte, que consulto o Presidente se o autoriza.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Acabei de prorrogar, por mais cinco minutos, o tempo de V. Exª, devido à importância do tema e à coragem de V. Exª, que engrandece o Poder Legislativo e o Senado.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Sem Partido - DF) - Muito obrigado.

Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Permita-me incluir no seu discurso uma reflexão, que é a seguinte: é preciso que as coisas andem rapidamente no País, no Poder Judiciário, principalmente porque o Poder Judiciário permite a uma pessoa se candidatar; ela se candidata, ganha a eleição. Depois de vencida a eleição, muito tempo depois, vem a punição? Creio que, positivamente, isso é uma injustiça. O povo não pode ser levado ao erro. É isso o que digo. O povo está votando no cidadão cuja documentação está devidamente registrada no Poder Judiciário. Então, nesse período, o Poder Judiciário já deve ter julgado todos os processos dos candidatos. Se, depois, ocorreu algum fato novo durante a eleição, temos de ter um prazo para apurar. Esse tempo não pode ser indeterminado, porque o crime, o ilícito, pode ser praticado, Senador Cristovam Buarque, durante o período da campanha. Nesse caso, está certo, não dá tempo para o Poder Judiciário apurar. Mas não dá tempo até a posse do cidadão? Eis a grande indagação. Penso que os fatos precisam ser julgados rapidamente. É só uma consideração que trago ao pronunciamento e à solidariedade que V. Exª empresta ao casal Capiberibe.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Sem Partido - DF) - Eu lhe agradeço.

Sr. Presidente, para concluir, quero dizer que vou transformar o meu discurso em um requerimento, para que a Mesa assegure ao Senador o que a Constituição prevê, que é o amplo direito de defesa dele diante dos seus Pares.

Não entro com o requerimento neste momento, porque quero tentar colher a assinatura de outros Senadores e de alguns Líderes, mas, se eu não conseguir isso, entregarei o requerimento com a minha assinatura.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Obrigado pela generosidade de V. Exª em relação ao tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/09/2005 - Página 33047