Discurso durante a 168ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao ex-Deputado e ex-Senador Ernani do Amaral Peixoto.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao ex-Deputado e ex-Senador Ernani do Amaral Peixoto.
Aparteantes
Jefferson Peres, Mão Santa, Rodolpho Tourinho.
Publicação
Publicação no DSF de 29/09/2005 - Página 33329
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, ERNANI DO AMARAL PEIXOTO, EX SENADOR, EX GOVERNADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), COMANDANTE, MARINHA, ELOGIO, ATUAÇÃO, VIDA PUBLICA, PARTICIPAÇÃO, MOBILIZAÇÃO, TENENTE, INFLUENCIA, MISSÃO MILITAR, PAIS ESTRANGEIRO, ALEMANHA, FRANÇA, HISTORIA, BRASIL, ARTICULAÇÃO, NATUREZA POLITICA, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), GOVERNO, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • CUMPRIMENTO, COMANDANTE, MARINHA, EMPENHO, MANUTENÇÃO, ABERTURA, CONGRESSO NACIONAL, PERIODO, GOLPE DE ESTADO, IMPLEMENTAÇÃO, REGIME MILITAR.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, quero pedir desculpas à Casa porque equivoquei-me quanto ao horário da sessão comemorativa dos 100 anos do Senador Ernani do Amaral Peixoto. Mas não queria que esta sessão se encerrasse sem que eu também juntasse a minha palavra àquelas que foram aqui proferidas para recordar a figura extraordinária que foi Ernani do Amaral Peixoto na história do Brasil do século XX.

Na realidade, a história não se faz somente com os fatos, porque os fatos são construídos pelos homens; e os homens fazem a história. Se analisarmos o século XX e a história do Brasil, veremos que ele foi um século rico em acontecimentos que marcaram a vida nacional. Ele começa com os primórdios da nossa República, que vinha de 1889 e começava a ser consolidada.

Mil novecentos e cinco é o ano de nascimento do político Ernani do Amaral Peixoto. Ele teve vida longa e, durante a sua vida, pôde ser uma figura que participou de todos os acontecimentos políticos do século passado. Foi nosso colega aqui no Senado Federal - principalmente eu, durante todo o tempo em que ele esteve aqui, fui seu colega nesta Casa.

Ele, que tinha sido da Marinha Brasileira - é interessante -, ao longo de toda a sua vida, não perdeu o tratamento de Comandante Amaral Peixoto. Ele tinha sido tudo na vida, mas sempre todos o tratavam como Comandante Amaral Peixoto.

Nesta Casa, como em toda a sua vida política, Ernani do Amaral Peixoto foi um homem que não marcou a vida pública pela eloqüência. Não foi um orador parlamentar, não foi um político de massas, mas, sem dúvida, foi um grande político, porque era daqueles homens articuladores, daqueles que construíam o fato político.

Ele sabia construir o fato político, tanto é que, na paisagem dos grandes homens daquele tempo, ele se insere e não desaparece. Convivia com grandes oradores, tanto de seu Partido como do Partido que o combatia. Do lado oposto estavam Carlos Lacerda, Aliomar Baleeiro, Adauto Lúcio Cardoso, Prado Kelly, Otávio Mangabeira. De seu lado, Capanema - também grande orador, grande pensador político -, Lúcio Bittencourt, Vieira de Melo, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães.

Embora fosse um homem que falasse baixo, que poucas vezes ocupasse a tribuna, que ninguém conhecesse por arroubo algum de natureza política, ele conseguia ser um daqueles homens com maior evidência, sem ter essa atividade muito pública e retórica que se faz presente hoje, uma vez que grande parte da política atualmente é feita com a palavra.

O Senador Roberto Saturnino já teve aqui oportunidade, como seu coestaduano, de falar sobre a figura de Amaral Peixoto.

Mas ele também é uma figura singular, porque, sendo militar, ocupando todos os postos da política, ele não deixou de ter o tratamento de Comandante Amaral Peixoto. Sendo político, genro do Presidente Vargas, ele consegue não ser o genro do Presidente Vargas, para afirmar-se pelas suas qualidades, pela sua competência e pelo que representou na história política brasileira.

Ninguém sabia, quando via o Dr. Amaral Peixoto, o Comandante Amaral Peixoto transitar no meio da política com absoluta tranqüilidade, com absoluta liberdade - ele transitava bem nesse setor -, que ele tinha sido um daqueles que tinham participado da rebelião dos tenentes. Ele era um tenente, ele era do Tenentismo, ele estava na geração de Eduardo Gomes, ele estava na geração de Agildo Barata, ele estava na geração de Nunes Carvalho, ele estava na geração de Cordeiro de Farias, de Siqueira Campos, de todos esses tenentes.

Ernani do Amaral Peixoto pertencia à Marinha, mas o seu irmão Augusto participava da luta tenentista, e ele se incorpora à luta tenentista. Ele é um daqueles que adere à Revolução de 30, pela sua participação. Embora fosse oficial de Marinha e a predominância fosse de oficiais do Exército, ele adere ao pensamento tenentista. E o pensamento tenentista se consolidou. E dizem os historiadores, os que estudaram esse fenômeno ao longo da nossa história que os tenentes tinham uma visão salvacionista, autoritária, mas juntavam à função militar uma visão de justiça social e um pouco daquilo que eles chamavam - o que, naquela época, era muito avançado - de trabalhismo europeu.

Em 1912, o Ministro Hermes da Fonseca era Ministro da Guerra e visitou a Europa, visitou a Alemanha, foi recebido, assistiu ao desfile militar com o Kaiser Guilherme III. Ele chega e incorpora aquelas idéias de modificação do Exército Brasileiro. O Exército Brasileiro, as Forças Armadas Brasileiras eram só Marinha e Aeronáutica e tinham, de certo modo, uma visão exclusivamente militar.

Então, vem a missão alemã, e eles fundam uma revista chamada Da Defesa Nacional. E essa Defesa Nacional incorporava idéias de que o Exército não podia viver isolado, pois ele fazia parte do contexto nacional e não podia marchar ao largo das instituições políticas. Essa revista incorpora muito do que foi a evolução do pensamento tenentista ao longo do século.

Depois, vem a missão francesa, que Epitácio traz e que, em grande parte, formou a mentalidade dos tenentes.O que tinha essa missão francesa? Além daquele caráter de eficiência que os alemães haviam trazido, no princípio do século, para os militares brasileiros, tinha a visão social. Os franceses, então, tinham a idéia de que o Exército, as Forças Armadas participavam da sociedade como promotoras do bem-estar social, de que não podiam ser forças isoladas, de que dependiam da própria sociedade. Se a sociedade não ia bem, se não era justa, se havia desníveis, se não podia conviver com os problemas sociais, não era uma sociedade que pudesse ser resguardada pela força. Portanto, as Forças Armadas tinham que ser propulsoras das transformações sociais. Essa foi a mentalidade que a missão francesa incorporou aos tenentes.

Esses tenentes, quase todos, passaram um pouco à frente, foram socialistas. Os tenentes eram socialistas! Dali saiu Prestes. Agildo Barata era socialista; Joaquim Távora era socialista; Siqueira Campos era socialista; Nunes Carvalho era socialista; Juarez Távora era um homem de idéias muito avançadas, apenas divergindo dos socialistas do Movimento Tenentista porque tinha uma formação religiosa muito grande, que contrastava com o ateísmo, base da doutrina, da visão dos tenentes nessa área.

E inserindo-se nessas idéias, quem olhava o Comandante Amaral Peixoto transitar por esta Casa, na sua tranqüilidade, não sabia que havia sido um revolucionário, um dos membros dos Tenentes de 30, que havia participado daquele movimento, feito a Revolução de 30 com aqueles Tenentes, os mesmos que foram ao Rio Grande do Sul, com Oswaldo Aranha, a fim de dizer a Vargas que eles aderiam à Revolução, mas pediam que Vargas criasse um projeto social. Portanto, o projeto social que Getúlio Vargas trouxe era o das idéias tenentistas, que vinham daquele tempo. E o primeiro item desse projeto - criar o Ministério do Trabalho - era do manifesto que eles levavam e pediam no Rio Grande do Sul.

Amaral Peixoto é um homem que vem no bojo dessas idéias. Eu sempre o tratava de “Doutor”. Ele até dizia que não compreendia por que eu o tratava assim. Mas é certo que aquele homem provecto, a quem outros chamavam de “Comandante”, de minha parte era quase um tratamento majestático chamá-lo sempre de Dr. Amaral Peixoto. Dr. Amaral.

E o Comandante Amaral Peixoto vai para 30. Em 30, ele se incorpora ao Clube 3 de Outubro, formado por militares que não queriam que a Revolução perdesse aquele lado radical, a pureza das idéias que a tinham causado. Para tanto, fundaram o Clube 3 de Outubro, que nada mais era do que manter sobre o Presidente Vargas o controle das idéias dos Tenentes.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - V. Exª me permite um aparte, Senador José Sarney?

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Pois não, Senador Roberto Saturnino.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Senador José Sarney, V. Exª estava há pouco a se referir ao Comandante Amaral Peixoto, dizendo que o chamava de “Doutor”. Eu sempre o chamei de “Comandante” porque ouvia meu pai chamá-lo assim. Meu pai foi liderado dele, foi deputado do PSD do Estado do Rio de Janeiro. Herdei essa liderança de meu pai, e aprendi a admirá-lo como homem de grande tirocínio, embora de personalidade modesta. V. Exª mesmo se referiu a isso - não era um homem carismático, não era um grande orador, não era uma personalidade que se pudesse dizer genial, nada; era um homem simples, modesto, mas de grande tirocínio e de enorme capacidade de visão administrativa. No período de interventoria e depois de governança, ele produziu uma fantástica modificação no Estado do Rio de Janeiro, que estava muito decadente com a perda da importância do café. O Estado produzia café e açúcar. Os dois produtos entraram em decadência, e ele vislumbrou que aquele poderia ser um Estado industrial. E ele, utilizando o prestígio de genro do Presidente e, depois, de Presidente do maior partido, trouxe para o Estado nada mais nada menos do que a Companhia Siderúrgica Nacional, a Fábrica Nacional de Autos, a Fábrica Nacional de Motores - ou seja, impulsionou o desenvolvimento -, e os grandes eixos rodoviários: a Rio-São Paulo, a Rio-Petrópolis, a Rio-Belo Horizonte, a Rio-Bahia. Ele possuía uma visão e um tirocínio administrativo fantásticos, era um homem com capacidade de articulação formidável, um homem modesto, simples, que gostava de ser chamado de “Comandante”, não de “Almirante”, que acabou sendo. Dessa forma, ouço com muita atenção e admiração o discurso de V. Exª.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Agradeço o aparte de V. Exª, que fixa um dado da personalidade de Amaral Peixoto como administrador, o grande administrador que foi, quando Interventor no Estado do Rio de Janeiro, e, depois, como Governador eleito, quando teve a oportunidade de fazer uma administração brilhante.

Mas meu desejo é colocá-lo no contexto, pois as obras desaparecem. Ninguém sabe quem construiu as estradas de Roma, mas nós nos lembramos dos pensadores romanos. Portanto, quero colocá-lo no contexto da política brasileira do século XX.

Ela um homem extremamente modesto, mas de grandes convicções, e muito firme em suas convicções. E o que o afasta para a sua individualidade, de permanecer como própria dele mesmo, é o fato de ter sido genro do Presidente, casado com uma mulher de grande personalidade e de grande inteligência. Ele se distancia, porque nunca ninguém o julgou como genro do Presidente. Ele era o homem que ajudava seu sogro, mas ajudava com muita independência.

Verificamos, por exemplo, lá no Estado do Rio de Janeiro, 1942, em plena ditadura, que ele autoriza o congresso da UNE em favor dos aliados. Ele tinha seus pontos de vista, com os quais não transigia. Era o velho tenente a vida inteira, com aqueles ideais que trouxe para a política, mas era um grande articulador.

É essa a grande sombra. Ele transita na história dessas lutas políticas todas. É como aquele grande articulador. Ele sabia, possuía um jeito especial. E, sobretudo, um respeito muito grande de amigos e adversários para que pudesse concluir essa sua tarefa.

Dentro dessa mesma linha do que fez pelo Brasil, ele vai para os Estados Unidos, em 1939, 1940 ou 1941, se não me engano, e o que faz? Ele é a ponte que se faz para que o Brasil não se desvie, porque havia muitos brasileiros, militares e correntes de opinião que eram favoráveis a que o Brasil se ligasse à guerra em favor do Eixo. Amaral Peixoto vai para os Estados Unidos, e é a ligação com o Governo Vargas, que, de certo modo, era simpático - o Exército e os militares que serviam a Vargas eram simpáticos - ao Eixo. Amaral Peixoto vai para os Estados Unidos e tenta construir essa ponte entre os aliados e o Brasil. Foi um serviço extraordinário que prestou ao País durante aquele tempo.

Lembro também que, em 1932, Amaral Peixoto estava em missão militar fora do Brasil e, ao saber da Revolução de 32, ele, que era do Clube 3 de Outubro, vem para o Brasil, alista-se nas forças legalistas, vai para São Paulo e participa da luta contra a revolução constitucionalista.

Além disso - já foi registrado aqui -, sua administração no Estado do Rio de Janeiro foi extremamente proveitosa. Lembro-me muito bem de que no jornal Diário Carioca, Macedo Soares, em artigos cáusticos, tentava todos os dias e em todo momento projetar a imagem do Comandante Amaral Peixoto como se ele apenas fosse um membro da família Vargas. E não conseguiu, porque o Comandante se afirmava cada vez mais e se afirmou de tal maneira que em 1945 ele organiza, por meio do PSD, as forças que iam dar sustentação ao Presidente da República e ao mesmo tempo à estabilidade dos tempos futuros, porque nascia a UDN com uma aliança forte de todos os partidos. Era uma confederação de partidos, de idéias, de tendências, e o Comandante Amaral Peixoto reúne velhos e antigos políticos, para que dessem sustentação ao país na transição entre a ditadura e a democracia. O que ele via era justamente isso.

E ele era um homem tão correto, de idéias próprias que em 1950 ele é contra a candidatura de Vargas. Embora seu sogro, ele não achava que ela fosse própria. Achava que não era conveniente que ele, tendo governado o Brasil durante tanto tempo, voltasse à Presidência da República. E o resultado é que ele tinha razão, porque o Presidente Vargas voltou e mostrou-se de certo modo eu não digo incompetente, porque Vargas jamais seria incompetente, sem condições de lidar com as forças que emergiam no Brasil que surgia depois da guerra, com aquela facilidade com que ele lidava com as forças que surgiram depois da Revolução de 30. E aí ele tromba com os militares, ele tromba com a sociedade civil e termina na tragédia que o levaria ao suicídio. Naquele tempo, o Presidente Getúlio vivia dificilmente; ele mesmo sabia das dificuldades em que vivia. Então, ele disse na sua carta-testamento que iria para a morte para entrar na História. Logo, tinha noção de que naquele momento ainda precisava entrar na história; e iria entrar pelo gesto maior, que era o do suicídio.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - O segundo mandato na História do Brasil não tem uma presença feliz, Senador Sarney. Eu era menino, mas me lembro bem do segundo mandato Vargas. Depois, vi o segundo mandato Brizola no Estado do Rio de Janeiro, que não foi igual ao primeiro. A reeleição, o segundo mandato, não costuma ter um desfecho feliz na História deste País.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - O nosso grande escritor José Américo, que foi candidato também à Presidência da República em 1937, tinha uma frase que contraria um pouco aquilo que V. Exª pensa e de certo modo nos leva a certa reflexão. Ele dizia: “Ninguém se perde no caminho da volta”. Talvez José Américo pensasse diferentemente.

Mas o que quero dizer é que depois o Comandante Amaral Peixoto continuou a exercer essa regência política sobre a imensa força conservadora, de tal modo que ele não saiu da política brasileira com a morte de Vargas e continuou crescendo e se mantendo como um grande político.

Ouço, com muita satisfação, o nosso Senador Jefferson Péres.

O Sr. Jefferson Péres (PDT - AM) - Senador José Sarney, V. Exª, como sempre, recorrendo a sua prodigiosa memória, faz justiça a um vulto proeminente da política brasileira do século passado. Eu o acompanhava de longe. V. Exª destacou alguns traços da vida e da personalidade de Amaral Peixoto, o reformista rebelde do tenentismo, o democrata que ajudou Osvaldo Aranha* a evitar que o Governo Vargas enveredasse para o que teria sido uma trágica aliança com o Eixo nazi-fascista. O Senador Roberto Saturnino já realçou suas qualidades de administrador quando interventor no Estado do Rio e eu gostaria de mencionar outra nestes tempos ominosos de “mensalinhos” e “mensalões”: a probidade pessoal. Senador José Sarney, Amaral Peixoto foi interventor no Estado do Rio, foi Ministro, era um homem todo-poderoso no Governo Vargas, casado com a filha predileta de Getúlio, que era a Alzirinha*, poderia ter, mediante tráfico de influência, quem sabe, acumulado, talvez, uma fortuna espúria; no entanto era um homem de classe média alta que nunca se envolveu em escândalo. Portanto, era também um homem probo. V. Exª me dirá: “Isso é obrigação de todo homem público”, mas infelizmente é uma obrigação que vai rareando. Meus parabéns por seu pronunciamento.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Muito obrigado, Senador Jefferson Péres. V. Exª, como sempre, com sua grande autoridade nesta Casa, contribui para que este discurso tenha alguma relevância. E V. Exª tem grande razão. Uma das características do Comandante Amaral Peixoto era a sua probidade, a sua integridade, aliás, devo dizer a V. Exª, nós que já estamos ficando avançados em idade, que, naquele tempo, esses eram os valores da política. Ninguém tinha carreira política nem poderia almejar tê-la se não tivesse as virtudes humanas e os valores morais que devem embasar a vida pública.

Eu, quando vejo o que ocorre no Brasil e lembro o que testemunhei ao longo de 50 anos - o que foi a vida pública nacional - e o que era quando a comecei no Rio de Janeiro, em 1955, fico profundamente triste, perplexo com o que acontece com o Brasil hoje. Posso testemunhar a V. Exª que o Senador, interventor, Comandante Amaral Peixoto era um homem que tinha uma integridade moral extraordinária e um grande respeito de todo nós justamente pela sua conduta pessoal que sempre teve ao longo de toda a sua vida.

            Digo isto com muita tranqüilidade, porque fui seu adversário a vida inteira, sempre estivemos em campos opostos, ele no PSD e eu na UDN, ele de um lado e eu sempre do outro, mas nunca deixei de ter por ele o respeito, a admiração pessoal, a reverência. Juntos, muitas vezes, tivemos oportunidade de participar de episódios políticos da maior magnitude na História do Brasil.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador José Sarney...

            O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Já darei o aparte a V. Exª.

Vou terminar o raciocínio e dizer que Amaral Peixoto cresce, depois, com o tempo, a cada ano ele cresce mais. Nas crises de 60 - eu estava aqui no Congresso -, Amaral Peixoto, Geraldo Alckmin e Gustavo Capanema, juntos, constituem um grupo sólido, tendo o respeito da UDN e das forças revolucionárias, capaz de compor uma solução para que nós ultrapassássemos o que nós ultrapassamos no período da renúncia.

Vem 1964, e, uma vez mais, é ele quem está junto para evitar que o Brasil se degringolasse muito mais para que aquele movimento não se transformasse numa quartelada. Então, para isso, os políticos se reuniram com grande sacrifício e asseguraram a continuidade desta Casa, que funcionava mal durante aquele tempo, a política quase desaparecendo, mas o Congresso continuou aberto. Nós devemos muito àqueles homens daquele tempo que construíram as soluções que determinaram que nós fôssemos tolerados pelo processo militar. Aí, nós podemos a figura de Ulysses Guimarães, a figura de Raimundo Brito, a figura de João Agripino, de Daniel Krieger - eu levaria a tarde inteira, aqui, para fazer uma relação de todos eles -, para dizer que o Comandante Amaral Peixoto foi um homem dessa magnitude na História do Brasil. Era tranqüilo, sério, sereno, probo, digno e sempre a serviço do Brasil, como uma das mais brilhantes personalidades políticas do seu tempo.

Ouço o Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Presidente José Sarney, V. Exª, na vida, já entrou na História. Eu quero dar um testemunho: feliz do País que não precisa buscar exemplo em outras histórias. Aqui mesmo, temos grandes e extraordinários exemplos. Queria dizer o seguinte: Deus me permitiu conhecer com grande intimidade, porque fui prefeitinho e governei o Piauí, quatro Presidentes: o Presidente Collor, o Presidente Itamar, o Presidente Sarney e o Presidente Fernando Henrique Cardoso. Quero dar o testemunho de que V. Exª foi o mais generoso, o mais sábio, ensinou ao Brasil paciência e teve a capacidade de conciliar este País num período muito difícil de redemocratização. De Getúlio Vargas, eu queria dizer também que, como nasci em 1942, em um período de guerra, ele deu um grande ensinamento, que é atual: honestidade. Presidente Sarney, é necessário que nos recordemos da História para ensinarmos o presente, nesta vergonha de corrupção que atravessamos. Getúlio Vargas, depois de quinze anos, voltou a sua fazenda, e não havia luz elétrica. Presidente Sarney, nós nos lembramos daquela geladeira à querosene, Electrolux. Getúlio não tinha uma geladeira; ele ganhou de presente. Na época, meu avó tinha três daquela Electrolux, que tinha uma chama à querosene - uma na firma, uma na sua residência e outra na sua casa de praia. Atentai bem, políticos do Brasil que não se envergonham! Getúlio Vargas não tinha uma geladeira, ganhou de presente de um empresário e não a quis receber. E aí um amigo o convenceu: aceite, se ele está... E ele depois disse, nas suas memórias, nos seus diários, que até gostou, porque de noite tomava um sorvete da geladeira. Esses são os grandes exemplos que serviriam para orientar os políticos de hoje.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Muito obrigado, Senador Mão Santa. V. Exª falou em generosidade, mas V. Exª é, nesta Casa, o mestre da generosidade. Ninguém o excede em ser tão generoso, generoso nas palavras comigo e justo com as suas palavras sobre o Presidente Vargas, em quem todos sempre reconhecemos, por maiores que sejam as nossas divergências políticas, como homem de absoluta integridade, um exemplo dos valores morais de sua geração.

Sr. Presidente, para terminar, tenho absoluta certeza de que, na eternidade, o Comandante Amaral Peixoto está de certo modo admirado e, de outro modo, feliz por estar aqui na tribuna, rememorando os seus cem anos, um seu velho adversário, mas também grande admirador, que permanece até hoje e que proclama essa admiração e esse respeito.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PFL - SP) - Presidente Sarney, ao cumprimentá-lo por esse brilhante discurso histórico, V. Exª, que foi o grande pacificador desta República em momentos difíceis, eu pediria autorização a V. Exª para retransmitir à Marinha o discurso proferido neste momento sobre o Centenário de Amaral Peixoto, porque tivemos, durante a solenidade, a presença do Contra-Almirante Carlos Afonso Fernandes Testoni e o Corregedor do Ministério Público da Marinha, que não tiveram oportunidade de ouvi-lo e conhecer os fatos históricos da participação de V. Exª durante o período da vida parlamentar de Amaral Peixoto e a sua história. Se V. Exª autorizar, a Mesa gostaria de encaminhar o seu discurso, além de cumprimentá-lo pelo brilhante pronunciamento histórico.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PFL - SP) - V. Exª autoriza?

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Com grande honra para mim.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/09/2005 - Página 33329