Discurso durante a 168ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca da problemática do Trabalho Infantil.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. POLITICA SOCIAL.:
  • Considerações acerca da problemática do Trabalho Infantil.
Publicação
Publicação no DSF de 29/09/2005 - Página 33386
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, RELAÇÃO, PROCESSO, REDEMOCRATIZAÇÃO, BRASIL, DENUNCIA, POPULAÇÃO, FALTA, JUSTIÇA SOCIAL.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, INCIDENCIA, TRABALHO, INFANCIA, MUNDO, REPUDIO, EXPLORAÇÃO, CRIANÇA, AGRICULTURA, INDUSTRIA, COMERCIO.
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, BRASIL, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA, APRESENTAÇÃO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE).
  • DEFESA, IMPORTANCIA, PROTEÇÃO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, COMENTARIO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, MINISTERIO PUBLICO, CONGRESSO NACIONAL, COMBATE, TRABALHO, INFANCIA, BENEFICIO, GARANTIA, DIREITOS HUMANOS.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a redemocratização que culminou com a promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988 representou um ponto de inflexão para a sociedade brasileira, não apenas quanto ao aspecto da representação política.

Da mesma forma, o encerramento do período autoritário deu início a um profundo esforço de reflexão da sociedade sobre si mesma e sobre suas injustiças, processo que até hoje perdura.

Superada a imobilidade e o silêncio impostos pelo regime de exceção, as demandas sociais reprimidas explodiram. Livre para se manifestar, o Brasil, ao se olhar no espelho, reconheceu seus erros, suas imperfeições e suas iniqüidades.

Problemas já denunciados por autores como Euclides da Cunha e Monteiro Lobato, como a pobreza, a fome e a falta de educação e saúde, voltaram à tona, e temas como o racismo e a desigualdade de gêneros passaram a ser reconhecidos.

Naturalmente, o reconhecimento dos problemas é apenas o primeiro passo para solucioná-los. Idéias, palavras e intenções, somente, não podem substituir a ação.

O renascimento das demandas sociais provocou, e vem provocando, igualmente, profundas alterações na autocompreensão da sociedade civil brasileira e na dinâmica de suas relações com o Estado.

Convivemos ainda, é certo, com males já existentes nos tempos coloniais, porém, cada vez mais, o povo brasileiro demonstra o anseio de superar tais dificuldades e de estender condições adequadas de vida a todos seus componentes.

Um soberbo exemplo dessa alteração estrutural profunda das mentalidades pode ser observado no tocante ao trabalho infantil, sua evolução e sua aceitação.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as imagens de crianças trabalhadoras submetidas a regimes desumanos de trabalho, como nas tecelagens e minas de carvão da época da Revolução Industrial, projetam, há tempos, perspectivas sombrias sobre o progresso industrial e o crescimento do comércio em nosso planeta.

Essas imagens exibem, claramente, como a crueldade, a indiferença e a ganância podem ser exacerbadas pelo crescimento econômico; como a gigantesca máquina da economia global pode arrastar os mais vulneráveis seres humanos a uma vida de desespero e abjeção.

Duzentos anos após o alvorecer da era da indústria e a intensificação do comércio mundial, ainda convivemos com o horror da exploração de crianças e adolescentes. A Organização Internacional do Trabalho estimava que, em 2002, existiam no mundo 352 milhões de crianças entre 5 e 17 anos exercendo atividades remuneradas.

Apenas a Ásia respondia por 217 milhões de trabalhadores infantis, o maior número absoluto, ao passo que, em termos percentuais, a região do mundo que mais dependia do trabalho infantil era a África Sub-Saariana, onde aproximadamente 35% das crianças exerciam algum tipo de atividade econômica.

A América Latina não aparece muito melhor nessa estatística. Cerca de 20% das crianças latino-americanas exercem alguma atividade econômica.

Sr. Presidente, nos campos, florestas, aldeias e cidades, podemos encontrar trabalhadores infantis. Ao lado de formas tradicionais de produção, as quais envolvem, muitas vezes, a participação de toda a família, temos a produção de bens agrícolas, manufaturados e industrializados voltados para o mercado interno e internacional.

As plantações conhecem o trabalho infantil. As atividades extrativas também conhecem o trabalho de crianças. As oficinas de confecção de roupas e calçados de marcas internacionalmente reconhecidas se baseiam, muitas vezes, na mobilização de vastos contingente de mão-de-obra familiar, incluindo, na maior parte dos casos, crianças a ajudar seus pais.

O Brasil não deixa, infelizmente, de oferecer sua contribuição para tão vergonhoso quadro. O IBGE projeta, para o ano de 2003, o total de 5 milhões 370 mil trabalhadores de idades entre 5 e 17 anos, correspondendo a 6,38% da força de trabalho de nosso País.

Podemos observar, particularmente, que a maior parte das crianças trabalhadoras entre 5 e 14 anos exercem atividades agrícolas, pecuárias e de extração. Por sua vez, as atividades urbanas empregam um número maior, em termos absolutos e percentuais, de adolescentes entre 14 e 17 anos.

Esse número, embora sem dúvida excessivo, é, não obstante, um avanço nada desprezível em relação às condições anteriormente levantadas. Em 1992, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio estimava em 9,7 milhões os trabalhadores infantis, número que, em 1998, foi fixado em 7,7 milhões.

Houve, no período de 13 anos, uma redução da ordem de 45%, índice extremamente significativo sob qualquer ângulo e que reflete a mudança de paradigmas sociais, morais, legislativos e políticos ocorrida com a reconstrução da esfera pública decorrente da redemocratização e da promulgação da Constituição de 88.

Tradicionalmente, a sociedade brasileira sempre foi tolerante com a utilização de menores para a realização de diversos tipos de trabalho doméstico, agrícola ou industrial. O trabalho infantil sempre foi considerado natural, bem como o abandono da escola para o exercício de emprego em tempo integral.

O esforço efetuado no campo da educação, da saúde e da proteção à criança e ao adolescente apresentou e vem apresentando bons frutos. É cada vez menor a aceitação social do trabalho infantil e cada vez maior a consciência do valor da educação para o crescimento pessoal e do País como um todo.

O repúdio ao trabalho infantil nasce de um consenso social amplo e resulta da compreensão dos valores éticos que norteiam nossa civilização.

A proteção à criança e ao adolescente resulta não apenas da percepção de que o futuro de nosso País depende deles, mas também do reconhecimento de que a sociedade deve zelar pelos seus membros mais vulneráveis.

Cumpre dizer que reconhecemos hoje, plenamente, que o combate ao trabalho infantil, particularmente o de natureza árdua ou degradante, é uma questão essencial para a realização dos direitos humanos.

Signatário das convenções 138 e 182 da OIT, que regulam, respectivamente, a idade mínima de admissão ao emprego e a repressão às piores formas de trabalho infantil, e participante ativo do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil, nosso país se insere, assim, em uma luta que ultrapassa suas fronteiras e se apresenta como um dos grandes desafios que se apresentam à comunidade dos povos.

No combate ao problema, nossas instituições não têm permanecido inertes. O PETI - Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - vem permitindo, desde 2001, que crianças de todo o Brasil se dediquem aos estudos, recebendo bolsas para tanto.

O Ministério Público do Trabalho também desempenha eficientemente seu papel de defensor dos Direitos Humanos, por meio de ações judiciais e extrajudiciais.

O Congresso Nacional, por suas duas Casas, tem, igualmente, se mostrado atuante, quer pela fiscalização dos programas existentes e pela realização de audiências públicas, quer pela apresentação de proposições normativas.

Há hoje em tramitação no Senado e na Câmara, dezesseis projetos de lei que cuidam diretamente do assunto, tanto no sentido de combatê-lo quanto no sentido de oferecer proteção ao trabalho infantil, quando inevitável.

Sr. Presidente, se a sociedade brasileira, finalmente, despertou para a importância dos direitos humanos que prometera, por meio da Constituição, a todos os seus membros, é lícito dizermos que em nenhuma outra área houve mais avanços que no combate à exploração do trabalho infantil.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/09/2005 - Página 33386