Discurso durante a 172ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a greve de fome de Dom Luiz Flávio Cappio, na cidade de Barra, na Bahia, contra o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco. (como Líder)

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Considerações sobre a greve de fome de Dom Luiz Flávio Cappio, na cidade de Barra, na Bahia, contra o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 05/10/2005 - Página 33926
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • CRITICA, BISPO, ESTADO DA BAHIA (BA), GREVE, FOME, PROTESTO, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, EXTINÇÃO, SECA, REGIÃO NORDESTE, APRESENTAÇÃO, DADOS, MINISTERIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DO VALE DO SÃO FRANCISCO (CODEVASF), REVIGORAÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO.
  • CRITICA, NOTA OFICIAL, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SUSPENSÃO, OBRA PUBLICA, TRANSPOSIÇÃO, RIO.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Informo aos companheiros que, cumprindo um dos itens do Regimento, não concederei apartes, até porque, como Líder, não é possível.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos aqueles que me conhecem sabem da minha condição de católico fervoroso, fiel. Apesar das dificuldades e limitações, algumas impostas pelo ritmo frenético e competitivo da vida cotidiana e outras inerentes à nossa própria condição humana, tenho tentado, nesse meu mais de meio século de vida, viver sob os preceitos da Santa Igreja Católica. Mais do que isso, esforço-me, sinceramente, para ser um bom cristão, para viver segundo os ensinamentos e preceitos do Grande Mestre Jesus.

Sinto-me, muitas vezes, aliviado por saber que estão longe os idos da Inquisição, os negros tempos do Tribunal do Santo Ofício. Meu coração canta, Sr. Presidente, por saber que os Savonarolas e Torquemadas não mais alimentam as fogueiras que faziam arder, sem dó nem piedade, aqueles que, pretensamente, se afastavam das normas criadas por homens comuns, numa estreita e míope interpretação das leis de Deus.

Emocionado, assisti ao Sumo Pontífice, João Paulo II (que Deus o tenha em sua infinita glória e misericórdia) reconhecer os males do fanatismo e pedir desculpas aos judeus pelos equívocos à época da II Guerra Mundial. Foi um grande momento da Igreja de Cristo. E preservei-me na fé, fortalecido pelo exemplo de humildade e humanidade do Santo Papa.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o mundo dá muitas voltas, e hoje é um católico triste e perplexo que assoma esta tribuna.

Não consigo compreender, nem digerir, nem tampouco aceitar a atitude de Dom Luiz Flávio Cappio, Bispo de Barra, na Bahia, em greve de fome contra a transposição das águas do rio São Francisco, um projeto redentor que, mais do que água, levará esperança de vida renovada e digna ao sofrido povo do semi-árido da Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Pernambuco.

Acaso não terá lido as Escrituras, Dom Luiz Flávio, onde o próprio Cristo, em sua breve passagem pela terra, nos ensina a dar pão a quem tem fome e água a quem tem sede de beber? Porventura se esqueceu Dom Luiz Flávio da máxima cristã, legada a nós pelo próprio Cristo redivivo, quando dizia: “aquilo que fizerdes ao menor dos meus irmãos será a mim que o fizeste”? Não somos nós feitos à imagem e semelhança de Deus nosso Senhor Jesus Cristo?

Que melhor homenagem a essa semelhança podemos oferecer-Lhe, que usarmos a dádiva da inteligência que nos foi concedida em benefício da melhoria da qualidade de vida, do alívio e do sofrimento dos nossos semelhantes?

Acaso seria cristão ignorar os avanços tecnológicos e manter a odiosa discriminação em seres humanos de primeira e de segunda categoria? Os primeiros com água farta, desaguando no mar, sem serventia, enquanto os de segunda morrem de sede, de dor e desesperança como os hebreus em sua longa travessia na fuga do Egito?

Não compreendo essa Igreja, Srªs e Srs. Senadores. Essa não é a Igreja da libertação, que me fascina, não é a Igreja da igualdade e da fraternidade, que partilha o pão e o vinho na celebração da Eucaristia... Igualmente, não é a Igreja da resistência da esquerda, posto ignorar o próprio marxismo que recomendava a “cada um, de acordo com a sua necessidade”.

Só pode tratar-se de uma atitude isolada e equivocada do Bispo da Diocese de Barra, em perigosa greve de fome que poderá levá-lo à morte, num calvário doloroso por uma causa enganosa.

O Sr. César Borges (PFL - BA) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Não; falei que não concederia - avisei antes. Peço desculpas a V. Exª

O Sr. César Borges (PFL - BA) - V. Exª não deseja o debate sobre o assunto?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Não, porque, como Líder, não posso conceder apartes; e estou falando como Líder.

Jamais se cogitou uma abordagem excludente da revitalização do velho Chico. Lutamos do mesmo lado e pela mesma bandeira. Apenas a amplitude da minha lente está mais abrangente e aberta.

E é justamente essa abertura, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que orientou o projeto em debate.

Para se ter uma idéia, segundo dados do Ministério da Integração Nacional/Codevasf, as ações de revitalização do rio São Francisco (macrodrenagem, saneamento básico, construção de 10 mil cisternas, recuperação de matas ciliares, desassoreamento, recuperação de áreas degradadas pela mineração, macrozoneamento da bacia do rio, cadastro de usuários, revitalização ambiental de perímetros na bacia, construção de diques e desassoreamento do rio Gorutuba) perfazem, num primeiro momento, a soma de R$66.307.095,00, beneficiando diretamente 589.750 pessoas.

Ao mesmo tempo em que se investe na revitalização do rio, melhorando as oportunidades econômicas das populações ribeirinhas e, por conseguinte, a sua qualidade de vida, investe-se, também, na transposição de parte residual de suas águas para oferecê-las às comunidades despossuídas que habitam o sertão de quatro Estados nordestinos (Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará) em situação de penúria e desalento.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Só falta uma página, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes. PSDB - AP) - Pois não.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Entendo o gesto desesperado de Dom Luiz nos estritos limites em que se pode entender o desespero humano. Entretanto, causou-me estranheza a nota da CNBB, em que o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Dom Geraldo Majella, pede ao Presidente da República o adiamento das obras de integração do rio São Francisco.

Conversei hoje com Dom Aldo Pagotto, Arcebispo de João Pessoa, para me certificar da posição da Igreja. Ele me informou que os arcebispos também do Rio Grande do Norte, do Ceará, de Pernambuco, a maioria dos arcebispos da 9ª Região, também não concordam. Pareceu-me clara, portanto, a inexistência de consenso.

Lamento profundamente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a atitude de Dom Luiz Flávio Cappio. Receio por sua vida e pelos desdobramentos do seu gesto extremado. Li, comovido, a carta-declaração que ele escreveu, intitulada “Uma vida pela vida”, em que Dom Luiz finaliza com um grito solitário: “Quando a razão se extingue, a loucura é o caminho.”

Não me permito a loucura como caminho único. Seria a negação da minha própria vida, da minha fé em Deus e na existência humana. Aliás, quando um bispo torna-se bispo, ou quando um padre torna-se padre, ele, Sr. Presidente, casa com a Igreja. Isso seria um divórcio, inclusive, da Igreja, porque a Igreja não permite o suicídio nem tampouco a lei do País permite a eutanásia. Na hora em que houver, vamos supor, um avanço e que haja qualquer perigo de vida, ele vai ser levado para o hospital e será tratado. Portanto, não morrerá.

Então, só me resta implorar para que a razão prevaleça e que Dom Luiz Flávio Cappio renuncie a esse sacrifício doloroso, deixando florescer a sua vida, que sempre esteve, sei disso, generosamente colocada a serviço do próximo. Que deixe florescer igualmente a criatividade humana na distribuição da justiça e do progresso aos pobres e desvalidos que sobrevivem, a exemplo da palma, do xique-xique e do mandacaru, nas inóspitas e desérticas terras do sertão nordestino.

Peço desculpa aos companheiros aos quais eu não pude dar aparte. Não o fiz não somente porque não é permitido apartes quando pedimos a palavra pela Liderança, como também porque eu não queria quebrar o sentido do meu discurso.

Muito obrigado.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/10/2005 - Página 33926