Discurso durante a 172ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Aniversário do descobrimento do rio São Francisco na data de hoje. Considerações sobre a greve de fome de Dom Luiz Flávio Cappio.

Autor
Teotonio Vilela Filho (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AL)
Nome completo: Teotonio Brandão Vilela Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Aniversário do descobrimento do rio São Francisco na data de hoje. Considerações sobre a greve de fome de Dom Luiz Flávio Cappio.
Aparteantes
Marco Maciel, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 05/10/2005 - Página 33929
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • CRITICA, PROJETO, GOVERNO FEDERAL, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, APOIO, REIVINDICAÇÃO, SACERDOTE, IGREJA CATOLICA, GREVE, FOME, DEFESA, INEFICACIA, OBRA PUBLICA, SOLUÇÃO, SECA, REGIÃO NORDESTE.
  • ACUSAÇÃO, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, AUSENCIA, OBJETIVO, NATUREZA SOCIAL, REGISTRO, SEMELHANÇA, OPINIÃO, BANCO MUNDIAL, COMITE, BACIA DO SÃO FRANCISCO.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, DEBATE, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, ACUSAÇÃO, INTERESSE, NATUREZA POLITICA, OBJETIVO, ELEIÇÃO.
  • DEFESA, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, BISPO, ESTADO DA BAHIA (BA).

O SR. TEOTONIO VILELA FILHO (PSDB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a brava Senadora Heloísa Helena já lembrou, mas vou repetir: pouco mais de cinco séculos depois de ser descoberto, o rio São Francisco chega hoje a mais um aniversário de descobrimento, menos com festas e mais, muito mais, com o grave risco de uma morte.

No exato dia do aniversário de descobrimento do rio, na data exata em que o Brasil e, sobretudo, os nordestinos festejam o dia de São Francisco, o Bispo franciscano Dom Frei Luiz Flávio Cappio chega ao nono dia de sua greve de fome, posicionando-se contra as obras de transposição do mesmo São Francisco, que ele define em sua carta como obra “insana e mentirosa”. O Bispo cumpre seu sacrifício pessoal, Sr. Presidente, na zona rural de Cabrobró, em Pernambuco, numa capelinha de onde pode contemplar o rio que ele sonhou como redenção das caatingas da Bahia, onde ele exerceu seu ministério, mas que hoje é apenas motivo de discórdia entre os Estados nordestinos.

Por que, afinal, Sr. Presidente, Dom Luiz se dispõe a morrer? O que ele entende do rio São Francisco mais que os técnicos do Governo, que defendem a transposição de suas águas? Em seu profundo e inegável conhecimento das condições de vida de seu povo, Dom Luiz ensina que “ter água passando próximo não é solução, se não houver a justa distribuição da água disponível”, diz em sua carta.

Sr. Presidente, ele se baseia, como aqui diz a Senadora Heloísa Helena, na própria realidade da bacia do São Francisco, onde há centenas de povoados e centenas de milhares de ribeirinhos sem acesso à água, mesmo morando a pouca distância das barrancas do rio. O bispo pergunta, sem ter resposta, Senador Ramez Tebet, como o Governo pode pensar em começar uma obra de mais de R$7 bilhões, quando não consegue liberar poucos milhões para projetos de irrigação, já de há muito iniciados, quase concluídos, mas paralisados exatamente à falta de recursos?

Ele pergunta, Sr. Presidente, sem conseguir respostas minimamente honestas, por que o empenho de gastar mais de R$7 bilhões para irrigar terras distantes, para alimentar criatórios de camarões léguas adiante, se não há água nem para o consumo nem para a irrigação a muito menos de uma légua do leito do rio, como bem sabe a Senadora Heloísa Helena. Muitas outras perguntas faz o bispo, sem ter qualquer resposta, porque é irrespondível o fato de que a transposição leva água para onde ela já existe. No Nordeste inteiro, há grandes açudes com expressivos volumes d’água sem maior serventia, Sr. Presidente, porque não há redes de distribuição que levem aquelas águas oceânicas, como daqueles açudes do Ceará, para aqueles que moram tão perto, semelhantemente ao que ocorre às margens do São Francisco. Não há, nem haverá, porque o projeto só prevê levar água até o açude. Para distribuição, não há nenhum recurso. O projeto da transposição só prevê levar água para aqueles grandes açudes.

Essa constatação irrefutável é que levou Dom Luiz a afirmar, em carta escrita aos nordestinos do Ceará, da Paraíba, do Rio Grande do Norte e de Pernambuco: “não lhes contam toda a verdade sobre esse projeto de transposição. Ele não vai levar água para quem mais precisa, pois ela vai em direção aos açudes e barragens já existentes, e a maior parte, mais de 70%, é para irrigação, produção de camarão e indústria. Isso consta no projeto escrito. Além disso, vai encarecer o custo da água disponível e estabelecer a cobrança pela água além do que já pagam.

Diz ele ainda: “vocês não são os reais beneficiários desse projeto. Pior, vocês vão pagar pelo seu alto custo e pelo benefício dos privilégios de sempre”.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essas palavras de Dom Luiz - que é um homem que conhece o rio São Francisco na palma da mão e na planta dos pés, porque percorreu os seus mais de dois mil quilômetros a pé, no ano de 1992, durante pelo menos um ano inteiro - são avalizadas pela SBPC, que no seu documento diz, textualmente, isto que está aqui: que o projeto da transposição não tem nenhum objetivo social. Uma instituição como o Banco Mundial - insuspeita, insuspeitíssima, uma instituição que conhece muito bem o Nordeste porque tem projetos na terra do Senador César Borges, projetos no Ceará e conhece muito bem a natureza - foi contrária à obra da transposição porque não identificou finalidade social naquela obra.

A sociedade que congrega engenheiros e técnicos de saneamento do Brasil é contrária; o Comitê da Bacia de São Francisco é solidário e comunga das mesmas idéias. Então, ao contrário do que foi dito aqui na tribuna pelo primeiro orador, Dom Luiz não está solitário nem equivocado, ele tem o apoio, a solidariedade e o respaldo técnico das instituições mais sérias e mais capacitadas deste País.

O Sr. Marco Maciel (PFL - PE) - Nobre Senador Teotonio Vilela Filho, V. Exª me concede um aparte?

O SR. TEOTONIO VILELA FILHO (PSDB - AL) - Pois não, Senador Marco Maciel.

O Sr. Marco Maciel (PFL - PE. Com revisão do orador.) - Procurarei ser breve. Quero dizer que concordo com as observações que V. Exª está fazendo sobre o gesto do Dom Luis Cappio. Mas devo aproveitar a ocasião para dizer que li com muita atenção a carta que a CNBB dirigiu ao Senhor Presidente da República, subscrita pelo Cardeal Dom Geraldo Majella Agnelo, Arcebispo de Salvador e Presidente da CNBB; por Dom Antônio Celso de Queirós, Vice-Presidente da CNBB; e por Dom Odilo Pedro Scherer, Bispo Auxiliar de São Paulo e Secretário-Geral da CNBB. Aliás, uma carta muito bem escrita, muito ponderada, que, em certo momento, diz: “Senhor Presidente, apelamos para que reconsidere a decisão política que, ainda longe de um consenso na região nordestina a respeito da viabilidade e dos resultados sócio-ambientais da transposição do rio São Francisco, divide as mentes e os corações. Esperamos uma atitude sua em favor da unidade do povo nordestino. É preciso intensificar o diálogo capaz de superar as divergências que existem na região e construir um projeto que seja do conjunto da sociedade”. E diz mais adiante: “Apelamos para a sua responsabilidade de Presidente da República para adiar o início das obras de transposição do rio e garantir, antes de tudo, a sua revitalização”. Posteriormente, em entrevista que deu, disse S. Emª o Cardeal D. Geraldo Majella Agnelo: “O Presidente da República é o supremo mandatário do País e pode aprovar, desaprovar ou adiar: nós pedimos para adiar, inclusive para dar a oportunidade de maiores esclarecimentos (sobre a transposição)”. Com isso, o Presidente da CNBB quer dizer que não custa nada, nobre Senador Teotônio Vilela Filho, num projeto dessa envergadura, adiar para uma análise mais adequada, inclusive, para que as questões suscitadas por Dom Cappio sejam devidamente esclarecidas. Faço minhas as palavras de V. Exª, pois está sendo muito feliz nessa manifestação. Também desejo mencionar um fato que me toca muito: a atitude de Dom Cappio tem uma enorme força simbólica, sobretudo quando, vivendo numa sociedade marcada por interesses materiais, vejo alguém indo ao gesto extremo de abdicar de sua vida. O gesto de Dom Cappio comove e deve produzir uma ampla reflexão de todo o País; de modo especial do Governo Federal e, em particular, do seu Presidente. Espero, portanto, que as palavras de V. Exª sejam ouvidas, pois, se isso acontecer, certamente contribuirá para que possamos construir soluções consensuais e projetos que, ao invés de dividir, não venham criar divergência entre irmãos, sobretudo, daqueles que desejam o melhor para o Nordeste e seu povo.

O SR. TEOTONIO VILELA FILHO (PSDB - AL) - Muito obrigado, nobre Senador Marco Maciel. V. Exª fala com a consciência e com o coração, com autoridade de Senador da República e, sobretudo, de um pernambucano que conhece tão bem o Estado e o drama do sertanejo, e como um católico fervoroso que sei que é.

Mas como dizia, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ninguém conhece e ama o rio São Francisco mais do que Dom Luiz Flávio Cappio. Conhece o rio porque vive e convive com ele no dia-a-dia.

Sr. Presidente César Borges, eu, V. Exª e a Senadora Heloisa Helena estivemos com Dom Luiz no sábado. Encontramos um homem sereno, tranqüilo, equilibrado, ponderado, mas, ao mesmo tempo, firme, determinado, um homem que sabe o que quer e não está para brincadeira, nem para confundir pessoas ou aparecer em holofotes. Dom Luiz tem um objetivo muito determinado.

Confesso que temo pelo pior. Em seus cinqüenta e nove anos de idade, Dom Luiz já apresenta sinais visíveis de uma profunda debilidade orgânica, apesar da confortadora resistência interior. Mesmo fragilizado, continua celebrando, recebendo pessoas, conversando numa rotina quase normal de trabalho, movido pelo amor ao rio São Francisco.

Mas temo pelo pior. E como temo! Dom Luiz fez seus irmãos e familiares jurarem que, mesmo inconsciente, ele não será medicado nem hospitalizado.

            Em Cabrobó, onde ele vive seu “jejum em oração permanente”, poucos duvidam de que ele sairá em procissão ou morto num caixão. E tanto se sabe disso que o movimento de solidariedade ao Bispo se espraia...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. TEOTONIO VILELA FILHO (PSDB - AL) - Já concluo, Sr. Presidente. E tanto se sabe disso que o movimento de solidariedade ao Bispo se espraia pelo interior do Nordeste. A CNBB já anunciou seu apoio a Dom Luiz e a sua oposição à obra da transposição como foi posta.

A cada dia aumenta o número dos ribeirinhos e dos sertanejos que vão a Cabrobó levar a Dom Luiz não apenas solidariedade, mas agradecimento pelo sacrifício que ele faz em defesa de quem não tem voz. Os jornais noticiam que, em Juazeiro da Bahia, dezenas de pessoas iniciaram hoje uma greve de fome de 24 horas, também em solidariedade ao Bispo.

Em seu sacrifício, Dom Luiz pede muito pouco. Quer que a obra seja suspensa para ser melhor e democraticamente discutida com os habitantes do vale, pois isso ainda não ocorreu. Em outras palavras, Dom Luiz quer que seja ouvido e respeitado o Comitê da Bacia do São Francisco, quer que haja audiências públicas efetivas nas grandes cidades do Vale, sem o faz-de-conta que se viu em Maceió, por exemplo. A Senadora Helena sabe que a audiência pública foi marcada para um domingo de carnaval. Se a audiência fosse no sambódromo, talvez tivesse mais sentido.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - V. Exª me permite um aparte, Senador Teotonio Vilela Filho?

O SR. TEOTONIO VILELA FILHO (PSDB - AL) - Com muito prazer, Senador Ramez Tebet.

Peço, apenas, Sr. Presidente, que depois me permita concluir.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Serei rápido.

O SR. TEOTONIO VILELA FILHO (PSDB - AL) - É uma honra o aparte de V. Exª.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - V. Exª está aí, de forma eloqüente, como nordestino que é, como um grande brasileiro, defendendo o seu ponto de vista e, sobretudo, se me permite, defendendo o ideal levado ao extremo. Num país que vive à míngua de ideal, está na hora de tê-los. Estou interferindo no seu discurso, sem entrar no mérito da transposição do rio São Francisco, porque queria que o Presidente da República me ouvisse. Será que é possível me ouvir, ouvir o Senado? Será que, em vez de escrever uma carta, não pode chamar Dom Luiz para conversar, dialogar, mostrar um gesto de humanidade? Sr. Presidente César Borges, Senador Teotonio Vilela, está na hora de se fazer isso! Não se pode ficar com missivas, vendo um homem da região, um religioso, em greve de fome, que é o idealismo levado ao paroxismo, vamos assim dizer, levado ao grau máximo, a pessoa se imolar, como quem está dizendo “estou morrendo por uma causa”. Ou vamos chamá-lo para discutir a causa, ou vamos até ele para discuti-la. De qualquer forma, a minha sensibilidade está dizendo que o Brasil precisa conhecer um gesto maior por parte do Governo Federal com relação a Dom Luís. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. TEOTONIO VILELA FILHO (PSDB - AL) - Muito obrigado a V. Exª pelo aparte e pela solidariedade, Senador Ramez Tebet. Realmente, tememos pelo pior e é fundamental que alguma ação seja feita por parte do Governo para que o pior não venha a ocorrer.

E eu como dizia, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Dom Luiz nada tem de radical. Ele diz, em sua carta aos nordestinos:

Não estivesse o rio São Francisco à beira da morte e suas águas fossem a melhor solução para a sede de vocês [dirigindo-se ao Nordeste setentrional], eu não me oporia e lutaria com vocês por isso. Tenho certeza de que o generoso povo do São Francisco faria o mesmo.

Então não se trata, como aqui foi dito pelo Líder do PMDB, de uma questão de desinformação a respeito dessa questão. Por que então, Sr. Presidente, não debater com seriedade o projeto de transposição? Por que o Governo não faz isso? Por que não discuti-lo em profundidade? Que temor pode ter o Governo no debate se, de fato, houver honestidade de propósito de se buscar o melhor para a população? O que temer de uma consulta à população, como propôs a Senadora Heloisa Helena?

Sr. Presidente, não nego, temo o pior. A menos que o Congresso se mobilize, que a sociedade se faça ouvir, temo o pior. O Governo parece cada vez mais distante e insensível, voltado apenas para o seu discurso eleitoreiro que o mero início das obras poderá significar. Mas o Brasil não pode ficar indiferente e impassível diante de uma morte anunciada, Senadora Heloísa Helena. O Senado não pode cruzar os braços. Ou assumimos responsabilidades nessa interlocução com o Governo, ou a transposição fará a sua primeira grande vítima e produzirá o primeiro cadáver.

Sr. Presidente, tenho a mais viva confiança em que o Presidente da República não se negará a receber Dom Luiz ou os seus familiares, que há muito lhe pedem uma simples audiência. Está aqui presente um sobrinho do Bispo que estava com ele no dia em que nós o visitamos. Tenho a mais firme esperança de que o Governo, sobretudo o Ministro da Integração, sensibilizar-se-á com o desprendimento de um homem que se dispôs a sacrificar a própria vida à crença e ao trabalho por dias melhores para os ribeirinhos do São Francisco. O Vale do São Francisco já tem o seu herói, mas o Brasil não admitirá um mártir.

Que Deus nos permita que, exatamente na data de descobrimento do rio São Francisco não se produza um cadáver. Encerro esse apelo com as palavras do próprio Dom Frei Luis Flávio, em sua carta aos nordestinos: “Senhor, Deus da Vida, ajude-nos!”.

Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/10/2005 - Página 33929