Discurso durante a 172ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o projeto de transposição das águas do rio São Francisco.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Considerações sobre o projeto de transposição das águas do rio São Francisco.
Aparteantes
Garibaldi Alves Filho.
Publicação
Publicação no DSF de 05/10/2005 - Página 33962
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, DESRESPEITO, LEGISLAÇÃO, RECURSOS HIDRICOS, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO.
  • SOLIDARIEDADE, BISPO, ESTADO DA BAHIA (BA), GREVE, FOME, PROTESTO, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO.
  • DEFESA, REALIZAÇÃO, PLEBISCITO, DECISÃO, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, RIO, BENEFICIO, DEMOCRACIA, DEBATE, POVO.
  • ACUSAÇÃO, FRAUDE, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, COMENTARIO, EXISTENCIA, ALTERNATIVA, INFERIORIDADE, CUSTO, SUPERIORIDADE, EFICACIA, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, POPULAÇÃO, VITIMA, SECA, REGIÃO NORDESTE.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Primeiro, não vou entrar no debate sobre posições apaixonadas, porque sou favorável à paixão sempre. Embora, entre a paixão e o amor, eu prefira o amor, evidente, porque há menos risco de se ficar cego pelos momentos. Então, não se trata de posições apaixonadas. Mas é evidente que tem um debate, trazido pelo Senador Garibaldi, relacionado à intolerância. Eu me sinto na obrigação de resgatar quem de fato trouxe atos de extrema intolerância, de desrespeito à legislação em vigor no País e de desrespeito às decisões tomadas, da forma mais bela, legítima e livre, que são as decisões democráticas. Quem de fato agiu com total intolerância foi o Governo. Passamos 17 anos para construir a Lei de Recursos Hídricos do País. Aconteceram concessões coletivas dos mais diversos setores envolvidos no debate. Construiu-se a Lei de Recursos Hídricos, estabeleceram-se os Comitês de Bacias Hidrográficas como instância legítima, democrática, para se tomar decisões a respeito de recursos hídricos. O Governo Lula rasgou a legislação de recursos hídricos, desrespeitando, de forma intolerante, totalitária e abusiva, todas as decisões tomadas em audiências públicas do Comitê da Bacia Hidrográfica. Não se pode ousar atribuir a uma greve de fome um ato de intolerância quando, de fato, é uma verdadeira declaração de amor que está sendo feita à revitalização do rio São Francisco. Sei que o debate não é novo. Há 500 anos, no dia de hoje, Dia de São Francisco, as caravelas de Américo Vespúcio viram, pela primeira vez, o velho Opará, o rio-mar, como o chamavam os povos indígenas, e desde aquele dia foi batizado o rio São Francisco em homenagem ao santo do dia, São Francisco. Desde aquele dia, mentes e corações moveram-se a respeito da utilização do rio. É verdade! A coroa portuguesa disse que entregava as pedras preciosas de todas as suas jóias se alguém criasse uma alternativa concreta de aproveitamento das águas do São Francisco para resolver os problemas do Nordeste. Só que é importante que seja dito - e é por isso, Senador Garibaldi Alves Filho, que não consigo entender como é que não se aceita o debate livre, legítimo, democrático, do plebiscito sobre a transposição do São Francisco. Não sei isso. Ora, se compararmos, inclusive do ponto de vista populacional, os Estados que supostamente seriam beneficiados com a transposição, eles até poderiam definir um plebiscito. Então, por que é que não pode haver um plebiscito sobre um debate como este no Nordeste, de que participariam todos os nordestinos, tanto dos Estados da Bacia Hidrográfica como dos Estados que supostamente seriam beneficiados? Seria o debate mais belo, legítimo e franco possível, porque aí haveria possibilidade de os argumentos técnicos serem colocados nas duas posições. Continuo achando que é uma farsa técnica e uma fraude política. Quem sabe, no debate do plebiscito, possamos ser convencidos do contrário ou convencer os Estados que supostamente seriam beneficiados do contrário também? Por que é que o plebiscito não pode ser feito? Por que é que o debate técnico sobre as alternativas de disponibilização de água, de aproveitamento de recursos hídricos, não pode ser feito da forma mais legítima, democrática possível, que é o plebiscito? Não se trata de um padrão, de uma idéia fixa contra a transposição de águas. Transposição de águas já foi feita aqui no Brasil - de menor impacto, mas foi feita - e em outros países com impacto ambiental inimaginável, que tem de servir inclusive de parâmetro para qualquer ação que possamos fazer. Por que não se discute o problema da revitalização do rio? Senador Garibaldi Alves, V. Exª sabe do respeito que tenho por V. Exª. Nenhuma das ações de que V. Exª aqui tratou, que estão previstas no papel, que estão previstas no Orçamento, nenhuma foi feita. É uma farsa o projeto de revitalização do rio São Francisco, primeiro, porque recomposição de matas ciliares, problemas relacionados ao assoreamento, à agricultura itinerante, a investimento em outros componentes de matriz energética, não é algo simplório, simples. Esse é um debate técnico altamente sofisticado e com uma implementação também difícil de ser viabilizada. Do mesmo jeito, as outras obras que também não foram feitas no Nordeste setentrional, que dão conta do aproveitamento das águas que hoje já estão disponibilizadas, quer seja nos grandes reservatórios, quer seja nas águas subterrâneas, por que isso não foi aproveitado? Por que outras alternativas, inclusive entidades como a Cáritas...

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - V. Exª me permite?

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Claro.

Existem alternativas concretas, ágeis, eficazes, de baixo custo, de maior impacto social, inclusive para o Nordeste setentrional. Por que nada disso foi feito? Objetivamente, basta analisar o projeto para saber que menos de 3% da população do Nordeste setentrional seriam beneficiados por essa obra. Será que não existem outras alternativas? O pior é que existem. Concretas, eficazes, de baixo custo, de maior impacto social, para viabilizar a melhoria dos dias e de novos caminhos desses 3% do Nordeste setentrional. Porque tem razão V. Exª quando clama a dor e o sofrimento da população da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará. Do mesmo jeito que podemos igualmente clamar a dor, o sofrimento, a ausência de água para beber de populações de Alagoas, de Sergipe e da Bahia que vêem o rio e dizem: Heloísa, a dor maior que dá é que estou vendo o rio de cima do penhasco - e aí eles dizem -, vejo o rio e não posso descer no barranco para pegar água para dar para os meus filhos ou para o meu bodinho que está aqui em casa. Então essa é uma realidade concreta. Então, por que não fazer o debate? Por que não fazer o plebiscito? Por que não possibilitar a união do povo nordestino onde o vencedor ou o vencido aceita a decisão tomada democraticamente?

Concedo um aparte a V. Exª.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Senadora Heloísa Helena, respeito muito o trabalho de V. Exª, V. Exª sabe muito bem disso. Tenho o maior apreço pelo que V. Exª representa hoje não apenas para o Nordeste, mas para todo o Brasil. Agora, eu queria entender por que, em vez de se adotar uma atitude dessa, tão extrema, uma atitude a favor da revitalização, adota-se uma posição contra um projeto de transposição. Por que ser tão negativo de se querer morrer de fome contra...

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Mas ele não fez isso.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Não se faz greve de fome a favor.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Mas é pela revitalização. Mas é assim, a carta dele é assim.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - É assim, mas ele é contra. Não posso cometer a injustiça de dizer que D. Luiz não seja a favor. Mas por que ele não faz esse ato a favor e deixa que os nordestinos do Rio Grande do Norte, da Paraíba e do Ceará tenham a oportunidade de saciar a sede? Sinceramente, eu não entendo como é que um Governo que está executando um projeto como este não pode também executar o projeto de transposição ou de revitalização. Quanto ao plebiscito, sou favorável. As populações de maior dimensão encontram-se nos Estados doadores. Os Estados que vão receber as águas apresentam população menor, e isso poderia trazer vantagem no plebiscito e realmente provocar conturbação no processo.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Senador, se fosse assim, V. Exª teria que ser contra o referendo das armas, que é a maior estrutura de comunicação do País. É favorável. Então, só isso impediria que o referendo fosse feito. Não é assim que as coisas se dão. Os mecanismos democráticos que possibilitam a participação da população são essenciais e, no argumento, pode-se convencer ou ser convencido.

D. Luiz fez voto de pobreza - o Senador Antonio Carlos Valadares e todos nós sabemos disso -, é um homem pobre que dedicou a vida às populações pobres, ribeirinhas, aos povos indígenas. Não é um homem que faz um debate técnico distanciado da vida objetiva das populações pobres, sedentas e famintas, inclusive da bacia hidrográfica do rio São Francisco. E eu sei que não caberia na cabeça de ninguém que eu entraria num debate em que eu tivesse certeza de que a transposição das águas era para matar a dor, a sede, a fome e a pobreza dos filhos da pobreza do Nordeste setentrional. O problema é que não é. Seria impossível para mim. Impossível viabilizar. Agora se existem três...

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Mas essa, Senadora Heloísa Helena, desculpe-me por interromper assim de uma forma tão mal-educada.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL-AL) - Não tem problema. Não é mal-educada, mas é porque o debate é assim mesmo.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Se V. Exª quiser aceitar o nosso convite, vamos lá visitar as áreas que serão beneficiadas e V. Exª verá que não há lá nenhum deserto. O que há lá são pessoas que vivem, não fizeram votos de pobreza, não. Foram condenadas à pobreza. Entenda V. Exª bem...

            A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL -AL) - Pois é! Eu vou lá. Quando é que V. Exª que ir? Eu vou e levarei V. Exª também para São José...

            O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Vamos! Vamos agora fazer uma Comissão. Vamos chamar o Ministro para participar da Comissão.

            A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Não tem problema. Aceito de pronto o convite de V. Exª, ao tempo...

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Valadares. Bloco/PSB - SE. Fazendo soar a campainha.) - Senadora Heloísa Helena, terá V. Exª mais dois minutos e, em seguida, eu passarei a palavra ao Senador Flexa Ribeiro, que vai ser o último orador. Mas, para tanto, eu terei que prorrogar a sessão por mais quinze minutos.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Eu aceito o convite de pronto, vamos marcar a data. Eu vou aproveitar e marcar a data também para as populações da Bahia, de Alagoas também. Vamos logo, o mais rápido possível. E o gesto poderia ser esse. Pronto! Se existe a necessidade de reabrir o debate para conhecimento das áreas onde a população vive a miséria, a dor e o sofrimento - e eu conheço na pele, não conheço dos livros, exatamente qual é o significado de ser pobre, sertaneja e nordestina - então, façamos isto, e o Presidente terá a oportunidade fazer: suspende o projeto, declara publicamente...

(Interrupção do som)

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Não! Suspender, não.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Pois então! Está vendo? Então, V. Exª não quer convencer ninguém se não quer que suspenda. A demonstração do convencimento não se dá pela força, óbvio que não. Então, tem uma coisa muito concreta: faz-se o plebiscito, reabrem-se as discussões, reabrem-se as audiências e chegamos a uma conclusão. Eu não tenho problema. Trabalho de madrugada, de manhã, de tarde, de noite, para agilizarmos. Até porque o que está em risco é a vida de milhões de filhos da pobreza em todo o Nordeste, que foram sendo vítimas das oligarquias regionais, onde muitas se aproveitaram da dor, da pobreza e da miséria para crescer e se perpetuar politicamente.

Então, que façamos isto: façamos o debate, a reabertura das discussões, plebiscito ou qualquer outra forma que possa realmente viabilizar a unidade do povo nordestino, que sempre foi muito unido. Muito. Quando eu chego em algum lugar e pelo meu sotaque alguém diz “paraibana”, “baiana” ou “cearense”, não me importa. Eu digo: nordestina, da Nação Nordeste. E não pode um projeto dividir o povo nordestino. Não é justo com a nossa história, com a nossa dor e com o nosso sofrimento.

Então, a decisão democrática é o plebiscito e a reabertura das discussões.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/10/2005 - Página 33962