Discurso durante a 170ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Greve de fome realizada pelo Frei Luiz Flávio, de Barra/BA. Transposição das águas do Rio São Francisco.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Greve de fome realizada pelo Frei Luiz Flávio, de Barra/BA. Transposição das águas do Rio São Francisco.
Aparteantes
Rodolpho Tourinho.
Publicação
Publicação no DSF de 01/10/2005 - Página 33627
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, URGENCIA, ATENDIMENTO, REIVINDICAÇÃO, BISPO, IGREJA CATOLICA, MUNICIPIO, BARRA, ESTADO DA BAHIA (BA), GREVE, FOME, RETOMADA, DEBATE, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO.
  • REGISTRO, FORMAÇÃO, GRUPO PARLAMENTAR, SOLIDARIEDADE, VISITA, SACERDOTE, SITUAÇÃO, GREVE, FOME.
  • ESCLARECIMENTOS, POSIÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL), POLEMICA, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO.
  • CRITICA, NEGLIGENCIA, GOVERNO FEDERAL, LEGISLAÇÃO, RECURSOS HIDRICOS, PARECER CONTRARIO, COMITE, BACIA HIDROGRAFICA, RECUSA, DEBATE, NATUREZA TECNICA, IMPACTO AMBIENTAL, PROJETO, AUSENCIA, BUSCA, ALTERNATIVA, REDUÇÃO, CUSTO, FAVORECIMENTO, POPULAÇÃO, SITUAÇÃO, POBREZA, REGIÃO, REGISTRO, DIVERSIDADE, PROPOSTA, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, SOLUÇÃO, SECA, REGIÃO NORDESTE.
  • OPINIÃO, ORADOR, OBJETIVO, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, ATENDIMENTO, INTERESSE, EMPREITEIRO, LATIFUNDIO, AGRICULTURA, DESTINAÇÃO, EXPORTAÇÃO.
  • DEFESA, REALIZAÇÃO, PLEBISCITO, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, quando eu ouço essa história do balcão de negócios sujos, ou melhor, do balcão de negócios podres em que se transformou essa promiscuidade Palácio do Planalto/Congresso Nacional, chegamos a ter vontade de voltar ao tema. Mas eu, mais uma vez estou aqui tentando solicitar agilidade do Governo Federal, porque o Governo Federal é tão ágil para fazer do Congresso Nacional uma prateleira de mercadorias parlamentares, em que cada um vai botando uma etiqueta na testa conforme o preço de mais ou menos vendido, que realmente é muito difícil falar sobre o que vou falar.

Estou solicitando, mais uma vez, que o Governo Federal tenha sensibilidade diante da greve de fome, que já está passando do quinto dia, do Frei Luiz Flávio, bispo de uma cidade chamada Barra, na Bahia. Ele está numa capelinha em Cabrobó, Pernambuco, solicitando a reabertura do debate, das audiência públicas sobre a transposição do rio São Francisco.

Realmente, eu não consigo acreditar. Sei que nessa relação promíscua Palácio do Planalto/Congresso Nacional todo dia é uma nova patifaria. Na vida do pobre é todo dia uma agonia. Na relação promíscua, é todo dia uma nova patifaria. Então, realmente, fica muito difícil até escolher o que falar. Mas nós estamos fazendo um esforço grande. Vários Parlamentares já falaram sobre isso. Amanhã, uma comissão de Senadores estará junto ao Frei Luiz Flávio, que está em greve de fome. Irão o Senador César Borges, o Senador Teotonio Vilela Filho, eu e várias lideranças da região Nordeste, para de alguma forma, Senador Alvaro Dias, estabelecer uma nova discussão política, uma nova audiência, algo que demonstre um mínimo de sensibilidade do Governo em relação à transposição do São Francisco.

Eu já tive oportunidade de várias vezes tratar do tema nesta Casa. Se nós, do P-SOL, fôssemos movidos pela demagogia eleitoralista e pela vigarice política, jamais estaríamos debatendo um tema de alta complexidade, além de técnica política, porque é um tema que, de fato, divide o nordeste. Nós, nordestinos, que sempre fomos tão unidos - o Senador Rodolpho Tourinho sabe disso -, às vezes, quando falamos com o sotaque mais arrastado, que é o nosso sotaque nordestino, e quando alguém não sabe exatamente onde nascemos diz logo: é baiana, é paraibana, é nordestina. Até diz isso. Eu, que sou alagoana, ou os meus filhos, tantas vezes ouvimos isto: paraibano! Baiano! De alguma forma, essas acabam sendo as denominações mais conhecidas no Nordeste. E sempre respondemos assim: tenho muito orgulho, teria muito orgulho de ser baiana, pernambucana, paraibana, mas sou alagoana. Sempre dizemos isso, porque o Nordeste sempre foi muito unido.

Em todas as regiões do País, é difícil dizer que alguém é do sul. Geralmente, diz-se de que Estado é, do Norte, ou do Centro-Oeste, ou do Sul. Mas, no Nordeste, não, geralmente dizemos que somos nordestinos. Até brincamos dizendo que somos a nação Nordeste.

O tema da transposição das águas do São Francisco gerou polêmica pela postura infame, desrespeitosa, irresponsável do Governo Lula. O Governo Fernando Henrique tentou fazer esse projeto, houve realmente uma grande mobilização, um grande debate. Acabou não havendo condições objetivas de fazer. Aliás, ele acabou não fazendo mais pela crise do setor elétrico do que por sensibilidade política. Hoje, o atual Governo faz a mesma coisa.

Nós, do P-SOL, se fosse por oportunismo, jamais entraríamos nesse debate, porque esse debate divide o Nordeste. Muitos militantes do P-SOL de outros Estados, que supostamente seriam beneficiados com a transposição das águas, dizem: Heloísa, não fale sobre isso não, porque gera problema nos Estados que supostamente seriam beneficiados. E eu tenho todo o tempo dito: eu não estou falando contra a transposição das águas do São Francisco. Simplesmente é porque eu, nascida na beira do rio São Francisco, em Pão de Açúcar, sei que Alagoas e Sergipe vivem uma situação extremamente dramática. Em função da diminuição da força da água, existe uma cunha de salinidade entrando na foz do rio São Francisco.

Uma música de Luiz Gonzaga diz que “o rio São Francisco vai bater no meio do mar”. Mas não vai mais, não, por causa da diminuição da força da água, quer seja pelos reservatórios de geração de energia, quer seja pelo desmatamento das matas ciliares e, portanto, mais assoreamento do rio, menos profundidade do rio, menos força da água, causando impacto ecológico, uma situação gravíssima do rio São Francisco.

O Governo, de uma forma desrespeitosa, rasgou a legislação, a lei nacional de recursos hídricos, que democratizou, através dos Comitês de Bacias Hidrográficas, o debate sobre o uso da água. Mais de dezessete anos para conseguir estabelecer uma legislação por concessões coletivas de entidades ambientalistas e populações ribeirinhas, de técnicos respeitados no Brasil e no mundo na área de recursos hídricos, e depois que conseguimos a legislação, o Governo simplesmente a rasga.

Senador Tourinho, V. Exª , eu e muitos outros Parlamentares tivemos a oportunidade de participar de muitas audiências públicas, dando conta do que manda a legislação em vigor do País. Todas as audiências públicas do Comitê de Bacias Hidrográficas aprovaram, por mais de 90% dos votos, contra esse projeto de transposição. A decisão do Comitê de Bacias Hidrográficas foi até inteligente, porque, para mostrar que o Governo estava fazendo uma farsa técnica e uma fraude política, dizendo que o projeto de transposição era para matar a sede dos nossos irmãos pobres do Nordeste setentrional. Portanto, de outros Estados do nosso Nordeste, no Comitê da Bacia Hidrográfica, disse “se for para viabilizar o abastecimento humano, a gente aceita a obra de transposição das águas”. Mas não era para isso. Era para fazer um grande negócio. O debate da transposição do São Francisco não é nem para atender aos filhos da pobreza do semi-árido do Nordeste setentrional, nem às populações pobres das periferias das cidades do Ceará, da Paraíba ou de outros Estados. Não é! É para fazer o jogo sujo das grandes empreiteiras, das grandes construtoras, dos seus serviçais do mundo da política que vão ganhar propina com isso e para fazer o jogo dos grandes latifundiários do Nordeste sententrional e da agricultura de exportação.

            Não se está fazendo um debate técnico sobre o impacto disso no rio São Francisco, sobre os projetos que poderiam ser viabilizados dentro da própria bacia hidrográfica para dinamizar a economia, gerar emprego e gerar renda. Não se está apresentando as alternativas técnicas de baixo custo e mais eficácia que poderiam ser feitas no Nordeste setentrional para beneficiar as populações pobres e para promover recursos hídricos para irrigação para essas regiões também.

Há várias propostas concretas e eficazes, vários projetos que estão dormindo nas gavetas do Governo Federal e que poderiam solucionar o problema da falta de água no Nordeste setentrional. Existe água disponível. O per capita que é exigido mundialmente é muito maior. Existe água disponível no Nordeste setentrional. O que falta é a utilização democrática e com um mínimo de razoabilidade dessa água. E absolutamente nada é feito. Eu realmente nunca vi tanta insensibilidade.

Concedo um aparte a V. Exª, Senador Tourinho.

O Sr. Rodolpho Tourinho (PFL - BA) - Senadora Heloísa Helena, quero apoiar o seu pronunciamento. Quero declarar mais uma vez - acho que precisamos continuar declarando - que a Bahia é contra a transposição do São Francisco, e digo isso também em nome dos Senadores Antonio Carlos Magalhães, César Borges e de todos os Parlamentares da Bahia. Existem dois aspectos do discurso de V. Exª sobre os quais gostaria de comentar rapidamente. O primeiro é em relação à questão energética. O São Francisco é a única fonte de energia que o Nordeste tem. Já estou cansado de ir à tribuna para chamar a atenção para o problema de energia no Nordeste. Operador Nacional do Sistema já aponta que, a partir de 2009, poderemos ter problemas de energia no Nordeste. Dependemos de gás única e exclusivamente. Não podemos mexer naquilo que temos e que garante o mínimo, que é o São Francisco. É absolutamente incoerente mexer nisso numa hora dessa. Não há a menor possibilidade. Tem que se tratar do rio São Francisco para que possamos ter essa energia garantida. Não temos, Senadora, nenhuma outra possibilidade de transportar mais energia de outro lugar através de linha de transmissão, a não ser que novas e grandes usinas venham ser feitas no Tocantins ou em outros lugares. O segundo ponto que me toca muito é quando V. Exª comenta que, pela primeira vez na vida, é possível que consigam nos dividir. Consigam dividir o povo sofrido do Nordeste. Isso é muito ruim para a Nação, porque pensamos ainda no caminho grande que temos que construir para reduzir a pobreza do Nordeste, reduzir a miséria do Nordeste. V. Exª foi muito feliz ao tocar nesse ponto dessa provocação e desunião no Nordeste. Parabenizo V. Exª.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Agradeço a V. Exª, Senador Tourinho. Realmente, como V. Exª diz, eu fico impressionada com isso, porque, para mim, seria impossível não defender uma obra, se eu tivesse a convicção de que ela iria auxiliar os filhos da pobreza, os pobres nordestinos, que estão nos Estados do Nordeste setentrional. Eu jamais dormiria de consciência tranqüila se eu soubesse que a minha posição estaria impedindo uma obra a ser feita para minimizar a dor e o sofrimento dos nordestinos dos outros Estados do Nordeste que não têm o rio São Francisco. Seria impossível para eu fazer uma coisa dessas. Sinto-me na obrigação de fazê-lo, porque me sinto na obrigação de ser movida pelos argumentos técnicos que estão sendo apresentados, tanto em relação à revitalização do São Francisco, como em relação a outras obras. E existem outros projetos, de menor custo, de maior eficácia, para minimizar a dor e o sofrimento dos Estados que supostamente seriam beneficiados e não serão. Os filhos da pobreza não serão beneficiados com essa obra faraônica, que é a transposição do São Francisco.

Então, mais uma vez, fica aqui o nosso apelo. O Governo teve tanta agilidade, durante esses dias, para comprar parlamentares que se vendem para fazer a eleição na Câmara; o Governo tem tanta agilidade para estabelecer, no Congresso Nacional, um balcão de negócios sujos, por que não pode ter agilidade, sensibilidade, para reabrir o debate, promover uma audiência pública, pelo menos pensando na vida e na dor de Dom Frei Luiz Flávio que está em greve de fome?

Sr. Presidente, mais uma vez, faço este apelo à Bancada de Parlamentares da Bahia. Como o Senador Rodolpho Tourinho falou, vários Parlamentares estarão fazendo uma visita de solidariedade a Dom Frei Luiz, mas a solidariedade não pode se encerrar na visita. A atitude de solidariedade que devemos ter é fazer o Governo reabrir o debate. Uma comitiva do Governo deve ir até lá para solucionar esse impasse. Dom Frei é uma pessoa de idade que não suporta mais do que já está agüentando, dando, da sua forma, uma verdadeira declaração de amor ao rio São Francisco.

A próxima terça-feira, dia 4, é o Dia de São Francisco. Este ato simbólico é a mais bela declaração de amor que Dom Frei Luiz Flávio encontrou para dar ao rio São Francisco: a greve de fome. E exige sensibilidade, solidariedade e ações concretas do Governo para reabrir o debate, para fazer audiências públicas em todo o Estado nordestino.

Apresentei proposta de realização de plebiscito. Se fizéssemos esse plebiscito, teríamos a oportunidade de debater na televisão, quem é contra e quem é a favor. E todos votariam, inclusive os Estados que supostamente seriam beneficiados e que não vão ser. Pelo menos, todos estaríamos participando para não promover isso que é gravíssimo. Além de termos de agüentar a farsa técnica e a fraude política do Governo em relação a essa obra, a divisão triste e perversa entre nós nordestinos, ainda temos de ficar lutando para reabrir o debate diante de uma situação extremamente triste por que passa Dom Frei Luiz Flávio na sua greve de fome.

Assim sendo, Sr. Presidente, mais uma vez o nosso apelo ao Governo Federal, mais vez o apelo ao Presidente Lula, ao Ministro Ciro Gomes: desçam das suas redomas de vaidade e estejam lá para discutir alternativas para que possamos minimizar essa situação de dor e sofrimento por que passa o povo nordestino de uma forma geral em função dessa confusão que está criada e, de uma forma muito especial, o D. Frei Luiz Flávio, que está em greve de fome.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/10/2005 - Página 33627