Discurso durante a 171ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Lamenta a morte do sindicalista Jair Antonio da Costa, em confronto com a Polícia Militar durante manifestações contra o desemprego no setor calçadista no Vale dos Sinos - RS.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIAL. POLITICA HABITACIONAL.:
  • Lamenta a morte do sindicalista Jair Antonio da Costa, em confronto com a Polícia Militar durante manifestações contra o desemprego no setor calçadista no Vale dos Sinos - RS.
Publicação
Publicação no DSF de 04/10/2005 - Página 33783
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIAL. POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • REPUDIO, VIOLENCIA, POLICIA MILITAR, CONTENÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, TRABALHADOR, PROTESTO, AUMENTO, DESEMPREGO, EMPRESA DE CALÇADOS, VALE DOS SINOS, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), PROVOCAÇÃO, MORTE, DIRIGENTE SINDICAL.
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, CRISE, INDUSTRIA, CALÇADO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), NECESSIDADE, ATENÇÃO.
  • REGISTRO, VIOLENCIA, CONFLITO, ESTADIO, FUTEBOL, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), TUMULTO, POLICIA MILITAR, CONTENÇÃO, PESSOAS, PROVOCAÇÃO, LESÃO, CRIANÇA, ADULTO, REVOLTA, POPULAÇÃO.
  • APREENSÃO, POSSIBILIDADE, DESPEJO, FAMILIA, OCUPAÇÃO, AREA, MUNICIPIO, CANOAS (RS), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), PROPRIEDADE, GOVERNO ESTADUAL, CUMPRIMENTO, ORDEM JUDICIAL, REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
  • EXPECTATIVA, REUNIÃO, COMISSÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DAS CIDADES, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, MORADOR, HABITAÇÃO POPULAR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).
  • COMENTARIO, PROBLEMA, FALTA, SEGURANÇA, HABITAÇÃO, RESULTADO, AMPLIAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, AUMENTO, MISERIA, DESEMPREGO, VIOLENCIA, PAIS.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Alvaro Dias, Senador Tião Viana, que acaba de fazer uso da palavra, eu, que falo tanto da vida, hoje me obrigo a vir à tribuna para falar um pouco da tristeza, da violência e da morte. Já me reportei hoje, em questão de ordem, ao grande servidor desta Casa que perdemos, ao qual simbolicamente rendi homenagem.

Sr. Presidente, três lamentáveis acontecimentos me trazem à tribuna.

No final da tarde de sexta-feira, 30 de setembro, a Polícia Militar do Rio Grande do Sul entrou em confronto com manifestantes que protestavam contra o desemprego nas empresas calçadistas do Vale do Sinos. Desse confronto, resultou a morte de Jair Antonio da Costa, de 31 anos, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores do Setor Calçadista de Igrejinha. Jair, que era um sindicalista operoso, defensor dos seus liderados, deixa a esposa, Zuleide, e um filho, que fez sete anos exatamente no sábado, no dia em que o pai foi enterrado.

Ora, vamos ao fato, Sr. Presidente. O sindicalista, segundo laudo da necropsia realizado pela Polícia Civil, faleceu por asfixia mecânica, seguida de contusão hemorrágica na laringe e traumatismo cervical. Traduzindo, Sr. Presidente, o pescoço do Líder Sindical foi quebrado, em conseqüência da imobilização e de posteriores agressões que sofreu de policiais que se encontravam no local. Foi posto o cassetete no pescoço do sindicalista e o joelho nas costas - força, é claro. Assim. infelizmente, morre uma grande liderança do meu Estado.

Sr. Presidente, ao deixar o meu protesto contra esse ato que resultou na morte desse líder, eu quero também aqui lembrar o motivo do protesto dos trabalhadores de Sapiranga, Rolante, Campo Bom, Nova Hamburgo e Igrejinha, que foi o fechamento de treze mil postos de trabalho no setor coureiro-calçadista da região somente este ano.

Sr. Presidente, o resultado da política cambial de desvalorização do dólar, da competitividade do produto nacional com o produto chinês, das altas taxas de juros, do atraso na desoneração das exportações e da alta carga tributária é que fez o protesto sexta-feira e hoje. Novamente, neste momento, há um grande protesto em Sapiranga, liderado pelo movimento sindical.

Ainda me obrigo a recordar fatos de dezenove anos atrás. Há exatamente dezenove anos, nesta mesma região, o Vale dos Sinos, nesse mesmo dia, 30 de setembro, só que em 1996, eu ainda Deputado Federal, participei da primeira greve dos sapateiros de Sapiranga. E, quando fiz o discurso de encerramento da greve pela violência, naquele momento, da Polícia Militar, apelei para que todos fossem para casa e não aceitassem provocação. Infelizmente, naquele mesmo dia, outro sindicalista, um outro sapateiro, Carlos Dornelles Rodrigues, um jovem, passa em frente a uma empresa, aceita a provocação de um segurança, que lhe dá um tiro. E Carlos Dornelles morre. O fato se repete. Na época, também, era contra o desemprego e pela melhoria dos salários.

Naquele dia presenciei a morte de um companheiro, resultado de um disparo efetuado pelo segurança de uma empresa calçadista. Posso dizer que meu coração e minha gente estão de luto ao reviver esse drama ocorrido na mesma data, na mesma cidade, pelo mesmo motivo!

Desde o início do ano, tenho trazido, por diversas vezes a esta tribuna, minha preocupação com o setor exportador. É penoso verificar a situação de desespero dos milhares de trabalhadores desempregados e de suas famílias. A economia da região do Vale dos Sinos vive em função da indústria do calçado.

Sr. Presidente, o Governo Federal tem de olhar com muito cuidado porque a crise é muito grave, muito grave.

Outro fato, Sr. Presidente, que infelizmente me traz a tribuna é a violência registrada por toda a imprensa gaúcha no conflito ocorrido no final do jogo entre o Internacional e o Fluminense no Estádio Beira-Rio, em Porto Alegre.

O cenário de tumulto entre os torcedores e a Brigada Militar resultou em mais de vinte feridos entre adultos e crianças. Os ferimentos foram provocados por bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e cassetetes usados pelos militares naqueles que lá estavam para se divertir e assistir a um jogo de futebol.

O próprio Governador em exercício, Antônio Rohlfeldt, disse-me hoje pela manhã que está muito preocupado com os fatos. A população está revoltada com as últimas atitudes e a violência instalada no nosso Estado.

Um terceiro fato não menos preocupante é a ordem judicial para reintegração de posse da área pertencente ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul e ocupada por aproximadamente quatrocentas famílias no bairro Guajuviras, em Canoas, muito próximo de minha residência, no Rio Grande do Sul, área conhecida como Nancy Pansera.

As famílias ocupam a região há um ano e meio e estão preparadas para resistir, para adiar e evitar que a Brigada Militar faça o despejo.

A respeito do fato conversei, em Canoas, com o Vereador Nelson da Silva, que preside o Sindicato de Metalúrgicos de Canoas; com o Deputado Estadual Dionilso Marcon; com o Secretário de Habitação do Estado, Alceu Moreira - quero registrar, Sr. Presidente, que estão aqui Líderes do PMDB, do PSDB, o vice-Prefeito de Canoas, Jurandir Maciel -; e com o Vice-Governador do Estado, em exercício, Antônio Rohlfeldt. Todos me disseram que não haverá violência, que estabelecerão um processo de negociação, e que as famílias permanecerão no local. Alguns, segundo me disseram, por estarem exatamente no meio da rua, da estrada, por onde a população tem de passar, se tiverem de sair, serão deslocados para outra área que será fornecida pela Prefeitura e pelo Governo do Estado. Quero acreditar, Sr. Presidente, que isso, efetivamente, irá acontecer.

A comissão que acompanha o caso estabeleceu - ajudei na mediação - um processo de negociação que garanta a suspensão da reintegração de posse, já que é uma terra do Estado.

Sr. Presidente, essa comissão, onde estão todos os Partidos - PT; PMDB, PSDB, enfim, todos os partidos -, pediu que eu marcasse, em Brasília, uma audiência com o Ministro das Cidades, Márcio Fortes, para que possamos também buscar uma solução com a participação do Governo Federal. Fiz o pedido e estou esperando a resposta, que acredito deva vir ainda no dia de hoje.

Srªs e Srs. Senadores, tanto o evento ocorrido em Sapiranga quanto o de Igrejinha, quanto esse de Canoas, como o de Porto Alegre, são decorrentes da enorme desigualdade social que vem, gradativamente, aumentando os números da miséria, do desemprego e da violência.

A violência sobre o povo que estava no estádio Beira-Rio demonstra a situação de insegurança e a violência que assola o Estado do Rio Grande do Sul.

Não é possível, Sr. Presidente, presenciarmos apáticos os movimentos que estão ocorrendo lá no Rio Grande sem tomarmos ao menos alguma atitude para reverter a atual situação social e a violência.

A meu ver, para que esses problemas sejam neutralizados, precisamos de políticas públicas eficientes, de recursos para projetos habitacionais que atendam populações de baixa renda e de programas de geração de emprego e renda. Além, é claro, de um treinamento diferenciado do atual, uma capacitação adequada aos agentes dos órgãos de segurança do Estado.

E ainda, Sr. Presidente, necessitamos de uma solução rápida e eficaz, que volte a promover e incentivar a exportação brasileira, principalmente na área de calçados.

Sr. Presidente, a população gaúcha grita por emprego, por moradia, por segurança, pela paz e pela não violência. Estamos sofrendo opressão tanto do malfeitor quanto daqueles que deveriam nos proteger.

Como Parlamentar, Sr. Presidente, represento aqui o povo do Rio Grande, gente sofrida, gente lutadora, que quando se mobiliza o faz por um motivo justo. Ninguém faz uma caminhada, uma passeata, uma greve, interrompe uma via, porque gosta. Fazem-no num gesto quase de desespero como forma de pressionar os poderes constituídos para que atendam o mínimo das suas reivindicações, como, por exemplo, emprego e direito à moradia.

Sr. Presidente, não posso deixar de ouvi-los e de entoar o mesmo tom, o mesmo grito: é a mesma voz, é a voz do protesto, é a voz da indignação!

Sr. Presidente, espero que o Ministro das Cidades, o Sr. Marcio Fortes, receba a comissão que virá a Brasília esta semana para dialogar sobre o conjunto Guajuviras. Sr. Presidente, se me permite, usando o resto do meu tempo, gostaria de dizer que esse conjunto de mais ou menos 10 mil moradias, ainda Deputado Federal à época, via-o, de bem perto, pois tenho uma residência, em Canoas, apodrecendo, como se fosse um gigante branco, um elefante branco, como é mais usado. O dinheiro utilizado era do Fundo de Garantia e foi usado para construir essas cerca de 10 mil moradias, que, à época, de forma clientelística e com atos politiqueiros, seriam entregues para aqueles que eram mais amigos do rei. Eu olhava para o elefante branco, eu, numa boa residência, e olhava para eles, em frente à minha casa. Um dia eles foram à minha casa. E daí resolvemos: fomos e ocupamos o gigante branco.

Lembro como se fosse hoje, Senador Alvaro Dias, eram milhares e milhares de pessoas. E eu dizia: Entrem, ocupem as casas que estão abandonadas, comecem a consertar, plantem flores no jardim, façam uma cerca, porque ninguém vai tirá-los daí. Felizmente - não por vaidade minha - felizmente pela mobilização deles... Eles é que se mobilizaram. Fui apoiá-los, sendo quase vizinho deles, como Deputado Federal. Deu certo e estão lá as dez mil famílias colocadas. E essa ocupação agora é bem próxima a esse local, mas eu sei o que foi aquele mês da ocupação. Nem água deixavam entrar. Eu, como Deputado Federal, entrava com água, com pão e ainda levava as crianças comigo. Sei que muitos deles estão ouvindo este pronunciamento agora. Muitos eram crianças há praticamente dezoito anos, e hoje são adultos e se lembram desses fatos. Lembram esse fato marcante que naquele momento fez com que a habilidade do poder constituído da cidade, da Prefeitura, da Câmara de Vereadores - todos participaram da mediação - evitasse um conflito, evitasse morte.

Eu lembro esse fato porque a ocupação fica na divisa, diria, fica no outro lado da rua. Para que não aconteça a violência, para que eu não tenha que vir à tribuna, quem sabe, algum dia, lamentar outra morte de um dirigente - não importa se é dirigente ou não - de um trabalhador, de uma criança, de uma mulher, é que eu peço que prevaleça o bom senso, que não tirem à força essas quatrocentas mil famílias.

Vamos dialogar, vamos buscar saídas dialogando com o poder municipal, estadual e com o Governo Federal. Eu interagi durante a manhã com os poderes constituídos. Tenham certeza de que acharemos uma forma de caminharmos juntos para permitir que essas 400 famílias, que já estão lá ocupando só os terrenos, porque não têm casa...Mas quero interagir aqui com o Ministério das Cidades para que ele colabore com a infra-estrutura e que essas pessoas tenham direito a morar.

Sr. Presidente, concluindo, confesso a V. Exª que, se eu ganhasse um salário mínimo, não tivesse onde morar e meu filho passasse fome, eu não teria nenhuma dúvida de que eu estaria num movimento como esse que hoje está acontecendo no Guajuviras. Se eu fosse desempregado do Vale dos Sinos, região dos calçados, demissão em massa, eu estaria nessas mobilizações, pressionando para que as empresas voltassem a produzir e gerar emprego e renda para a nossa gente.

Concluindo, Sr. Presidente, sempre digo que fui Deputado Federal por 16 anos, estou há quase três anos no Senado junto com V. Exª e com os demais 80 Senadores, mas jamais esqueço minhas raízes, de onde vim, por onde caminhei e para onde voltarei. É lá, Sr. Presidente, no chão das ruas, dos bairros, das fábricas, é lá que é o meu mundo, é lá que eu vou interagindo. E aqui da tribuna do Senado da República, eu estou lembrando eles. É como se eu estivesse lá.

Por isso deixo meu apelo ao Governador do Estado, ao Prefeito da cidade, que é do PSDB e posso lhe dizer que é meu amigo pessoal. É o Ronquete, médico do sindicato que presidi, excelente médico e está fazendo seu papel na cidade. Sei de sua sensibilidade, da sensibilidade do Governador Germano Rigotto, como sei também da sensibilidade do Vice-Governador, meu amigo Rolf, com quem falei hoje pela manhã. Sei da sensibilidade da Câmara dos Vereadores e das forças políticas e sociais que atuam no Vale dos Sinos. O diálogo tem que está em primeiro lugar.

Não à violência, sim à paz.

Era o que eu queria dizer.

Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/10/2005 - Página 33783