Discurso durante a 173ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Considerações sobre o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco.
Publicação
Publicação no DSF de 06/10/2005 - Página 34084
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, POSIÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, POSSIBILIDADE, REALIZAÇÃO, PLEBISCITO, DEBATE, NATUREZA TECNICA, NATUREZA POLITICA, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já tive a oportunidade de, juntamente com o Senador César Borges e o Senador Teotonio Vilela Filho - sei que o Senador Antonio Carlos e o Governador da Bahia também estiveram presentes -, de centenas de vezes trabalhar nesta Casa sobre o tema da transposição das águas do rio São Francisco, a integração da bacia ou qualquer nome que a esse seja dado. Mas acho que estamos num momento muito especial, precioso e difícil da vida nacional porque há duas questões.

Primeiro, temos a maldita, perversa, cruel divisão do povo nordestino. Há agora a divisão da Igreja Católica e uma situação absolutamente grave, que é uma greve de Dom Frei Luiz Flávio Cappio.

Então, isso não é algo simplório, não é uma coisa qualquer. Dou parabéns ao Senador José Agripino, que está se esforçando, embora tenha uma posição favorável ao projeto. Todos sabem do meu entendimento sobre o projeto: identifico nele uma farsa técnica e uma fraude política. Este Senado, inclusive, já teve uma Comissão que analisou o projeto de transposição, que analisou a revitalização do rio São Francisco. Todas as decisões tomadas viraram letra morta, gasta e vazia, porque, infelizmente, o Congresso Nacional não cobra do Palácio do Planalto, do Executivo, esteja lá quem estiver, as decisões a serem consolidadas.

Agora, estamos numa situação mais difícil, Senadora Patrícia Saboya - e entendo a sua posição também em relação ao projeto. O nosso Deputado João Alfredo, que é do Estado do Ceará, como V. Exª, mesmo tendo um entendimento distinto, teve a coragem política de acatar proposta igual a minha, que tramita nesta Casa, do Deputado Luiz Carreira, que é do PFL da Bahia. Ele, inclusive, acatou e apresentou um substitutivo para que seja feito um plebiscito.

Eu não consigo entender por que não se acata a decisão legítima, soberana e democrática de que esse debate seja feito na região Nordeste, onde estariam participando e, certamente, apresentando argumentos - se argumentos tiverem - os Estados que seriam beneficiados como receptores. Não sei por que isso. Ora, se alguns entendem diferentemente de mim, que entendo - volto a repetir - que o projeto é uma farsa técnica e uma fraude política, por que se amedrontar diante do debate? Por que impedir que o povo nordestino faça esse debate, o debate de idéias, o debate técnico e o debate do impacto ambiental? Por que isso não é feito? Porque não adianta vir ao plenário do Senado para privilegiar o conflito, instigar a cizânia, inclusive lendo notas. Vem alguém e lê aqui uma nota da Igreja Católica de Alagoas, de Sergipe, da Bahia ou de quem quer que seja. Outro vem e lê uma nota da Igreja Católica do Ceará, da Paraíba e do Rio Grande do Norte.

Sinceramente, isso é algo inadmissível, não constrói absolutamente nada. Não adianta também, porque essa é uma posição desprezível, e atenta inclusive contra toda a história da Igreja, que há de dizer que esse é um ato extremado, um ato exagerado. Pelo amor de Deus, a Igreja repetir isso, Senador Jefferson Péres, é a velha Igreja. Quando estavam os fariseus, os sicofantas no templo se apresentando como os ungidos de Deus, condenaram Jesus Cristo à crucificação, Senador Magno Malta. E diziam o quê? Que Ele era um louco, que Ele não tinha autoridade para falar em nome de Deus. Fizeram isso com várias outras personalidades, tantos protestantes como católicos. São Francisco de Assis era um louco. Depois, a Igreja, sem nem passar pelo processo, apresentou São Francisco de Assis como um santo. Joana D’arc foi queimada, a mando da Igreja, que a caracterizava como louca; depois, foi considerada santa. Padre Cícero, do mesmo jeito.

Portanto, fico absolutamente impressionada quando agem dessa forma setores da Igreja que sempre nos ensinaram que não nos convém ser sábios e prudentes segundo a carne. Esse é um debate que todos os cristãos sempre fizeram. E fica esse jogo sórdido, absolutamente sórdido, de uma cizânia dentro da própria Igreja, estimulada pela cizânia dos políticos, das Casas políticas, o que é absolutamente inadmissível.

O apelo que faço, mais uma vez, é no sentido de que possamos construir uma posição coletiva, ainda que o Senado Federal não tenha tido a capacidade de fazê-lo, ainda que a Câmara dos Deputados não tenha tido a capacidade de fazê-lo, mesmo apresentando alternativas ágeis, concretas e eficazes ao Poder Executivo, que desrespeitou, que rasgou uma lei construída após 17 anos de debates políticos: a Lei Nacional de Recursos Hídricos, que estabelecia a democratização do processo decisório e os Comitês da Bacia Hidrográfica, dos quais participam os Governos Federal, Estadual e Municipal, as populações ribeirinhas e indígenas. O Governo rasgou todas as audiências públicas realizadas. Houve dezenas de audiências públicas, e disseram “não” ao projeto de transposição. E depois, até para acabar com a farsa, a propaganda enganosa do Governo, mesmo 99% dos participantes do Comitê da Bacia Hidrográfica dizendo “não” ao projeto de transposição, sabe o que fizeram, Senador Jefferson Péres? Disseram: “Está certo! Nós aceitamos o projeto de transposição, se isso significar matar a sede dos filhos da pobreza e, portanto, o abastecimento humano e animal”, mesmo que isso significasse menos de 3% da população do Nordeste setentrional que vai ser atendida.

Seria a coisa mais fácil do mundo eu me ausentar do debate. Eu faria um discurso demagógico lá na foz, em Piaçabuçu, em Penedo, em Pão de Açúcar. Eu faria um discurso demagógico. E como estou tentando construir um partido nacional, eu me ausentaria do debate. Seria a coisa mais fácil, porque há muitos representantes do P-Sol, no Ceará, na Paraíba e no Rio Grande do Norte que também estão ludibriados com essa proposta de transposição.

O mais cômodo para mim seria simplesmente me omitir do debate, fazer o discurso demagógico em meu Estado, e nacionalmente, por oportunismo político, deixar o debate de fora. Mas não posso fazê-lo, porque esse debate não é algo simplório, mas de alta complexidade técnica, pois envolve elementos do mundo da política, interesses dos latifundiários da agricultura de exportação do Nordeste setentrional e interesses de grandes construtoras.

Assim, mais uma vez, apelo para o bom senso do Presidente da República. Que Sua Excelência faça pelo menos uma peça de marketing, que diga: “Está certo, eu suspendo. Vou negociar com o Frei D. Luiz, e depois procederemos ao contrário”. Aceito o plebiscito. Se não quer me dar o ganho porque a idéia não foi minha - porque eu apresentar o plebiscito aqui no Senado seria simplesmente por uma motivação coletiva para unir os irmãos do Nordeste -, não tem problema; aceita o encaminhado pelo Deputado Luiz Carreira, do PFL, da Bahia, de igual teor. A matéria volta à Câmara e, em seguida, vem ao Senado, em regime de urgência, para votar.

Portanto, aqui fica, mais uma vez, o protesto e a solicitação de que, em vez de cizânia, de carta de padre para um lado e para outro, tenhamos a coragem política de abrir o plebiscito, fazer o debate técnico e político a fim de superar - repito - a farsa técnica e a fraude política montada para ludibriar os pobres do Nordeste setentrional.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/10/2005 - Página 34084