Discurso durante a 178ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise da verticalização das coligações eleitorais. Defesa da aprovação, pela Câmara dos Deputados, de proposta de emenda à Constituição que põe fim a essa imposição nas coligações partidárias.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL.:
  • Análise da verticalização das coligações eleitorais. Defesa da aprovação, pela Câmara dos Deputados, de proposta de emenda à Constituição que põe fim a essa imposição nas coligações partidárias.
Publicação
Publicação no DSF de 12/10/2005 - Página 34868
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, APERFEIÇOAMENTO, LEGISLAÇÃO, COLIGAÇÃO PARTIDARIA, APROVAÇÃO, SENADO, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, BENEFICIO, DEMOCRACIA, AUTONOMIA, DIRETORIO REGIONAL, PARTIDO POLITICO, VALORIZAÇÃO, FEDERAÇÃO.
  • DEFESA, ADIAMENTO, DISCUSSÃO, VOTAÇÃO, REFORMA POLITICA, POSTERIORIDADE, CONCLUSÃO, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, BENEFICIO, ISENÇÃO, CRISE, POLITICA NACIONAL, APOIO, LONGO PRAZO, APLICAÇÃO.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, ilustre Senador Tião Viana, Srªs e Srs. Senadores, venho hoje à tribuna para suscitar a questão da desverticalização para, no momento em que a Câmara se prepara para votar uma proposta de emenda constitucional, de autoria do ex-Senador Bernardo Cabral, que enseja o desaparecimento do instituto da verticalização que, a meu ver, em nada contribui para aprimorar o processo eleitoral brasileiro.

É bom destacar que o Senado Federal, tão logo a emenda foi apresentada, a votou em dois turnos e a remeteu à Câmara, em junho de 2002. E lá na outra Casa, a emenda teve igual sorte. Isto é, recebeu parecer pela admissibilidade na Comissão de Constituição e Justiça e também teve na Comissão Especial aprovação no seu mérito.

Com isso, a Câmara dos Deputados está habilitada agora pelo seu plenário a votar a desverticalização. E isso será muito bom porque vai contribuir para o aprimoramento do processo eleitoral brasileiro. Diria até que foi fator de perturbação nas eleições de 2002, trazendo, ao meu ver, uma grave distorção.

Desejo afirmar que, quando defendo a desverticalização, eu o faço considerando dois grandes princípios. Em primeiro lugar, a verticalização compromete o desempenho dos partidos políticos porque obriga que os diretórios regionais do partido tenham que, automaticamente, aprovar uma coligação feita em nível nacional e isto não se conforma com a estrutura partidária, porque no País os partidos devem ter caráter nacional. Isso não quer dizer que não seja assegurado aos partidos o direito de, no plano regional, fazer a escolha que mais convenha à realidade de cada Estado. Com a verticalização, essa possibilidade desaparece e, conseqüentemente, o partido, no plano regional, fica muitas vezes obrigado a submeter-se a uma coligação que não guarda consistência com a realidade local. 

A Lei Eleitoral, ao dispor sobre coligações, expressa a definição constitucional que confere aos partidos políticos ampla liberdade de funcionamento. Diz a Lei nº 9.504, de 1997:

            Art. 6º É facultado aos partidos políticos, dentro da mesma circunscrição, celebrar coligações, para a eleição majoritária, proporcional, ou para ambas, podendo, neste último caso, formar-se mais de uma coligação para a eleição proporcional dentre os partidos que integram a coligação para o pleito majoritário.

            O fato não deixa de ser extremamente desfavorável à vida partidária, mesmo porque, como se sabe - isso ficou esclarecido numa manifestação do Ministro Sepúlveda Pertence:

            Circunscrição”, aí, não é uma entidade geográfica: é jurídica. A cada esfera de eleição - e só para o efeito dela - corresponde uma circunscrição.

            A circunstância de a eleição presidencial - que tem por circunscrição todo o País - realizar-se na mesma data das eleições federais e estaduais na cinscunscrição de cada Estado (Lei 9504/97, art. 1º, parágrafo único, I) - é acidental e não afeta a recíproca independência jurídica das respectivas circunscrições, nem dá margem ao raciocínio, de sabor geográfico, de que o território do País compreende os territórios das unidades federadas.

Nas eleições para governador, por exemplo, a circunscrição é o estado; na eleição municipal, a circunscrição é o município. É lógico que, numa eleição nacional, a circunscrição é o território nacional. Então, a verticalização desvertebrava todo esse processo de construção partidária. De mais a mais, a verticalização tem outra componente extremamente desfavorável, posto que termina sendo um instituto antifederativo na medida em que retira dos Estados membros da Federação a capacidade de deliberar sobre assuntos que são de sua competência.

No Brasil, temos um estado federal, aliás, desde a Constituição de 1891, e desde 1891 a Federação é uma cláusula pétrea. Convém lembrar que os Constituintes de 1988 não consideraram a República uma cláusula pétrea, todavia, fizeram questão de proclamar mais uma vez que não se admitirá emenda tendente a abolir a Federação, querendo com isso dizer que da Federação não podemos abrir mão. Num país com as nossas dimensões, a federação é fundamental para que possamos contemplar a nossa diversidade, ainda é extremamente assimétrica.

Formas de Governo há várias, mas formas de Estado só conheço duas: o estado unitário ou o estado federal. E um país feito o Brasil, obviamente, não poderia deixar de ser um estado federal. Fala-se muito que o nosso patrono Ruy Barbosa, um grande líder republicano - que só se converteu ao credo republicano depois -, avaliou que, com o Império, não era possível fazer a federação. Joaquim Nabuco, que era monarquista convicto, embora um monarquista federalista, como proclamou em várias oportunidades, não admitia se administrar o Brasil de uma forma centralizada.

Volto à questão da desverticalização. A verticalização trouxe uma questão grave, que foi comprometer, de alguma forma, a Federação. A Federação no Brasil já se encontra sob ataque há muito tempo. Por exemplo, políticas tributárias têm funcionado como efeito de sístole. V. Exª, Sr. Presidente, que é médico, talvez entenda melhor isso do que eu. A política tributária tem sido concentradora. E isso temos observado ao longo do processo: os Estados têm cada vez menos competência para legislar sobre matéria tributária do que no passado. Eu, às vezes, quando faço uma análise das questões, lembro do tempo em que fui Governador, se possuíamos muito mais prerrogativas nesse campo, se comparado com os dias de hoje.

A mesma coisa se aplica com relação às Assembléias Legislativas. Se a Federação brasileira já sofre muitos ataques no plano tributário, no plano da legislação de um modo geral, ela sofre agora também ataque do novidadeiro mecanismo da verticalização, porque praticamente a questão sucessória do Estado, que é um problema local, estritamente local, de sua autonomia, fica comprometida se não for expungida dos nossos textos legais, pois a sucessão estadual ficará condicionada à sucessão nacional.

Espero que a Câmara dos Deputados venha, como é desejo, acredito, do povo brasileiro, de modo especial de seu eleitorado, dar um novo tratamento à questão por meio da emenda constitucional de autoria do nobre Senador Bernardo Cabral.

A questão da desverticalização pode ser votada na Câmara porque se trata de emenda constitucional. Não sé, portanto, matéria de lei, posto que, se o fosse, obviamente, o art. 16 da Constituição Federal impediria a sua revogação para o pleito de 2006.

Por se tratar, friso, de norma de hierarquia superior, isto é, norma constitucional, a desverticalização pode ser feita dentro dos estritos ditames do texto constitucional da Carta de 1988. Daí por que, Sr. Presidente, espero que a Câmara venha, nestes breves dias, a fazer a desverticalização.

Gostaria de trazer mais um argumento a debate, que diz respeito a um instituto semelhante ao da verticalização, a chamada vinculação do voto, resultante de um projeto de lei encaminhado ao Congresso Nacional pelo Presidente João Baptista Figueiredo, ao tempo em que era Ministro da Justiça S. Exª o Deputado Ibrahim Abi-Ackel.

O que era a vinculação do voto? Era a exigência de que o eleitor só poderia votar no mesmo partido. Isto é, uma vez escolhido o candidato a governador, no caso das eleições de 1982, teria de votar nos candidatos do mesmo partido nas eleições para o Senado, para a Câmara Federal, para a Assembléia Legislativa etc, se eleições houvesse também para o plano municipal.

A verticalização lembra o famigerado voto vinculado, adotado nas eleições de 1982, de iniciativa do Presidente João Baptista de Figueiredo, através da Lei 6.978, de janeiro do mesmo ano, cujos artigos 5º, § 1º e 8º dispunham:

            Art. 5º ..............................................................................................................

            § 1º - Será indeferido o registro de chapas que não indicarem candidatos a todas as eleições de âmbito estadual (governador, vice-governador, senador e suplentes, deputados federais e estaduais) ou de âmbito municipal (prefeito, vice-prefeito e vereadores), respectivamente sob pena de nulidade.

            Art. 8º - Nas eleições previstas nesta Lei, o eleitor votará apenas em candidatos pertinentes do mesmo partido, sob pena de nulidade do voto para todos os cargos.

Como havia na época a coincidência de mandatos, o eleitor do vereador tinha o destino de sua candidatura vinculada ao voto no candidato a senador, deputado federal, governador, deputado estadual e prefeito. Em suma, vinculação vertical que hoje atende pelo pseudônimo de verticalização. Aliás, observe-se a coincidência, ambas palavras começam pela letra V.

Ora, de alguma forma, a desverticalização fez a exumação do instituto da vinculação. E vimos que, quando houve a vinculação, houve um grande repúdio em todo o País pela adoção da medida, ao ponto de que se criou o chamado “voto camarão”, que significava não votar na cabeça, isto é, no candidato a Governador, para que ao eleitor fosse reservada a possibilidade de escolher o seu representante ao Senado, à Câmara Federal ou à Assembléia Legislativa.

Então, Sr. Presidente, entendo, mais uma vez, que ao retirarmos do processo partidário-eleitoral o mecanismo da verticalização, estamos dando mais um passo para melhorar o processo partidário-eleitoral de nosso País.

Tenho insistido e volto a repetir que pessoalmente sou contra a discussão e votação de uma reforma política agora. E devo dizer que as razões que me levam a adotar esta conduta são ditadas pelo fato de que se feita agora seria marcada pelo sentimento das circunstâncias. Uma reforma política feita num momento de crise política como vive o País certamente refletirá o instante, a ocasião, o momento: poderia ser até apodada de casuística. Então, o certo seria que pudéssemos somente fazer a reforma política tão logo tivessem sido concluídos os trabalhos das CPIs. Tiraríamos as lições daquilo que as Comissões houvessem eventualmente apurado e faríamos, sem as tensões desse instante, uma reforma pensando no futuro.

Com isso nós nos livraríamos daquilo que certa feita o historiador José Honório Rodrigues chamou de “reforminhas de ocasião”, que são justamente as feitas no açodamento de pressões políticas momentâneas. Daí por que o legislador constituinte originário, o Constituinte de 1988, houve por bem incluir no texto dispostivo sem precedente em constituições anteriores: a exigência do prazo de um ano para uma lei eleitoral entrar em vigor.

Creio que a Câmara dos Deputados já deu demonstração do acolhimento de que a verticalização deve ser expelida do nosso ordenamento eleitoral-partidário pela manifestação da Comissão de Constituição e Justiça e, posteriormente, da Comissão Especial que lavrou parecer sobre a matéria.

Não gostaria, Sr. Presidente, de encerrar sem dizer que é fundamental que, passado esse período eleitoral, retomemos o debate sobre as reformas políticas, adotando o princípio da gradação, que é muito comum nas chamadas negociações internacionais. Como acho que a reforma política é algo que tem que ser feito, mas que não pode ser feito em prazo curto, poderemos trabalhar após 2005 - quem sabe já no início de 2006 -, pensando em regras que entrassem em vigor em 2008 ou 2010. Isso facilitaria que os candidatos começassem a se preparar para as mudanças ocorridas. .

Sr. Presidente, agradecendo o tempo que me foi dispensado, solicito, mais uma vez, aos Líderes, na Câmara dos Deputados que apressem a votação dessa matéria.

Muito obrigado.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/10/2005 - Página 34868