Discurso durante a 178ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

A falta de moradia no Brasil.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • A falta de moradia no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 12/10/2005 - Página 34937
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, DEFICIT, HABITAÇÃO, BRASIL, INSUCESSO, POLITICA HABITACIONAL, REGISTRO, DADOS, MINISTERIO DAS CIDADES, PESQUISA, UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ), PREVISÃO, CONTINUAÇÃO, PROBLEMA, EFEITO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, MIGRAÇÃO, EXODO RURAL, DESEMPREGO, VIOLENCIA, RECESSÃO, ECONOMIA, CRITICA, ATUAÇÃO, ESTADO, ESPECIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, BANCO NACIONAL DE HABITAÇÃO (BNH), SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH), SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIARIO (SFI).
  • REGISTRO, HISTORIA, PROGRAMA, POLITICA HABITACIONAL, EXCLUSÃO, TRABALHADOR, POPULAÇÃO CARENTE, OMISSÃO, GOVERNO FEDERAL, FALTA, POLITICA URBANA, POLITICA SANITARIA, MINISTERIO DAS CIDADES, GRAVIDADE, PRECARIEDADE, PERIFERIA URBANA, COMENTARIO, DADOS, FAVELA, DEFESA, CUMPRIMENTO, ESTATUTO, CIDADE, MOBILIZAÇÃO, ESTADO, SOCIEDADE CIVIL, CLASSE POLITICA, BUSCA, DEMOCRACIA, ACESSO, CREDITO IMOBILIARIO, POLITICA SOCIAL, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho hoje, aqui, tratar de um tema da maior importância. Refiro-me ao grave problema da falta de moradia. Diversas políticas habitacionais, até aqui praticadas, não foram capazes de apresentar os resultados esperados.

Até mesmo um Ministério das Cidades foi criado com o objetivo de definir novas alternativas de combate às desigualdades sociais nas grandes e médias cidades brasileiras.

            Apesar disso, o velho sonho da casa própria continua cada vez mais distante para as camadas mais pobres de nossa população.

Segundo publicação do Ministério das Cidades, sob o título Déficit Habitacional no Brasil - Municípios Selecionados e Microrregiões Geográficas, lançada em dezembro passado, o País convive com um déficit quantitativo total de 7,2 milhões de moradias.

Antes da divulgação desse dado, trabalhava-se com a necessidade de construção de 6,65 milhões de unidades. O novo número identifica 5 milhões 470 mil habitações nas áreas urbanas e 1 milhão 752 mil nas áreas rurais.

Quanto ao déficit qualitativo, ou seja, casas em precárias condições de habitabilidade, a própria Secretária-Executiva do Ministério das Cidades, Doutora Ermínia Maricato, em recente entrevista, estipula estoque superior a 12 milhões de unidades.

Mais de 3 milhões de famílias vivem em condições de coabitação, com mais de uma família na mesma moradia.

Em habitações rústicas, produzidas com materiais de baixa qualidade e durabilidade, vivem cerca de 1,8 milhão de pessoas.

Em domicílios improvisados, grotas, tendas, grutas ou simples buracos, moram cerca de 200 mil brasileiros.

O pior de tudo é que o próprio Governo projeta que o déficit será de 12,4 milhões de unidades em 2023, sinal de que as medidas que estão sendo anunciadas pela equipe do Presidente Lula, mesmo que cumpridas, surtirão pouco efeito.

O próprio Governo reconhece que é difícil reverter a situação nos próximos 20 anos. Adianta que, a partir de agora, seriam necessários investimentos anuais da ordem de 12,4 bilhões de reais para enfrentar o problema com programas, que, na verdade, ainda estão em estágio de discussão nos Ministérios e no Congresso Nacional.

Levantamento recente, realizado pelo pesquisador Luiz César Queiroz Ribeiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), revela que 97,2% do déficit habitacional brasileiro está concentrado nas famílias com renda de até cinco salários mínimos, ou seja, 1.300 reais.

Trata-se de pessoas que estão absolutamente fora das linhas de crédito imobiliário das instituições financeiras porque simplesmente não são capazes de pagar as prestações com juros tão elevados. Diga-se de passagem, em nosso país, apenas 20% dos grupos familiares que necessitam de uma moradia têm realmente condições de realizar a compra. Os 80% restantes não têm renda nem condições de assumir um financiamento por 15 anos.

Não podemos deixar de destacar que a situação dramática da habitação no Brasil tem raízes históricas e vem se agravando desde os tempos da escravidão.

Na nossa contraditória evolução socioeconômica recente destacam-se: vergonhosa concentração de renda; migração intensa; urbanização incontrolável; explosão demográfica; alto desemprego; aumento indiscriminado da violência; recessão econômica, períodos longos de inflação elevada; sucessivos planos de estabilização econômica e taxas de juros estratosféricas.

Por tudo isso, o Estado brasileiro até hoje não foi capaz de transformar em realidade o sonho de milhões de brasileiros que é a aquisição da casa própria.

Em síntese, todos esses aspectos e mais a desorganização generalizada do Estado, o descaso, a improvisação, o clientelismo, a corrupção que sempre esteve presente nos diversos programas habitacionais, e a falta de uma política de construção de moradia voltada para os mais pobres, são os maiores motivos do caos que se estabeleceu no sistema como um todo e que ficou mais evidente quando da extinção do Banco Nacional de Habitação, em 1986.

Vale relembrar que o Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e o BNH foram criados logo após o golpe militar de 1964, com a aprovação da Lei nº 4.380/64.

Desde a criação do SFH até os dias de hoje, diversos especialistas consideram que a história do financiamento habitacional brasileiro atravessou três fases distintas : de 1964 a 1982, de 1983 a 1993, e de 1994 até os dias de hoje.

No primeiro período, os recursos vinham do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e dos depósitos efetuado pelas famílias em Caderneta de Poupança. Durante essa fase, podemos dizer que o Sistema conseguiu quase que plenamente resolver o maior sonho de consumo da classe média depois do automóvel. Financiou mais de 4 milhões de imóveis, quase todos destinados à classe média e média alta, em condições as mais vantajosas, com subsídios generosos e tratamento privilegiado na hora dos pagamentos das parcelas e quitações de saldos devedores. Mesmo assim, os calotes foram incontáveis pelo Brasil afora e a grande farra da moradia aos privilegiados terminou com a falência do Sistema, da quase totalidade das Caixas Econômicas estaduais e das associações de poupança e empréstimo. Foi um verdadeiro desperdício do dinheiro público, que provocou inclusive o fechamento do BNH, em 1986, como dissemos há pouco.

É importante destacar que, durante essa primeira etapa, os pobres não foram sequer lembrados. Apenas alguns conjuntos habitacionais foram construídos a toque de caixa para abrigar alguns contingentes, assim mesmo de maneira precária, nos lugares mais distantes, com materiais de baixa qualidade e construção deficiente, apenas para dissimular e manter as linhas de crédito abertas aos detentores de altas rendas.

A segunda etapa, que começa em 1983 e vai até 1993, anuncia o caos do sistema habitacional brasileiro. O período é caracterizado por uma grande confusão, por uma retração nas linhas de crédito imobiliário e, conseqüentemente, diminuição significativa no ritmo das construções de novas unidades. Além de tudo, a sociedade começou a sofrer com os primeiros impactos da severa recessão econômica que dura até hoje; com taxas inflacionárias elevadas; perdas salariais; ritmo de crescimento praticamente nulo; conjuntura política tumultuada com a morte de Tancredo Neves e volta da democracia; com o maior confisco da história do Brasil, que aconteceu no início do Plano Collor, em 1990; e com a crise institucional grave que provocou a renúncia do ex-Presidente Fernando Collor de Melo.

Em conclusão, o período, que foi extremamente tumultuado, é encerrado e logo em seguida surgiu o Plano Real, que começou a vigorar em 1º de julho de 1994.

Durante essa fase, uma das maiores novidades surgidas na política de financiamento habitacional do País foi o plano de equivalência salarial nas prestações e a concessão freqüente de reajustes inferiores aos previstos nos contratos. Essa decisão, que se refletiria de maneira favorável no valor das prestações dos mutuários, logo se tornou um pesadelo para o Governo.

Com o passar dos meses, as prestações se tornaram irrisórias e era preciso compensar as perdas que estavam sendo acumuladas. Assim, o saldo devedor era coberto pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), que foi criado para garantir ao mutuário a propriedade do imóvel ao fim do contrato de financiamento. Para isso, seria necessário que todas as prestações tivessem sido pagas no momento do final do contrato, mesmo havendo saldo residual.

Dessa forma, o patrimônio imobiliário da classe média e média alta, adquirido com o dinheiro do trabalhador, estava salvo. Os sem-teto mais uma vez tiveram que permanecer na lista de espera da casa própria. Essa foi a maior repercussão social do ciclo que acabamos de analisar.

Finalmente, no período que começou em 1994 e se estende até os dias de hoje, o SFH passou a funcionar com as novidades trazidas pela Lei n° 8.692, de julho de 1993, que acabou com a cobertura do FCVS para os novos contratos e suprimiu o sistema de equivalência salarial.

Convém destacar igualmente que diversos outros instrumentos legais e outras normas afins foram introduzidas com o objetivo de adequar o funcionamento do Sistema à nova realidade. Por exemplo, era preciso enxugar as carteiras públicas e privadas de financiamento e colocar, à disposição do mercado, novas linhas de crédito.

Daí surge o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), criado pela Lei n° 9.514, de 20 de novembro de 1997, na verdade, uma reprodução de experiência semelhante existente nos Estados Unidos.

Em síntese, diversos estudos demonstram que, em todo o período que acabamos de comentar, e que cobre quarenta anos de modelo habitacional, o SFH funcionou graças ao socorro constante de volumosos subsídios.

O pior de tudo é que esse favor com o dinheiro público sempre foi usado para beneficiar os mais ricos, em detrimento dos que até hoje não têm moradia e que representam mais de 97% do déficit habitacional, como já vimos anteriormente.

Por fim, devemos dizer igualmente que, até os dias de hoje, percentual muito pequeno dos recursos globais do SFH foi aplicado na construção de moradias de interesse social.

Dessa forma, podemos afirmar que quem está na faixa de renda entre um e cinco salários mínimos permanece à margem de todas as linhas de crédito destinadas ao setor habitacional, sejam elas públicas ou privadas. Em outras palavras, no Brasil, nunca existiu política de construção de moradia para pobre.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inúmeras pesquisas mostram que cerca de 82% da população brasileira sobrevive em ambientes urbanos cada vez mais desestruturados, carentes das mínimas condições de infra-estrutura e expostos aos maiores perigos.

Realmente, a desagregação urbana expõe a sua verdadeira imagem quando nos deparamos com cerca de 33% da população brasileira morando em apenas doze áreas metropolitanas gigantescas.

Uma das maiores falhas do atual Governo em matéria de atendimento social aos mais carentes é justamente a dificuldade de definição de uma política de gestão integrada dos imensos espaços metropolitanos.

Desde que assumiram suas funções, os assessores mais qualificados do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva continuam meio perdidos quando falam do assunto. Passados quase três anos de Governo, conseguiram apenas timidamente ultrapassar a fronteira das generalidades.

No Ministério das Cidades, de maneira muito geral, fala-se em consórcios, segundo os técnicos, saída jurídica mais viável para integrar Estados, Municípios, Governo Federal e iniciativa privada em uma ação conjunta para vencer os enormes desafios da exclusão social nessas imensas áreas desgovernadas. Entretanto, só há pouco o Governo Federal tomou a decisão de enviar, ao Congresso Nacional, Projeto de Lei visando esclarecer melhor a questão.

De qualquer maneira, caso seja aprovada, a proposta do Planalto, se aplicada corretamente, levaria pelo menos vinte anos para atender às demandas de saneamento básico e habitação hoje existentes nos grandes aglomerados metropolitanos.

A Doutora Ermínia Maricato reconhece inclusive que, com essa iniciativa, o Governo Lula está apenas desenhando, para os próximos tempos, uma nova política nacional de habitação e de saneamento.

Diante dessa afirmação, fica bem claro que, ao longo desses mais de dois anos de mandato do Presidente Lula, os instrumentos de política habitacional em vigor continuam os mesmos e servem apenas para atender a uma parcela mais privilegiada da população, como já mencionamos em ponto anterior deste pronunciamento.

Quanto às idéias do Governo, podemos dizer que fazem parte do universo da teoria e das suposições sobre um futuro que já é visto como pouco promissor para os que não têm onde morar. Na verdade, causa surpresa a declaração de que uma nova política habitacional está simplesmente sendo desenhada e não pode ser obra apenas de um Presidente.

Diante dessa realidade, acreditamos que mais uma vez deveremos adiar o pagamento de nossa vergonhosa dívida social, que já deveria ter sido resgatada há muito. Não temos mais condições de dizer aos excluídos que os seus problemas mais elementares estão sendo lembrados, mas só serão resolvidos daqui a vinte, trinta ou quarenta anos. Por outro lado, causa vergonha saber que temos condições de viabilizar recursos importantes para atender aos mais pobres, mas falta vontade política e definição de prioridades nessa direção.

Não podemos nos esquecer que o Brasil dispõe anualmente de 150 bilhões de reais para o social. Em contrapartida, apenas um quarto desse montante se destina ao atendimento de programas voltados para as populações mais necessitadas.

Portanto, mais de 112 bilhões de reais ficam pelo caminho e servem a outros objetivos. O resultado dessa não-aplicação de verbas públicas em favor das populações que passam necessidades será, inevitavelmente, mais miséria, mais pobreza, mais desigualdade e mais dificuldade para resolver os problemas que se acumulam. 

É tarefa do Governo buscar uma solução mais rápida para transformar a realidade aviltante em que está mergulhada a maior parte de nossa população. O Estado tem a obrigação de viabilizar recursos para dotar cada moradia de água tratada, coleta de esgoto e de lixo. E mais, tem a obrigação de construir escolas, comércio, praças, áreas de lazer e facilitar o transporte público nos arredores das habitações.

O Brasil terminou o século XX com 3.905 favelas espalhadas pelo seu território. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os censos de 1990 e 2000, houve um aumento de 717 favelas no País.

Segundo o levantamento, o Estado de São Paulo apareceu em primeiro lugar, com 1.548 favelas. O IBGE mostrou ainda que a região metropolitana de São Paulo concentrava 938 favelas.

Na opinião do pesquisador Doutor Luiz César Queiroz Ribeiro, existe uma forte correlação entre o crescimento das favelas nos grandes e médios centros urbanos brasileiros e a escassez de crédito habitacional.

O mesmo pensa o economista Marcelo Néri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ). De acordo com ele, as dificuldades de se obter um financiamento imobiliário e a expansão dos chamados aglomerados urbanos subnormais, na classificação do IBGE, moradias improvisadas ou simplesmente favelas, situadas notadamente em áreas definidas como precárias, revela uma interação muito forte entre as duas situações.

No Município do Rio de Janeiro, por exemplo, a cada 10% de aumento na favelização, o acesso ao financiamento habitacional cai em 2,3%. Ou seja, quanto mais favelas, menos crédito. Ele mostra igualmente que, entre 1970 e 2000, o percentual de residências financiadas no Rio caiu de 11,59% para 7,77%. No último censo demográfico do IBGE, 18,71% das casas cariocas estavam situadas em favelas.

Na imensa periferia brasileira, quase todo o corpo social está fora de qualquer controle. As ações do Estado são bastante deficientes e os mais elementares benefícios sociais são improvisados pelos próprios habitantes. Além disso, a dificuldade de acesso à terra faz da invasão uma prática comum.

Como bem sabemos, cerca de 40 milhões de brasileiros precisam de uma casa decente para morar. Não podemos mais admitir que 10% da população urbana do nosso país continue sem acesso às redes de água potável e cerca de 40% não seja servida por redes de esgotos sanitários.

Porém, para começarmos a reverter essa situação, precisamos viabilizar imediatamente os instrumentos contidos no Estatuto da Cidade, que foi tão festejado neste Plenário no momento de sua votação e aprovação. Inegavelmente, se cumprido à risca, daremos sem dúvida um primeiro passo significativo para suavizar várias demandas, pois o diploma tem muito a contribuir para tornar viável o direito à terra para os que não a possuem, o direito à moradia, ao saneamento básico, à infra-estrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos essenciais, ao trabalho, ao lazer, enfim, à cidadania.

Todavia, tal tentativa avançaria ainda mais rápido se quatro condições básicas fossem igualmente associadas.

Em primeiro lugar, a presença mais efetiva do Estado, que tem a obrigação de assumir as suas responsabilidades com mais eficiência e assegurar o cumprimento dos programas de desenvolvimento social sob a responsabilidade da União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Essa seria, aliás, uma boa oportunidade para envolver mais os Estados e Municípios na questão social e apoiá-los com transferências de recursos necessários para poderem tocar, da melhor forma, os projetos a serem executados.

Em segundo lugar, a mobilização da sociedade e dos movimentos que defendem uma verdadeira mudança nas estruturas da sociedade brasileira.

Em terceiro lugar, a mobilização da classe política, que pode exercer um papel fundamental na defesa das proposições, na apresentação de matérias legislativas, na exigência do cumprimento das políticas públicas voltadas para os mais carentes e na fiscalização destas.

Por fim, a definição de uma política habitacional dirigida principalmente aos grandes contingentes populacionais mais carentes, mediante um sistema de crédito imobiliário não elitista, ou seja, capaz de ser assumido integralmente pelos mutuários de renda mais modesta. Com isso, os recursos públicos seriam investidos para combater verdadeiramente a miséria e deixariam de privilegiar as camadas de rendas mais altas, como tem sido prática comum em todos os programas de financiamento habitacional até aqui idealizados.

Lamentavelmente, o Governo atual não pensa bem assim. No início de 2004, o Doutor Jorge Hereda, Secretário Nacional de Habitação do Ministério das Cidades, declarou que as prioridades do Governo Lula na área eram a construção de habitações, a urbanização em regiões metropolitanas e a ampliação do mercado formal da habitação. Para tanto, anunciou a destinação de 7,4 bilhões de reais só para a habitação. Parte importante desses recursos deveriam vir do FGTS e das cadernetas de poupança. No entanto, em resposta a uma questão sobre a modalidade dos empréstimos, admitiu: “o déficit de moradia atinge uma faixa da população que não tem como tomar recursos que são onerosos.

De uma maneira geral, as verbas que nós temos para investir na política habitacional são onerosas.” Assim, como todas as políticas habitacionais praticadas no passado, os programas habitacionais anunciados pelo Governo Lula, que não chegam ainda a fazer parte de um contexto de política habitacional, só servirão para agravar ainda mais o quadro atual das deficiências de moradias que acabamos de apresentar ao longo deste discurso. O maior volume de recursos continuará sendo dirigido à classe média, enquanto os pobres continuarão dependendo das migalhas que lhes são jogadas.

Em nossa opinião, o passo mais importante para a solução do crescente déficit habitacional que afeta diretamente milhões de brasileiros que ganham entre um e cinco salários mínimos depende fundamentalmente de uma mudança profunda no vergonhoso quadro da distribuição de renda; de políticas criativas para gerar anualmente os empregos necessários que a sociedade exige; de decisão governamental para iniciar a retomada do desenvolvimento econômico visando alcançar um crescimento garantido do Produto Interno Bruto (PIB); da intervenção mais branda do Comitê de Política Monetária (COPOM), que determina mensalmente a elevação da taxa básica de juros que acaba de chegar ao patamar de 19,25%; da aplicação correta dos recursos que são destinados aos programas sociais; do acesso ao crédito às populações de baixa renda para aquisição de moradia; da transparência na divulgação de dados relativos às ações habitacionais com recursos do FGTS e da Caderneta de Poupança pela CEF; e de ações pontuais que sejam realmente capazes de diminuir o tamanho do abismo que separa milhões de desafortunados do sonho da casa própria.

Lembro bem que, em seus comícios e aparições nas redes de televisão, durante a campanha eleitoral, o Presidente Lula gostava de repetir para a multidão de telespectadores que a esperança haveria de derrotar o medo.

Realmente, por alguns momentos, tivemos a impressão verdadeira de que isso iria acontecer. Finalmente, o Brasil iria mudar qualitativamente pela primeira vez em sua história, cultuando a paz, respeitando a democracia e fazendo valer o direito dos excluídos. Infelizmente, após quase três anos de Governo comandado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), em sua essência, a natureza classista e segregadora do Estado continuam intactas.

Eminentes Senadoras e Senadores, ao terminar este pronunciamento, gostaria de lembrar o notável economista Celso Furtado, que, no início de fevereiro de 2003, em entrevista concedida à revista Caros Amigos, nos levou a recordar um velho problema do nosso país que até hoje ainda não foi resolvido, a justiça social.

É importante dizer que trechos importantes de suas declarações devem continuar soando como um alerta para todos nós e, principalmente, para os atuais dirigentes do Brasil.

Segundo Celso Furtado, “ (...) percebe-se que ainda não está explícito o itinerário que o Brasil pretende seguir em seu projeto nacional. O problema brasileiro não é econômico. Se fosse, você ficaria amarrado para resolver o problema a partir do Banco Central. O problema é social, você deve partir da mobilização das forças sociais, da identificação dos problemas que afligem a população (...). A verdade é que a gente vai vendo que o Brasil é um país de construção imperfeita (...). Você só pode mudar esse quadro mudando o projeto social, o estilo de desenvolvimento do Brasil, e isso é o que eu imagino que a geração nova fará (...)”.

Por tudo o que acabamos de dizer neste pronunciamento, depreende-se que o conjunto dos problemas sociais não resolvidos, que castigam diretamente a maioria da população brasileira, são todos variáveis dependentes da atual política econômica praticada em nível nacional e internacional. O caso da habitação, por exemplo, que é o sujeito focado neste discurso, não foge à regra.

Estimo que existe uma fraca correlação entre as políticas desta área, voltadas para conter o déficit existente, e a estratégia global do desenvolvimento econômico e social que está sendo seguida pelo atual Governo. Na ausência dessa articulação, mudanças importantes no perfil da oferta de moradia aos carentes e alterações significativas na estrutura urbana do País só serão possíveis quando ocorrerem reformas profundas nas condições de cidadania jurídico-política e socioeconômica do povo brasileiro. Aliás, desde o início de minhas palavras na sessão desta tarde, nesta tribuna, tive a preocupação de apontar para essa necessidade.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/10/2005 - Página 34937