Discurso durante a 178ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Concentração de receitas tributárias.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL.:
  • Concentração de receitas tributárias.
Publicação
Publicação no DSF de 12/10/2005 - Página 34950
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, CORRUPÇÃO, POLITICA NACIONAL, EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, NECESSIDADE, CONTINUAÇÃO, DEBATE, PROBLEMAS BRASILEIROS, ESPECIFICAÇÃO, INJUSTIÇA, DISTRIBUIÇÃO, RECEITA, FEDERAÇÃO, DESEQUILIBRIO, ESTADOS, MUNICIPIOS, DESCUMPRIMENTO, DIRETRIZ, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CONCENTRAÇÃO, RECURSOS, UNIÃO FEDERAL, MOTIVO, AUMENTO, CONTRIBUIÇÃO SOCIAL, REGISTRO, DADOS, PREJUIZO, ADMINISTRAÇÃO ESTADUAL, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, CONCLAMAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL.

            O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vivemos uma crise política cuja gravidade não tem precedentes na história recente do País. Tal crise, repercutida em todos os fóruns de discussão, nos obriga a pensar e a repensar as nossas instituições, a imaginar de que maneira se poderá evitar o esgarçamento da credibilidade das instituições sobre as quais se funda o Estado brasileiro.

            A crise, por um lado, apresenta, de modo bastante visível, as deficiências do sistema eleitoral, a fragilidade dos controles sobre as contribuições financeiras para os partidos políticos e, até certo ponto, o fracasso dos mecanismos que visam proteger as instâncias de decisão governamentais do assédio dos interesses particularistas.

            Por outro lado, a crise política tem nos roubado um precioso espaço de discussão, um espaço que nos faz falta, na medida em que problemas de alto impacto ficam à margem da atenção do Congresso Nacional e, dessa forma, também à margem da atenção popular.

            Como praticante da medicina, atividade à qual me dediquei por chamado vocacional, posso dizer que o nosso País está na situação de um politraumatizado, na situação de alguém que chega à UTI com problemas generalizados, vários deles muito graves; vários deles podendo, em caso de descuido, levar a um quadro de comprometimento irreversível.

            Os problemas relativos à corrupção, entretanto, estão merecendo cuidados. Tenho certeza de que a Câmara Federal não admitirá que pactos de inspiração duvidosa, que “acordinhos” ou “acordões” venham a jogar sombras sobre as apurações que ora se processam, no âmbito das Comissões Parlamentares de Inquérito. Nem a Câmara, nem o Brasil admitiriam essa hipótese.

            Sr. Presidente, enquanto isto não podemos empurrar para debaixo dos tapetes do Congresso Nacional - não importa a que pretexto - outro problema, outro grande trauma que, mais silenciosamente, mais dissimuladamente vai corroendo os pilares da República e minando a saúde da nossa Federação: a injusta e vergonhosa carência de recursos com que se deparam Estados e Municípios, na tarefa de dar cumprimento ao seu papel federativo e às suas obrigações para com a população.

            A Constituição de 1988 reconfirmou a forma federativa por razões muito superiores às da mera conformidade com a tradição republicana. Mais do que reconhecer que um país com as dimensões territoriais do Brasil não pode ser governado a partir de uma instância central, todo-poderosa, primou a nossa Carta Magna por criar ambiente institucional em que a diversidade regional pudesse ser admitida, estimulada e enriquecida. É assim que, de Roraima - Estado que, com muita honra, represento no Senado - até o Rio Grande do Sul, somos todos brasileiros, embora com problemas diferentes, e com diferentes maneiras de tratá-los e de resolvê-los.

            Além disso, estabeleceu a mesma Constituição-Cidadã os direitos e os deveres dos Estados e dos Municípios, tal como os da própria União Federal. Num mundo idílico e fantasioso, esses direitos e deveres se harmonizam e se equilibram, produzindo prosperidade e felicidade para as populações que compõem a Nação brasileira. No mundo real, entretanto, estamos distantes de um resultado satisfatório. E é isto o que me preocupa: estamos nos afastando de uma situação satisfatória de um modo mais e mais veloz.

            Para dar exemplo do que falo, vamos avaliar alguns dados, todos eles fornecidos pela Secretaria da Receita Federal. O primeiro se refere à arrecadação própria dos Entes Federativos, tomada como percentual do Produto Interno Bruto. Pois bem; essa arrecadação variou 11,2% para mais, entre 2000 e 2004, no caso da União, enquanto, no caso dos Municípios, cresceu apenas 3,4%. Ou seja, o Governo Federal aumentou sua arrecadação em 11,2% a mais do crescimento do PIB, enquanto a dos municípios cresceu apenas uma fração desse percentual.

            E observem que o valor arrecadado pela União é cerca de dezesseis vezes e meia superior ao que arrecada o conjunto de Municípios brasileiros. Estamos falando, então, de uma brutal apropriação de recursos da sociedade, de caráter concentrador: a carga tributária cresce mais do que o PIB e se concentra nos cofres da União.

            E a explicação de tal fenômeno é muito clara, uma vez que somente vêm aumentando, em nosso País, as assim chamadas contribuições sociais, figura jurídica muito engenhosa que, no fundo, apenas caracteriza um tipo de imposto que não se sujeita às regras de compartilhamento com Estados e Municípios, conforme previsto na Constituição.

            Alguns dirão que, na verdade, tem sido grande a generosidade da União, uma vez que ao menos parte dos recursos federais é dividida com as demais unidades federativas, por meio dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios. Pode ser que haja uma surpresa positiva este ano, mas o que se viu foi que, em 2004, os repasses para as prefeituras, por exemplo, mal cobriram a inflação calculada pelo IGP-DI em relação a 2003. Ou seja, a variação dos repasses foi inferior à própria inflação.

            Sr. Presidente, sob o conceito de receita disponível, ou seja, dos recursos efetivamente utilizáveis, temos que, em 1995, primeiro ano do Plano Real, o percentual do PIB tomado como receita da União, 16,5%, era cerca de 28% superior ao total à disposição dos Estados e Municípios. Pois bem, em 2002 essa relação subiu para 47%, sendo provável que já se situe, hoje, em mais de 50%. Isso quer dizer que a União Federal tem, para si, 50% a mais de recursos do que o conjunto de todos os Estados e Municípios brasileiros.

            Bem se vê que a divisão de recursos não tem traduzido o princípio federativo; nem o FPE e o FPM, um mecanismo adequado de compartilhamento de receitas.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, onde, então, está a Federação? Onde estão os recursos para fazer frente às necessidades dos brasileiros, em termos de serviços e de benefícios públicos? Onde está, de fato, a República Federativa do Brasil, para além da letra morta da lei e dos discursos vazios? A quem interessa Estados e Municípios quebrados, meros pedintes ante os cofres abarrotados do Tesouro Nacional?

            Como se pode ver, a submissão a um modelo de gestão fiscal espúrio, concentrador, nos condena a frustrar nossa gente e nosso próprio futuro, ao impedir que seja levado em consideração, nos níveis regionais da administração pública, o legítimo interesse nacional.

            Sem recursos adequados, Estados e Municípios não poderão cumprir, de forma minimamente suficiente, o papel que têm na saúde, que é administrada sob coordenação regional e local; na educação básica, desde a pré-escola até o ensino fundamental e médio; na melhoria do atendimento em saneamento básico e habitação popular; no estímulo à atividade econômica, por meio do fomento à economia familiar solidária; na estruturação de formas ecologicamente corretas de produzir, preservando o nosso patrimônio natural; e na implementação de infra-estrutura voltada para o desenvolvimento regional sustentado.

            A amplitude e as características desses desafios são tais que não podemos admitir hipótese, evidentemente, de que possam vir a ser absorvidos pelo governo central. Sem sensibilidade local, todas as soluções se demonstrarão equivocadas, todos os problemas ficarão lá, clamando por resolução, indefinidamente.

            Sr. Presidente, essa é uma situação inaceitável, intolerável. Compactuar com ela é jogar na lata de lixo da história as perspectivas de futuro da população brasileira, em especial daquela parcela que se situa fora do eixo de desenvolvimento do Sul-Sudeste, como é o caso de todo o Norte do Brasil.

            Tais temas devem repercutir, de forma privilegiada, nos grandes fóruns nacionais, entre os quais se destaca o próprio Congresso - Câmara e Senado. A crise da Federação, embora pouco evidenciada nas grandes manchetes jornalísticas, é uma ameaça ao futuro do Brasil e à harmonia entre os Entes Federados, com fortes repercussões na vida e na felicidade do povo brasileiro.

            É imperativo que o problema seja discutido de forma abrangente e coordenada, num debate sobre fundamentos, de caráter transformador. Devemos parar de pensar o Brasil a partir de um horizonte baixo, de fazer pequenos remendos oportunistas às nossas normas legais e de empregar tanta energia em reformas acanhadas e sem foco. O reequilíbrio fiscal entre a União, os Estados e os Municípios é, a meu ver, um dos temas mais importantes da agenda política nacional e, como tal, deve ser abraçado e enfrentado pelas instâncias de governo envolvidas, com espírito patriótico e com visão de futuro.

            Sr. Presidente, devemos aos brasileiros o compromisso de repensar profundamente o que é uma federação e como encaminhá-la no sentido do bem geral, sob princípios republicanos saudáveis. Os discursos não bastam mais. É preciso transformar a realidade, para que alguma melhora se dê, de forma objetiva e pragmática.

            Concordando com o que disse Napoleão Bonaparte, do alto de sua enorme experiência de estadista, posso dizer que “num sistema político, tudo vai mal quando as palavras estão em contradição com as coisas”.

            É urgente retirar a nossa Federação do mundo vazio da lei sem efeito e do discurso sem significado. É preciso colocar o Brasil real em sintonia com os ideais republicanos que presidem a idéia mesma de uma nacionalidade brasileira.

            Essa é uma crise que não pode mais aguardar soluções distantes ou parciais. Com a palavra o Congresso Nacional!

            É o que eu tinha a dizer.

            Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/10/2005 - Página 34950