Discurso durante a 177ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração ao "Dia do Professor" e ao "Dia da Criança".

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.:
  • Comemoração ao "Dia do Professor" e ao "Dia da Criança".
Publicação
Publicação no DSF de 12/10/2005 - Página 34768
Assunto
Outros > HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, CRIANÇA, PROFESSOR, LANÇAMENTO, MANIFESTO, SENADOR, DEFESA, EDUCAÇÃO.
  • REGISTRO, ATUAÇÃO, ORADOR, PROFESSOR UNIVERSITARIO, BUSCA, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, CONCLAMAÇÃO, COLABORAÇÃO, LEGISLATIVO, ESPECIFICAÇÃO, APROVAÇÃO, FUNDO DE DESENVOLVIMENTO, EDUCAÇÃO BASICA.
  • AVALIAÇÃO, AMPLIAÇÃO, ACESSO, EDUCAÇÃO, BRASIL, NECESSIDADE, MELHORIA, ENSINO, VALORIZAÇÃO, PROFESSOR, IMPORTANCIA, PLANEJAMENTO, APLICAÇÃO, AUMENTO, RECURSOS.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Renan Calheiros, Sr. Senador José Jorge, Embaixador Jorge Werthein, demais representantes da educação pública no País, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, convidados, representantes diplomáticos, esta é uma sessão muito especial, que, de um lado, busca homenagear as crianças e os professores no seu dia, e que são a dimensão mais importante de um projeto de nação. Ao mesmo tempo, é uma sessão muito especial porque, apesar de todas as diferenças políticas, ideológicas, de disputas acirradas, que fazem parte, são da natureza mesmo do Parlamento, todos os Senadores e Senadoras - todos - assinaram esse manifesto que estamos divulgando nesta oportunidade ao País.

Portanto, eu me sinto muito honrado de poder participar desta sessão e hoje subo à tribuna desta Casa não como Senador, não como Líder do Governo. Eu estou Senador, eu estou Líder do Governo, mas eu sou um economista e professor.

Passei a maior parte da minha vida dentro das salas de aula, primeiro, como estudante. Depois fiz minha graduação na USP, mestrado e doutorado na Unicamp, e depois comecei a minha carreira profissional e prossegui durante 28 anos como professor universitário na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e na Unicamp.

Por isso, o que direi aqui não é um sentimento, não são impressões moldadas às pressas. É muito mais do que isso. É uma convicção de quem estabeleceu, por décadas, intimidade e compromisso com os quadros negros, com o pó de giz, que sempre consumiu a minha impressão digital e a minha garganta, com debates, com o contraditório, com a pesquisa, com a inovação, com os alunos, com os colegas professores, com a educação de qualidade - o que, em última instância, todos procuramos hoje.

A infância, a adolescência e a juventude brasileiras, bem como a educação do nosso País, têm sido objeto de muitas palavras. Rios de tinta já foram gastos com discussões de alta relevância. O Deputado Rui Barbosa, homenageado com o seu busto neste Plenário, elaborou pareceres lúcidos e ainda vivos sobre a reforma Educacional do Império, que sequer foram votados pelos seus pares à época. Ficaram, porém, para a História como marco de inspiração para as gerações seguintes e para que o Poder Legislativo nunca mais seja conhecido como aquele que relega ao arquivo os assuntos educacionais.

O Senado Federal tem marcado a sua presença, década após década, legislatura após legislatura. Na impossibilidade de citar tantos vultos ilustres que ocuparam esta mesma tribuna numerosas vezes, bastaria citar o nome de João Calmon, com quem tive a honra de conviver como Senador da República, o chamado Senador da Educação, que, ainda no regime militar, conseguiu aprovar a Emenda Constitucional, estabelecendo um piso de recursos protegidos para o ensino. Com base nessa vinculação, ainda mais ousada que a da Carta de 1946, estabeleceu-se o Fundef, e, neste ano, foi proposto o Fundeb, que aprimora essa forma de valorização dos professores do ensino fundamental e do ensino básico, incluindo também agora a pré-escola, e que já está na Câmara dos Deputados, vindo para o Senado Federal, para análise, espero que em breve.

Portanto, como o Poder Legislativo em geral, temos procurado redimir a injustiça praticada contra Rui e o povo brasileiro. Em outros termos, temos passado das palavras às ações, mas, ainda assim, as últimas precisam ser mais substanciais que as primeiras. Por isso, transformamos a educação em bandeira suprapartidária por intermédio de um amplo manifesto, que considera o setor não um problema de governo, mas de Estado; não um tema de curto prazo, mas de urgente, médio e longo prazos; não como um setor mendicante de verbas, mas como um setor capaz de devolver com grande acréscimo tudo o que nele for investido.

A educação brasileira apresenta grandezas e misérias que os números têm traduzido reiteradamente. Avançamos no rumo do acesso, do oferecimento de vagas, o que é uma vitória. Mas que vagas são essas? Vagas desiguais, que realimentam disparidades sociais e regionais em pleno estado democrático de direito. Vagas muito vezes de má qualidade, que não atendem nem às mínimas exigências de igualdade, nem aos imperativos da cidadania e da competitividade internacional. Com isso, vamos empurrando os problemas para a frente.

É verdade que o Governo tem colaborado para mudar esse cenário. Hoje, uma das maiores contribuições à educação vem por meio do Bolsa Família. Com ajuda permanente a cerca de 7,5 milhões de famílias que estão abaixo da linha da pobreza, os recursos do Bolsa Família estão contribuindo para manter alunos nas escolas. É o que mostram os indicadores. Dos cerca de 65% dos alunos beneficiados pelo Bolsa Família e que já têm a freqüência escolar auferida, 97% freqüentam mais de 85% das aulas. E os que não freqüentam estão permitindo às escolas identificarem a razão da ausência. O Bolsa Família, assim, ajuda efetivamente na permanência dos alunos - e, neste caso, os filhos das camadas mais pobres da nossa sociedade. Da mesma forma, o Prouni está abrindo mais de quatrocentas mil vagas nas universidades brasileiras para alunos carentes.

Mas, entre tantas medidas necessárias, é preciso, acima de todas, valorizar o professor. O futuro do ensino de qualidade está na qualidade do professor. A mola propulsora da educação é o professor, a professora. Assim, temos, todos nós que estarmos assumindo este compromisso agora, que nos comprometer com o investimento na formação, na motivação e na remuneração do professor.

Se é verdade que a maioria dos professores são abnegados e marcaram a vida de muitos de seus alunos, também é verdade um certo pacto da mediocridade na educação brasileira. Em muitos casos, enquanto o Estado finge que paga, o professor finge que recebe e que prepara as aulas, finge que faz a avaliação; o aluno finge que estuda e que foi avaliado, mas nada disso está acontecendo efetivamente em muitas salas de aula neste País. O que não é falso, porém, é o axioma de que a qualidade do ensino é diretamente proporcional à qualidade do professor.

Cerca de metade dos alunos da quarta série do ensino fundamental têm graves dificuldades de leitura. São alfabetizados? No sentido requerido para o seu nível, não. Já os discentes da oitava série estão aparentemente alfabetizados, sabem em grande parte o que foi estabelecido para a quarta série, mas não necessariamente para a série que cursam. E, por seu lado, os alunos da terceira série do ensino médio em sua maior parte alcançam o que as matrizes curriculares prevêem para a oitava série, mas o seu desempenho é insatisfatório em face das expectativas para o ano de escolaridade em que se encontram matriculados. E assim vamos mantendo as crianças e os adolescentes cada vez mais tempo na escola, para se educarem e aprenderem, aparentemente, cada vez menos. É a diluição do processo educativo, com evidentes custos para as pessoas e para a coletividade. Se uma expressão pudesse sintetizar a problemática brasileira, esta seria: educação de qualidade para todos.

Por isso, o manifesto suprapartidário ora apresentado se reveste da maior importância. Representa uma união em torno de objetivos comuns, para que o Brasil assuma os seus compromissos internacionais, estabelecidos sobretudo no Marco de Ação de Dacar e especialmente como país-membro e fundador da Unesco.

Quero aqui destacar a participação que a Unesco teve na construção dessa iniciativa. Nós tivemos várias reuniões com o então representante da Unesco no Brasil, Embaixador Jorge Werthein. Foi o seu empenho e a disposição dos Senadores da Oposição, da base do Governo, das Lideranças desta Casa que permitiram que construíssemos essa unidade política, que é um fato, se não inédito, seguramente muito raro na vida do Parlamento brasileiro.

Nós, os signatários deste documento, reconhecemos que, acima das divergências que nos separam na pluralidade democrática, ergue-se o reconhecimento de que o Brasil não pode esperar mais por essa educação de qualidade. E, assim, firmamos o pacto de honra de lhe dar conseqüência por meio de ações, nos limites dos nossos mandatos.

Tal compromisso implica a luta por mais recursos para a educação e pelo melhor aproveitamento deles. O valor mínimo anual por aluno, no Fundef, em numerosos casos, mostra o pauperismo da educação brasileira. O México, no início deste ano, estabeleceu por lei o mínimo de 8% do Produto Interno Bruto para as despesas educacionais públicas. A Argentina encaminhou ao seu Poder Legislativo Federal proposta no mesmo sentido. Entretanto, nosso Plano Nacional de Educação, em 2001, teve vetado o aumento das despesas educacionais públicas para 7% ao longo de um decênio.

A escassez é evidente, mas de nada valerá o incremento das verbas se não houver responsabilização dos sistemas de ensino, das escolas e de todos os envolvidos pela qualidade da educação oferecida. A pobreza traz, no seu cortejo de males, a dificuldade de alocar adequadamente os recursos, sem desperdícios. Portanto, é preciso aperfeiçoar ainda mais a nossa avaliação, fazer seus resultados chegarem a cada professor, apoiá-lo sob todos os aspectos, reformular tudo o que precisa ser reformulado para que o aluno seja bem sucedido.

Como nos dois lados de uma moeda, não podemos aceitar o posicionamento ideológico de que a educação tem dinheiro demais, nem o posicionamento oposto, igualmente ideológico, que reduz os problemas educacionais brasileiros à falta de recursos. Cabe, portanto, aumentar os meios e requerer os resultados correspondentes, pois, se eles continuarem a ser aplicados do modo como sempre o foram, nada mudará. E aquilo de que o Brasil mais precisa é mudança.

Também não se pode aceitar a tese de que a educação é mero gasto social sem retorno para o indivíduo e para a coletividade. Recentemente um economista dos mais rigorosos provou com números que uma reforma educacional bem implantada para melhorar a qualidade do ensino fundamental e médio alcança resultados que superam, a longo prazo, todos os seus custos. Mas, para isso, tornam-se indispensáveis a continuidade e a consistência dos esforços. Outros países já fizeram isso e conseguiram. Com a certeza de que o Brasil também é capaz, tratemos de semear, com todo o rigor, a boa semeadura para que os resultados da colheita sejam fartos.

Termino, Sr. Presidente, citando um exemplo que me acompanha na vida recente. Como já disse, dou aula há 28 anos. Sempre fui professor na Unicamp, instituição que tem um dos vestibulares mais difíceis do Brasil. Tínhamos, no DCE dos estudantes, um curso para alunos carentes. Havia uma moça de 26 anos à época, mãe de três filhos, que era faxineira do cursinho. Ela limpava, arrumava as salas, sentava e prestava atenção às aulas. Depois de alguns anos, resolveu fazer supletivo, passou, fez vestibular e entrou na Unicamp. Cursou a graduação e teve grande dificuldade com seu marido, que não acompanhou o crescimento que ela teve. Teve de se separar. Teve dificuldade para morar na residência estudantil, porque não é para pobre, muito menos para uma mulher que tem três filhos, morar entre os estudantes universitários. Mas ela superou todas essas dificuldades, concluiu a graduação na Unicamp, fez o mestrado, hoje é mestre em educação, pedagoga, e assumiu, entre outras funções profissionais, aquela que para mim tem o maior simbolismo do que é possível fazer neste País: ela hoje é diretora do cursinho em que entrou como faxineira. O nome dela é Marinalva. Existem milhares e milhares de marinalvas neste País, com a mão na vassoura, com o umbigo no tanque, ou dentro de uma fábrica, com a mão suja de graxa, homens e mulheres que nunca tiveram a chance de pegar na caneta ou no lápis e que, se tiverem essa chance, serão talentos, como a Marinalva.

É por isso que vale à pena esse manifesto.

Parabéns ao Senado Federal! (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/10/2005 - Página 34768