Discurso durante a 179ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Polêmica em torno do tema do desarmamento.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIAL.:
  • Polêmica em torno do tema do desarmamento.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 14/10/2005 - Página 35064
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, MOBILIZAÇÃO, POPULAÇÃO, IMPRENSA, DEBATE, POLEMICA, PLEBISCITO, DESARMAMENTO.
  • COMENTARIO, DADOS, AUMENTO, NUMERO, VITIMA, HOMICIDIO, ARMA DE FOGO, BRASIL, QUANTIDADE, ARMA, CIRCULAÇÃO, TERRITORIO NACIONAL, MAIORIA, PROPRIEDADE, CIDADÃO, CRIMINOSO, AUSENCIA, PORTE DE ARMA.
  • COMPARAÇÃO, ALEGAÇÕES, FUNDAMENTAÇÃO, VOTO FAVORAVEL, VOTO CONTRARIO, DESARMAMENTO.
  • DEFESA, CRIAÇÃO, POLITICA, COMBATE, ORIGEM, VIOLENCIA, DESIGUALDADE SOCIAL, IMPORTANCIA, EMPREGO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, GARANTIA, ACESSO, ENSINO PUBLICO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, NECESSIDADE, REPRESSÃO, TRAFICO, DROGA, EXTINÇÃO, IMPUNIDADE, CRIMINOSO.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, paralelo à crise política, de maneira surpreendente um outro debate movimenta a opinião pública brasileira e se revela capaz de despertar inusitadas polêmicas e paixões. Trata-se do tema do desarmamento, que será objeto, no próximo dia 23, da maior consulta popular a ser realizada em todo o mundo. O referendo vai decidir se o comércio de armas de fogo e munições deve ou não ser proibido no Brasil.

São 122 milhões de eleitores aptos a votar. Esta consulta está prevista no art. 35 do Estatuto do Desarmamento, em vigor desde 2003. Para que se torne realidade, o Governo Federal se dispõe a desembolsar R$500 milhões, o valor das despesas geradas pela iniciativa.

A guerra entre o “sim” e o “não” - virou uma guerra mesmo! - está em toda parte. Na televisão, os programas das duas frentes parlamentares em defesa e contra a proibição do comércio de armas e munições repetem os tradicionais métodos de “conquista de votos” e exibem um arsenal de críticas e de troca de acusações digno das campanhas mais acirradas. Vale tudo na captura do apoio.

Este intenso debate se repete nas ruas, nas esquinas, nos bares, nos locais de trabalho, nas escolas. Dos mais simples aos mais sofisticados ambientes, o Brasil discute se abdica ou não de suas armas.

Eu chego à conclusão de que somos mesmo um País muito especial! Em plena tempestade das mais graves denúncias de corrupção da história, permitimo-nos o magnífico debate de um assunto que normalmente não se apresentaria tão intenso na pauta das análises de nosso cotidiano. Esta efervescência também atingiu em cheio o coração da imprensa, a ponto de as três principais revistas do País travarem em suas páginas um confronto igualmente forte e caloroso.

Digo que o debate surpreende porque a violência nossa de todos os dias é muito mais sentida do que propriamente comentada. É difícil encontrar um brasileiro que não tenha sido vítima de alguma forma de agressão. Assaltos, estupros, assassinatos, tráfico de drogas, prostituição, desrespeito aos direitos humanos, formam o amplo cenário da insegurança nacional. É nesse contexto que surge o projeto “armas zero”.

As estatísticas indicam que a violência tira a vida de 40 mil brasileiros por ano. Os defensores do desarmamento apresentaram recentemente um estudo da Unesco indicando que, na última década, as mortes por armas de fogo registradas no Brasil superaram o número de vítimas de 23 conflitos armados no mundo, perdendo apenas para as guerras civis de Angola e da Guatemala.

Pelo levantamento, em dez anos morreram no Brasil 325.551 pessoas, uma média de 32.555 mortes por ano. A pesquisa afirma ainda que adolescentes e jovens, entre 15 e 24 anos, são as principais vítimas das mortes por armas de fogo: só em 2003, 41,6% dos casos registrados foram de pessoas nesta faixa etária.

Os que defendem o chamado legítimo direito de defesa objetam que este quadro se agravaria ainda mais caso fosse proibida a comercialização de armas e munições. Eles observam que os criminosos se sentiriam ainda mais livres e ousados para agir ao ter a certeza de que nenhum cidadão de bem teria instrumentos para enfrentar as suas abordagens de sangue e de morte.

A revista IstoÉ desta semana trouxe a estatística de que o Brasil possuiria 17,5 milhões de armas. O Instituto de Estudos da Religião estima que, desse total, 10% estariam com policiais e militares, 25% com civis portadores de registro e 13% com caçadores, praticantes de tiro ou com colecionadores. Os 52% restantes estariam com cidadãos sem porte, bandidos e criminosos.

            As estatísticas, Sr. Presidente, por si sós denotam a complexidade do tema que está sendo colocado para tomada de posição do eleitor. De um lado, o nosso sonho supremo de um mundo e de uma Nação sem armas, em completo ambiente de paz e concórdia, com homens e mulheres que compartilhem de ideais nobres e amplos gestos de amor e de solidariedade. De outro lado, a triste e terrível realidade de um País que tem mais da metade de suas armas em mãos assassinas e cruéis, que podem se rebelar ainda mais caso encontrem situações favoráveis para o agir sem a contrapartida da reação.

            É bem verdade, Srªs. e Srs. Senadores, que importantes nações como o Japão, a França e a Grã-Bretanha executaram com êxito a tarefa do desarmamento. Em seus domínios, a violência e as mortes geradas pelo uso de armas de fogo tiveram um importante revés, conforme estudos divulgados pelos defensores do “sim”. Em contrapartida, os apoiadores do “não” observam que esses países primeiro desarmaram os criminosos para depois empreenderem a proibição total, além de não apresentarem quadros de insegurança que se assemelhassem à dramática realidade nacional. Argumentam ainda que o Estatuto do Desarmamento, em vigor desde 2003, já impõe regras extremamente rígidas para o porte de armas no Brasil.

            Desta forma, os argumentos a favor e contra a proibição do comércio de armas e munições são abundantes e profundos. Ambos estão muito bem fundamentados, e, a decisão do voto, portanto, será muito pessoal, baseada nas experiências próprias do eleitor, que vai se posicionar a partir do que considera melhor para sua vida e, logicamente, para a vida de sua família.

É neste sentido, Sr. Presidente, que me vêm as reflexões que se seguem: por que os governos deste País nunca atacam as causas geradoras da violência e preferem tratar apenas a superfície, as conseqüências? Será que nos consideramos incapazes de estabelecer uma Nação com padrões aceitáveis de segurança pública? Não podemos dar um basta ao problema da impunidade e da violência policial? Seria impossível vencer a guerra contra o narcotráfico, responsável direta e indiretamente por 80% da criminalidade? Quando, efetivamente, teremos uma política realmente ousada de distribuição de riquezas, capaz de impedir que nossos jovens e desempregados se aventurem no mundo do crime? Não teríamos capacidade para estruturar um sólido projeto educacional que garantisse ensino de qualidade público, gratuito e de tempo integral para as nossas crianças e adolescentes?

Na verdade, outra vez desviamos o eixo do autêntico debate que deveria existir no País.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - V. Exª me permite um aparte?

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Vou terminar o raciocínio e concedo, com muito prazer, o aparte ao Senador Paulo Paim.

O que precisava estar em jogo neste momento seria uma ampla discussão sobre os rumos de uma Nação que precisa empreender uma mudança radical em suas estruturas, por meio de medidas corajosas que coloquem um freio nas desigualdades e nas injustiças, fonte maior das violências e dos desajustes.

Pois não, Senador Paulo Paim, ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senadora Iris de Araújo, é com alegria que lhe faço este aparte. Eu conversava há pouco com o Senador Tião Viana. Sou de ter posição. Todos sabem a minha posição em relação à Convenção Quadro, diferente da do Senador Tião Viana. Nesta questão do desarmamento, casualmente, a minha posição e a de S. Exª são exatamente a mesma. Quero cumprimentar V. Exª porque concordo na íntegra com seu pronunciamento quando diz que a questão da violência no Brasil não é sobre se ter ou não a possibilidade de comprar uma arma. O Brasil é praticamente campeão do mundo em concentração de renda, e é isso que gera a violência: os mais pobres, desesperados, naturalmente, acabam entrando nesse viés da vida que é a luta pela sobrevivência, baseado, infelizmente, na violência. Comentando com o Senador Tião Viana, se me permite... Eu tenho um dado do Rio Grande do Sul: é o Estado mais armado do Brasil, porém é o que tem menos violência. E o Senador Tião Viana me dizia que o Canadá é, pelo número de habitantes, o país do mundo cuja população mais tem arma à sua disposição, mas é o país do mundo onde há menos violência. Não estou fazendo propaganda de um lado ou de outro. Agora, o viés com que quero concordar, na íntegra, com V. Exª é que a forma de combater a violência é proporcionando um salário mínimo digno, emprego, renda, reforma agrária, educação e é, de fato, garantindo segurança à população. Temos a mania de fugir do debate principal e ficar num debate paralelo, porque isso interessa. O Estatuto do Desarmamento é uma excelente lei, como V. Exª falou muito bem, que ajuda muito, mas o debate não é esse. O debate de fundo é este que V. Exª aborda: se, efetivamente, fizéssemos distribuição de renda neste País, aí sim, investindo muito principalmente na educação, estaríamos combatendo a violência. Por isso, sem querer avançar no seu tempo, o aparte é muito mais para cumprimentá-la pelo viés que deu no seu pronunciamento. Parabéns a V. Exª.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Agradeço a V. Exª pela oportunidade do seu aparte. É isso mesmo. Também sou pelo “sim” ao desarmamento. Concordo com o desarmamento porque sou uma pacifista e é isso que nós buscamos. Mas temos que considerar esses dados e a realidade que vivemos. E a nação que buscamos, Srs. Senadores, é uma nação que não precise ter essa campanha que está sendo veiculada pelos meios de comunicação, o que aconteceria se tivéssemos, realmente, como disse o Senador Paulo Paim, uma sociedade igualitária e justa.

O Brasil, Senador, pode até utilizar remendos aqui e acolá. Pode avançar em ajustes na legislação para coibir desvios e anomalias. Mas o que se espera de fato é uma política maior, que seja ousada e decisiva no trato das causas que infelicitam a população. É preciso atacar de frente, como diz V. Exª, o desemprego por intermédio de incentivos vigorosos à produção, à pequena e média empresas, fomentando o mercado interno e abrindo oportunidades para a juventude. É necessário fazer a aposta decisiva na educação enquanto único caminho para o desenvolvimento equilibrado e duradouro. É imprescindível mudar a face social do País por meio de programas de inclusão que resgatem a nossa dignidade e a nossa cidadania.

A origem da criminalidade e da violência não é outra senão a miséria, a injustiça social, o baixo nível de educação, a perda de valores, a baixa qualificação das forças policiais, a dissolução da família tradicional, a falta de exemplos, a distância de princípios espirituais, o individualismo, o consumismo, a impunidade, o inchaço das cidades pelo êxodo rural, a irresponsabilidade dos que se utilizam do voto popular para praticar toda sorte de irregularidades e corrupção.

Para mudar esta realidade, todos precisam, sim, se sentir responsáveis: o Governo Federal, os Estados, os Municípios, as instituições não-governamentais, os sindicatos, as entidades da sociedade civil, as famílias, as escolas, as igrejas...

O que é inadmissível é aquele sentimento que acaba envolvendo a tantos: o desânimo diante de situações tão complexas e tão difíceis.

Para mudar esse cenário, o País bem que poderia utilizar toda essa mobilização em torno de um referendo sobre o desarmamento para, imediatamente após, começar um debate franco e aberto sobre o que seria necessário para avançar numa perspectiva maior: que armas podemos utilizar contra a fome e a miséria? Que armas seriam capazes de acabar com o analfabetismo? Que armas dariam um basta às injustiças?

Tudo começa com as pequenas atitudes no dia-a-dia. Participar já é um começo.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Já estou terminando, Sr. Presidente.

O exercício da cidadania abre os grandes caminhos para transformações jamais imaginadas. Se o Governo não faz a sua parte, temos a obrigação de fazer a nossa. Comecemos agora. O Brasil está sendo passado a limpo. É hora de agir. Contra a violência e a criminalidade, exigimos um País justo, solidário e fraterno.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/10/2005 - Página 35064