Pronunciamento de Eduardo Siqueira Campos em 13/10/2005
Discurso durante a 179ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Considerações sobre o referendo acerca da comercialização de arma de fogo e munição no país, a realizar-se no próximo dia 23 de outubro.
- Autor
- Eduardo Siqueira Campos (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/TO)
- Nome completo: José Eduardo Siqueira Campos
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
SEGURANÇA PUBLICA.:
- Considerações sobre o referendo acerca da comercialização de arma de fogo e munição no país, a realizar-se no próximo dia 23 de outubro.
- Publicação
- Publicação no DSF de 14/10/2005 - Página 35080
- Assunto
- Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
- Indexação
-
- SAUDAÇÃO, DECISÃO, CONGRESSO NACIONAL, ELABORAÇÃO, ESTATUTO, DESARMAMENTO, CONSULTA, POPULAÇÃO, PAIS, MEDIAÇÃO, REFERENDO, IMPEDIMENTO, COMERCIALIZAÇÃO, ARMAMENTO, COMENTARIO, IMPORTANCIA, DEBATE, ASSUNTO.
- DEFESA, DESARMAMENTO, SOCIEDADE CIVIL, POSSIBILIDADE, REDUÇÃO, VIOLENCIA, MORTE, LEITURA, DOCUMENTO, QUESTIONAMENTO, ESTATUTO, ESCLARECIMENTOS, DUVIDA, POPULAÇÃO.
- COMENTARIO, NECESSIDADE, PRIORIDADE, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, COMBATE, CONSUMO, BEBIDA ALCOOLICA, DESCENTRALIZAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, UNIÃO FEDERAL, MUNICIPIOS, IMPLEMENTAÇÃO, QUALIDADE, ENSINO.
- REGISTRO, CONVITE, ESTUDANTE, ESTADO DO TOCANTINS (TO), VISITA, HELOISA HELENA, SENADOR, REGIÃO, DISCUSSÃO, GREVE, UNIVERSIDADE FEDERAL, PROBLEMA, PAIS.
O SR. EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS (PSDB - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Meus caros telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado FM e também da Rádio Senado em ondas curtas, muito popular em meu querido Estado do Tocantins, na Amazônia Legal, eu diria que esta sessão, se não tem um quórum maior, apenas pela presença desta honrada mulher que preside os trabalhos tem razões de sobra para proporcionar uma bela tarde de reflexão e de idéias. Temos obtido bons índices em função de tudo que está acontecendo no País, e quero crer que um dia seremos destaque não pelos escândalos, mas muito mais pelas nossas posições, por aquilo que realmente fazemos, Há aqueles que fazem, que cumprem a obrigação de representar seus Estados.
Minha cara Presidente, em sua presença estão as vozes de milhares de mulheres, de pessoas, de cidadãos brasileiros que têm esperança naquilo que Rui Barbosa preceituou para o nosso Congresso Nacional.
Venho a esta tribuna mais uma vez para expor minha posição, como cidadão e como representante de um Estado, a respeito de uma questão sobre a qual muitos até me aconselharam a não vir à tribuna para tratar dele, pois o assunto está dividindo a Nação e pode me tirar alguns votos no meu Estado, eminentemente voltado ao agronegócio. Mas já ouvi isso outras vezes, Senadora Heloísa Helena.
Eu até poderia relembrar aqui um fato que nos uniu praticamente contra todas as demais lideranças, que foi a questão dos vereadores. Hoje vejo que, se o Brasil tem oito mil vereadores a menos - cargo por que tenho profundo respeito, pois foi o primeiro que meu pai exerceu na sua vida pública -, eles estão podendo exercer com muito mais legitimidade e qualidade os seus mandatos. Percebo isso em Palmas, por exemplo, que teve seu número de vereadores reduzido de 19 para 12.
Alguns dizem que as despesas seriam reduzidas. Como seriam reduzidas aumentando-se o número de vereadores? Iam cortar o quê? Iam diminuir as condições de trabalho para os vereadores no seu papel de fiscalização?
Então, aquela tentativa de última hora do Congresso, que fez com que muitos tivessem medo de estar aqui - não estava em jogo o respeito ou o desrespeito ao vereador, mas a qualidade do trabalho desses vereadores -, aquela tentativa foi derrotada em uma luta regimental, eminentemente baseada em um Regimento que muitos não se dão ao trabalho de ler, como nós fazemos. Pois a sessão caiu, e o Brasil ficou com um número de vereadores que eu entendo que, para quem está no exercício do mandato, acabou por valorizar a sua condição de trabalho.
Venho hoje falar um pouco sobre o Estatuto do Desarmamento. Em primeiro lugar, sei, e já vi pesquisas sobre isso, que há um percentual muito grande da população brasileira a favor da pena de morte em função de tudo que está acontecendo no Brasil.
Não consigo, Senadora Heloísa Helena, não consigo identificar no homem, no ser humano a capacidade de dizer “chegou o dia de você deixar a sua existência”, existência que foi dádiva, que foi entregue, segundo alguns, por Buda, por Alá. Eu sou católico e acredito na dádiva maior, na benção maior que todos nós temos, que é um ato divino, de Deus. Mas não vejo no homem, mesmo no maior dos juristas ou na mais justificada das sentenças a capacidade de definir pelo fim de uma vida. A reclusão, a pena perpétua, retirar aquele cidadão do convívio social a mim basta. Sei que aquilo não cura a dor, mas também não vejo que nenhum ser humano vá curar a dor da perda vendo outra vida sendo ceifada. Acredito que o maior castigo que podemos oferecer a um ser humano é a reclusão, desde que tenhamos um sistema penal mais justo e talvez até mais duro, com trabalhos que fizessem com que essa pessoa recuperasse um pouco dos seus valores.
Mas quanto ao Estatuto do Desarmamento, que aprovamos aqui e para o qual teremos um referendo, fico muito tranqüilo. Eu estava aqui na Casa quando da discussão sobre o parlamentarismo ou presidencialismo e vi que Tancredo Neves, Mário Covas, Ulysses Guimarães, vi que os grandes líderes deste Congresso eram parlamentaristas. Votamos o parlamentarismo e penso que fizemos bem ao delegar, ao devolver ao povo brasileiro a decisão sobre se seríamos presidencialistas ou parlamentaristas. O povo disse claramente: “Nós queremos o presidencialismo. Queremos um Presidente que seja responsável pelos seus atos”. É lógico que eles não queriam, que não estavam imaginando um Presidente que dissesse que nada sabe e que desconhece tudo. A população brasileira quis alguém como Juscelino Kubitschek, que foi duramente criticado ao retirar a Capital do Rio de Janeiro. Quem não ama a Cidade Maravilhosa? Mas quem não sabe o quanto contrariamos um pouco aquela questão do Tratado de Tordesilhas, que faz com que grande parte do território nacional seja um vazio ocupacional? Estamos ainda com a nossa vastidão de riquezas inexploradas, ainda mal aproveitadas pelo conjunto da sociedade brasileira.
Alguns dizem assim: “Ora, as riquezas brasileiras, infelizmente, ficam longe do grande centro do País, que é o Sudeste”. Penso sempre diferente, penso que não soubemos ainda ter um projeto nacional a exemplo do que fez Juscelino Kubitschek, deslocando e ocupando melhor o território nacional.
Portanto, a primeira coisa que quero saudar, depois do Estatuto do Desarmamento, é que o Congresso tenha, não digo delegado, mas deixado a palavra final sobre a questão do desarmamento com os brasileiros. Esse é o fato que comemoro em primeiro lugar, porque vamos ter o debate, vamos emitir nossas opiniões, e vai vencer o pensamento majoritário da população brasileira.
Para tanto, nós, que temos a responsabilidade de representar, temos o dever de trazer as nossas posições. Não é hora de ter medo do voto, de olhar pesquisa, mas de deixar de forma muito clara a sua posição.
Eu, parlamentarista que era no momento daquela decisão, fui convencido pelos demais brasileiros, e estamos vivendo hoje sob o regime do presidencialismo.
Sobre essa questão, tenho uma concepção primeira: não consigo dissociar a figura da arma de alguma coisa intimamente ligada à violência, provocadora da morte, que só pode e deve estar nas mãos de quem tem toda uma qualificação profissional, um preparo para manuseá-la.
Vejo, inclusive, meus nobres Pares, Senadora Heloísa Helena, meus caros telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado FM, meus caros e ilustres presentes na nossa tribuna de honra, nas galerias, que muitas vezes aquele cidadão que é contratado por uma firma privada para fazer a segurança de um banco é o primeiro a falecer num assalto a banco, quando esboça uma reação, porque está ali com um 38 ou com um 45 - não tenho arma, nunca tive e não sei até qual é o tipo de armamento usado por um guarda de banco. Mas qual é a chance, Senadora Heloísa Helena, que tem um trabalhador brasileiro que vigia um banco, hoje uma das entidades mais assaltadas, qual é a chance que ele tem, estando com uma arma ali, a não ser de ser o primeiro a ser alvejado, às vezes sem tempo para reação, apenas pela sua presença? Quando esboça reação, as estatísticas são claras. E olhem que o pressuposto é o de que ele é preparado para isso.
A minha posição é muito firme com relação a isso, estou muito convicto de que estaremos dando uma contribuição para a Nação brasileira se o referendo se decidir pelo “sim”, que tem sido associado à vida. Essa é uma posição pessoal minha, alguma coisa em que acredito.
Também procuro, às vezes, separar a minha opinião pessoal. Vi isso quando, recentemente, foi eleito um Presidente da Câmara que tinha posições, até por uma questão religiosa, contrárias a certos pontos, e emiti minha opinião. Entendo o seguinte: no momento em que se preside um Poder, tem-se que separar o que quer a Nação brasileira, ouvir os seus diversos segmentos, para não tentar prevalecer uma opinião pessoalíssima com relação ao uso, às propagandas, às campanhas de divulgação, por exemplo, da camisinha. Nesse ponto específico, eu gostaria de ter uma longa reflexão, um debate com os segmentos da Igreja, mas acredito que não podemos mais, no mundo de hoje, como Poder Público, como responsáveis pelas legislações, deixar de fazer os mais amplos esclarecimentos à sociedade brasileira, à juventude e de aprimorarmos ainda mais algo que pode ser comemorado neste País: nós temos o melhor programa de distribuição de coquetéis para os já soropositivos; temos belas campanhas de distribuição de preservativos.
Nesta hora, eu que tento manter sempre as minhas convicções religiosas, sei que, ao expressar e ao usar a tribuna do Senado, tenho que saber separar o que é uma posição pessoal daquilo que é interesse público.
Mas, quanto ao desarmamento, sinto-me confortável nas duas situações: primeiro, pelo referendo, que virá e chancelará aquilo que já fizemos, que foi o Estatuto do Desarmamento; em segundo lugar, porque as campanhas estão aí para esclarecer. Fica, às vezes, a idéia de que vamos realmente desarmar o homem de bem e deixar o bandido com as armas. É óbvio que a origem das armas utilizadas pelos criminosos foi um dia uma arma comprada de forma legal.
Há aqueles que buscam se defender com o uso de arma contra um elemento que invade a sua residência às vezes para furtar uma televisão, às vezes para furtar um carro, às vezes para levar algum dinheiro. Muitas vezes o invasor não vai nem no intuito de matar, mas de roubar, de furtar. Mas, ao se deparar com alguém armado, ali ocorre o incidente da morte. Infelizmente, o cidadão quase sempre é vitima desse processo.
Se é um direito, eu acho que o Congresso não deveria realmente ter ficado sozinho depois de ter elaborado o Estatuto do Desarmamento, sem ouvir a opinião dos demais brasileiros. E digo mais: se o referendo se decidir pelo “sim”, e nós entendermos, até para atender a outra parcela da população brasileira que pensa diferente, que temos que fazer ajustes no Estatuto do Desarmamento, nós vamos fazê-lo, nós vamos discutir o assunto.
Ouvi aqui algumas perguntas e respostas que são muito importantes: “Qual será o órgão responsável pelo registro da arma? A Polícia Federal” - e tenho certeza de que a Polícia Federal ainda é uma das instituições que mantêm o respeito da opinião pública nacional -, “no caso do uso permitido; e o Comando do Exército, no caso do uso restrito”.
Portanto, penso que os Parlamentares fizeram muito bem ao elaborarem esse item do Estatuto do Desarmamento.
Fala-se aqui sobre a diferença entre o registro e o porte de arma. O registro é o documento da arma, que deverá conter todos os dados relativos à identificação da arma e de seu proprietário. Esses dados deverão ser cadastrados num Sistema Nacional de Armas da Polícia Federal ou no Sigma, que é um sistema comandado pelo Exército.
O porte é a autorização para o proprietário andar armado. Somente poderão andar armados os responsáveis pela garantia da segurança pública, integrantes das Forças Armadas, policiais, agentes de inteligência e agentes de segurança privada; civis, com porte concedido pela Polícia Federal.
“Quem poderá e quem pode comprar arma de fogo? Somente maiores de 25 anos poderão comprar arma de fogo. Pesquisas sobre vítimas da sociedade brasileira revelam que um número esmagador de perpetrantes e vítimas de mortes ocorridas com o uso de armas de fogo é formado por homens e mulheres entre 17 e 24 anos”. Essa foi a razão dessa constatação para se chegar à idade mínima para se adquirir e portar arma de fogo, que foi elevada de 21 para 25 anos.
Existem aqui tratativas de como esses órgãos vão lidar com relação ao comércio ilegal e ao tráfico internacional, porque de nada adianta adotarmos essas medidas e continuarmos com o tráfico e com o comércio ilegal. Foram endurecidas determinadas penas mais específicas para condutas até então tratadas da mesma maneira, como o comércio ilegal ou o tráfico de armas, até então tipificados como contrabando e descaminho. As penas para ambos os casos é de reclusão e multa. Estão sendo adotadas outras providências de endurecimento da atual legislação.
“O que acontecerá com as armas apreendidas ou entregues pela população? Elas continuarão sendo destruídas pelo Comando do Exército”.
“E o cidadão que possuir uma arma de fogo? Como ele deverá proceder daqui para frente? Os proprietários de armas de fogo, registradas, terão três anos, a partir da publicação da regulamentação, para renovar o registro de acordo com os requisitos da nova lei. Aqueles que possuem armas, mas não têm registro, terão o prazo de 180 dias a partir da data da aprovação da lei - a Lei nº10.884 -, para regularizar a situação perante a Polícia Federal ou, então, entregá-las.
Portanto, existe aqui uma série de perguntas e respostas para quem quiser ficar com a arma de fogo. O que deverá fazer? Registrá-la. E somente poderá tê-la sob sua posse no interior de sua residência. E, aí, vêm os requisitos para a pessoa registrar uma arma de fogo. São vários e bem amplos.
Prossegue o documento explicativo sobre o Estatuto do Desarmamento e as principais dúvidas da população, como, por exemplo, os casos das pessoas que moram em locais distantes e que comprovem, realmente, ter a necessidade da posse de uma arma dentro de sua residência, o que está previsto no Estatuto do Desarmamento.
Mas existem outros pontos - já aqui abordados muito bem, inclusive com o aparte de V. Exª ao Senador Paulo Paim -, um conjunto de medidas que, talvez, fossem muito mais úteis, muito mais eficazes com relação à violência no País: a miséria nas periferias das grandes cidades; a falta do primeiro emprego; a falta de oportunidade; a falta de financiamento para os estudos. Em cada 100 brasileiros, somente um chega ao fim de um curso universitário. Então, nossos números ainda são muito ruins.
Assim há toda uma base para que o Brasil venha, realmente, a diminuir drasticamente os números da violência. Não é a presença da arma, pura e simplesmente, que produz a violência ou a eliminação dela que vai determinar o fim da violência no País. Existem ações que vejo em outros países muito perto do Brasil. Como vai o Chile? O Chile vai muito bem! O Chile fortaleceu o seu sistema de ensino fundamental nas escolas públicas, em que são respeitados os horários, o acompanhamento, a freqüência. O Chile conseguiu diminuir as desigualdades regionais. O Chile conseguiu diminuir a desigualdade entre as classes, os mais ricos e os mais pobres. Aqui no Brasil, 1% ou 2% detém mais do que 50% da riqueza nacional, enquanto a grande maioria nada tem.
Senadora Heloísa Helena, sei que também essa não é uma posição muito popular entre os jovens, mas já tive oportunidade, para complementar parte da minha formação, de estudar fora do Brasil. E em grande parte dos lugares, nem beber bebida alcoólica na presença dos filhos é permitido. Agora, aqui no Brasil - e eu não vou muito longe -, em qualquer capital brasileira, depois das 22 horas, estão infestados os lugares, com venda aberta de bebida alcoólica para jovens, de 15, 16, 17 anos.
Em uma determinada oportunidade, na cidade de Palmas, nós tomamos uma medida muito drástica, determinando o fechamento de todos os estabelecimentos, principalmente nos pontos onde havia maior índice de violência, mas determinando uma rígida fiscalização, apenas no cumprimento de uma lei que já existe: não se vender bebidas alcoólicas aos menores de 18 anos. E as quedas foram brutais. Mas, no Brasil, não há acompanhamento.
Em uma ocasião, assisti a uma reportagem muito bem feita pelo Fantástico sobre Bolsa-Família e Bolsa-Escola. Detectaram que o principal elemento - já dizia aqui o nosso Professor Cristovam Buarque - de estímulo para o Bolsa-Escola era o registro da presença. Quer dizer, a criança faz jus ao Bolsa-Escola, como um complemento, como um reforço de aprendizagem, desde que esteja com a sua presença atestada. No momento em que se pára de atestar a freqüência, praticamente perde-se a essência do programa.
Aquela reportagem foi muito interessante porque um Ministro foi consultado e disse que estavam produzindo um sistema de cartão magnético. As crianças passariam o cartão pela catraca instalada na escola e, naquele momento, a central do Bolsa-Escola iria saber se a criança estava presente ou não.
Então o Fantástico foi a um Estado brasileiro - e aí poder-se-ia escolher qualquer um dos 27 Estados, incluindo o Distrito Federal, pelas regiões mais periféricas -, e mostrou uma escola de palha, onde a professora ensinava com uma lousa no chão, os alunos sentados no chão por falta de carteira e a iluminação era por lamparina. O repórter voltou ao Ministro e perguntou: “Ministro, como é que nós vamos colocar lá a catraca eletrônica informatizada ou mesmo digitalizada, que fará com que o aluno tenha a sua presença atestada?”. Aí o Ministro disse que medidas seriam adotadas para que não houvesse mais escolas daquele tipo.
Mas aí há uma diferença. Os Prefeitos são os responsáveis pelas escolas do Primeiro Grau, o ensino básico; o Estado é responsável pelo ensino de Segundo Grau; e a União, pelas universidades públicas e gratuitas e pela aprovação dos cursos das universidades privadas em conjunto com os Conselhos Estaduais de Educação.
No meu Estado, a maior reclamação dos Prefeitos é que onde há escolas estaduais, nos Municípios que têm a sorte de ter uma escola de Segundo Grau, quem paga pelo transporte dos alunos é o Prefeito. E o Prefeito, que já tem a responsabilidade das escolas de Primeiro Grau, paga pelo transporte dos alunos da rede estadual, porque, senão, os alunos não vão às escolas.
Então, imaginem, os Municípios que estão esvaziados, os Municípios que têm como sua principal receita, pelo menos os do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o FPE e o FPM, Senador Valdir Raupp, estão tendo um sócio muito ingrato - a União, que arrecada das contribuições duas vezes mais do que com os impostos. Como as contribuições não são divididas com os Municípios, ficam os Municípios com as responsabilidades inerentes à vida das pessoas.
E chegamos ao ponto de não ter projeto de Nação. Estive pela quarta vez visitando o Japão. Tenho uma profunda admiração pelo povo japonês, pela reconstrução que lá foi feita - não quero aqui discutir de onde veio o dinheiro e como foi feita -, pela determinação do povo. Foi-me apresentado um sistema em que, a partir do primeiro exame feito pela gestante em um hospital público, já se tem a data de nascimento, já se preconiza todo atendimento pós-parto, já se designa um médico pediatra que vai acompanhar a criança, já há previsão no Centro de Ensino para uma vaga dentro de sete anos para o Primeiro Grau, para o Segundo Grau e até a vaga da universidade. Isso me parece tão simples. Nasceu uma criança, haverá toda essa demanda.
Agora, como é que fazemos aqui no Brasil, Senadora Heloísa Helena? Criamos um sistema, chamado Renavam, que controla cada veículo a partir do seu “nascimento”, ou seja, desde a revenda de automóveis e seu emplacamento. A partir daí, a vida desse carro é rastreada por um sistema integrado de computação que, se o carro for retirado da cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, e for abandonado em Santana do Ipanema, ou Canapi, ou Mata Grande, em cinco minutos, a polícia terá condições de, com um telefonema, localizar quem foram os proprietários, de onde veio esse carro, o número do chassi, se está adulterado; e tem mais, o carro será recolhido e, na hora de retirar do pátio do Detran, o cidadão vai pagar uma taxa.
Agora, Senador Heloísa Helena, essa criança não precisa sair de Pelotas, mas, se for deixada nas ruas de qualquer cidade brasileira, ela vai passar uma semana, dez dias, um mês, porque não existe sistema de identificação, não existe o aparelhamento do Estado, para ir lá verificar que criança é aquela, quem são os pais, de onde ela vem, por que está nas ruas. Não existe um local para ela. Existe um pátio do Detran, Senadora Heloísa Helena, mas não temos onde colocar e acolher as nossas crianças.
Então, tudo isso é que provoca o resultado que estamos discutindo aqui. Estamos discutindo revólver, arma, mas não estamos discutindo a criança, não estamos discutindo a nossa sociedade.
Fico pensando, quando passo por aqui, por Brasília - que já é uma ilha neste País, para não falar o mesmo do meu pobre Tocantins -, e digo: “Somos muito felizes por lá”.
Há mais de 45 mil crianças que integram um sistema chamado Pioneiros Mirins, no Estado do Tocantins, que tem um percentual calculado por cada Município. As crianças recebem um reforço, no período vespertino, e uma bolsa, que faz com que muitas das famílias retirem dessa verba a sua sobrevivência. Isso não existe em grande parte dos Estados brasileiros, muitos menos na Nação brasileira.
Vejo essas crianças aqui, no Distrito Federal, sentadas à beira da calçada; esperando à beira dos sinais. Se fosse um veículo ali, ele seria recolhido, e ainda não tivemos a competência de fazer um sistema semelhante para as nossas crianças.
Assim prossegue o Brasil: as pessoas não têm oportunidade onde nascem. Migram. Se migravam diretamente para Brasília, hoje muitas migram para Palmas, ficam na nossa região, a partir do momento em que pólos de desenvolvimento são criados; se não migravam para Brasília, migravam para São Paulo, para o “Sudeste maravilha”, onde o cidadão já começa a sua vida sofrendo preconceito por parte daqueles que dizem: “Existem nordestinos demais neste País!”. Essa é uma outra forma de demonstrar preconceito - isso chegou a ocorrer até com Ministros, que, depois, tiveram de pedir desculpas à Nação. Eu diria que o povo pode até perdoar, mas não esquece.
Esta reflexão que faço é para que o Brasil saiba que, além daqueles a quem tenho muito respeito, porque estão fazendo um trabalho muito competente nas CPIs, nós também estamos pensando no País, em um projeto nacional; temos esperança de encontrar soluções para os nossos problemas.
Entendo que todos os Partidos têm os seus enfrentamentos com relação às ideologias. Senadora Heloísa Helena, V. Exª inicia um Partido, e, certamente, ocorrerão muitos embates dentro do seu próprio Partido, para se fazer uma proposta para um País de tantas desigualdades. Existem diversas visões que nos separam.
Confesso a V. Exª que, em que pese toda a diferença conceitual, tenho, no âmbito do PSDB, a maior liberdade para debater tudo aquilo que considerei como erro do Governo passado. A meu ver, temos bons quadros no nosso Partido, que merecem o respeito da opinião pública nacional até para voltarmos à Presidência da República, mas temos de prestar muita atenção nos movimentos sociais para saber que deles estão brotando outras lideranças.
Entendo que não podemos perder a capacidade de indignação, mas não podemos também deixar de perceber o que muitos jornalistas e articulistas escrevem: “Na próxima eleição, anotem: o eleitor não irá às urnas”. Não penso assim, Senadora Heloísa Helena. Espero que isso não aconteça. Espero que, ao contrário, a população brasileira vá às urnas e vá com os nomes anotados dos que renunciaram; vá lembrando do papel que cada um exerceu durante o seu mandato; daqueles que foram às tribunas; daqueles que freqüentam o Legislativo de forma assídua, que procuram participar de todas as atividades.
Imagino que a benção que todos temos é, em primeiro lugar, a vida; depois, os nossos filhos; depois, a nossa profissão, o respeito profissional que temos no nosso dia-a-dia.
Quando partimos para um mandato popular, partimos para um desafio, porque V. Exª mesma já foi, aqui - na falta de uma melhor argumentação -, atingida. Já tentaram atingi-la na honra, o que não conseguem, Senadora Heloísa Helena, pela sua maneira peculiar de mostrar ao Brasil que V. Exª não se dobra. Apesar de uma aparente fragilidade, a Nação brasileira sabe que essa fragilidade não existe, o que não lhe retira toda a crença, a fé em Deus, principalmente a solidariedade que V. Exª empresta a todos aqueles que precisam, num momento de dificuldade pessoal, num momento de dificuldade de família, de doença. Quando isso ocorre, não há quem não receba um telefonema de Heloísa Helena, dizendo: “Estou orando pela saúde do seu filho”. Fui merecedor dessas palavras, em uma certa oportunidade, e jamais me esquecerei.
Por isso, tenho o prazer de dizer no meu Estado: V. Exª é uma das mais bravas brasileiras com quem tive a honra de conviver e também das mais tenras e cristãs com quem pude compartilhar os meus dias de Senado. Os nossos mandatos, Senadora Heloísa Helena, terminam - eu o digo até para o bem da população, que tem a oportunidade de nos substituir. Eu mesmo vou terminando os meus oito anos de Senado no ano que vem, juntamente com V. Exª.
Tenho feito pesquisas, e V. Exª aparece para Presidente da República no meu Estado. Aliás, não há um debate que eu faça com os estudantes, com os médicos ou com outros segmentos da sociedade, com quem tenho debatido, em que não peçam: “Convide a Senadora para vir ao Tocantins promover um debate, vir ao Centrus”. Os alunos estão em greve nos campi das universidades federais; estão ansiosos não para debater a greve pura e simplesmente, mas para debater temas nacionais.
Aproveito, portanto, a oportunidade para transmitir esse convite a V. Exª e para dizer-lhe que, como os nossos mandatos estão no fim, diferentemente de outros Senadores, que ainda têm mais seis anos de responsabilidades a cumprir, quero que o meu povo tocantinense tenha a oportunidade de fazer uma análise do que pôde fazer um Parlamentar do mais novo Estado brasileiro.
Costumo dizer que o eleitorado do Tocantins é muito semelhante ao da cidade de Campinas, no Estado de São Paulo, onde nasci. Ou seja, se um dirigente decidir visitar uma cidade compacta, que tem um eleitorado expressivo, talvez ele opte por visitar a cidade onde nasci e da qual trago poucas lembranças, porque saí de lá muito novo. Mas, se alguém quiser conhecer um lugar que produz muita soja, produz muito arroz, produz muita fruta; um Estado que tem uma luminosidade extraordinária, que tem água à vontade e que considero um dos mais belos pedaços deste nosso País - que tem atrativos únicos; apenas para citar um: o Capim Dourado, do Jalapão, que está sendo fonte de sobrevivência para milhares de pessoas que estavam lá, isoladas, e que, hoje, está levando para lá um fluxo de turistas do Brasil inteiro e até do exterior -, vai optar por Tocantins.
Orgulho-me muito do Tocantins, que represento, e eu quis deixar hoje, aqui, nesta tarde, em primeiro lugar, as minhas escusas se estou decepcionando alguns dos meus Pares. O meu Estado tem muitas fazendas, tem muitos produtores rurais; é um Estado do agronegócio, mas, neste momento, temos de pensar na Nação inteira. Portanto, no dia 23, darei o meu voto “sim”, acreditando na vida, contra a arma, esperando e crendo que, qualquer aprimoramento, teremos de inserir no Estatuto do Desarmamento.
Espero ter decepcionado uma minoria e quero crer que a maioria venha a dar a este País uma resposta positiva ao fim da comercialização das armas de fogo, para que possamos comemorar, dentro de um ano, não apenas as frias estatísticas, mas um passo a mais no sentido da paz, sem esquecermos de todos os demais que aqui foram citados, para que este Brasil seja, um dia, melhor.
Agradeço a benevolência de V. Exª, que nem sequer tempo marcou; a paciência do Senador Valdir Raupp e dos demais brasileiros que me escutaram nesta tarde.
Muito obrigado, Srª Presidente.