Discurso durante a 179ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários a reportagem da revista Veja sobre o meio ambiente, publicada nesta semana.

Autor
Valdir Raupp (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Valdir Raupp de Matos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA ENERGETICA.:
  • Comentários a reportagem da revista Veja sobre o meio ambiente, publicada nesta semana.
Publicação
Publicação no DSF de 14/10/2005 - Página 35086
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • REGISTRO, NOTICIARIO, IMPRENSA, ANALISE, GRAVIDADE, AUMENTO, TEMPERATURA, OCEANO, SUPERIORIDADE, EMISSÃO, GAS CARBONICO, ATMOSFERA, DESMATAMENTO, FLORESTA, RESULTADO, ALTERAÇÃO, CLIMA, MUNDO, CALAMIDADE PUBLICA.
  • REGISTRO, CONVENÇÃO INTERNACIONAL, CONFERENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (ECO-92), CONFERENCIA, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, JAPÃO, DECISÃO, COMPROMISSO, REDUÇÃO, EMISSÃO, GAS, ATMOSFERA, CRIAÇÃO, PROTOCOLO, PAIS INDUSTRIALIZADO, PRIMEIRO MUNDO, COMPENSAÇÃO FINANCEIRA, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, DEFESA, NECESSIDADE, CONSCIENTIZAÇÃO, POPULAÇÃO, EFEITO, POLUIÇÃO, MEIO AMBIENTE.
  • DENUNCIA, EXPLORAÇÃO, MADEIRA DE LEI, RESERVA INDIGENA, REGIÃO, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), ESTADO DE RONDONIA (RO).
  • NECESSIDADE, DISCUSSÃO, SUBSTITUIÇÃO, COMBUSTIVEL FOSSIL, ENERGIA RENOVAVEL, ELOGIO, PRODUÇÃO, Biodiesel, ALCOOL, BRASIL.

O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO) - V. Exª já está pontuando em todos os Estados brasileiros.

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna para discutir um tema que nos tem preocupado bastante. Ouvi atentamente o Senador Eduardo Siqueira Campos falar do seu Estado, das potencialidades do Estado do Tocantins. Eu sou do Norte, do Estado de Rondônia, e não é diferente por lá. Rondônia é um Estado rico, um Estado de terras boas, habitado, na sua grande maioria, por imigrantes de outros Estados brasileiros, assim como o Estado do Tocantins.

Lá, há apenas 23% de florestas derrubadas para a colonização de grãos - feijão, arroz, milho, soja, mandioca -, de outros produtos e também para a pecuária de gado e leite.

É claro que Rondônia não ficará nesses 23%. Existem alguns Estados mais desmatados, outros menos habitados, como os Estados do Amazonas, do Pará e, em grande parte, do Acre, mas há aqueles como Mato Grosso, Rondônia, Tocantins e Maranhão - este o único Estado brasileiro que pertence a duas Regiões, Norte e Nordeste - que possuem pouca área desmatada.

Apesar de meu Estado ter, ainda, pouca área desmatada, já começo a me preocupar com o meio ambiente. E olhem que não sou ambientalista de carteirinha. Posso defender o meio ambiente, mas sou, ao mesmo tempo, desenvolvimentista. Penso que deve haver um equilíbrio entre a natureza, o meio ambiente e a produção, o desenvolvimento. Isso está acontecendo no norte do País. Em outras regiões, não, pois houve muita derrubada de árvores, como é o caso do Nordeste, que hoje já sofre as conseqüências.

Ultimamente, tenho lido e acompanhado o que tem sido escrito por cientistas. A revista Veja desta semana traz uma matéria com dados alarmantes sobre o aquecimento global. Dá para se observar e sentir, nitidamente, que esse aquecimento mundial tem provocado, recentemente, fenômenos da natureza até então inesperados, como os furacões, cuja freqüência tem aumentado nos Estados Unidos e em outros países. Acredito que o aquecimento global das águas dos oceanos tem contribuído, e muito, para esses desequilíbrios naturais.

Por isso, neste momento, faço um pronunciamento a respeito do aquecimento global.

O processo de aquecimento global do planeta - o efeito estufa - resultante do bloqueio da radiação de calor efetuado pelos gases, impedindo a sua volta para o espaço e aquecendo a superfície terrestre, tem como conseqüência as mudanças climáticas e a previsão de aumento de temperatura média global da Terra em até 4,5ºC nos próximos 100 anos. Repito: além do aumento que ocorreu até agora, poderá haver um acréscimo de 4,5ºC nos próximos 100 anos, o que seria insuportável para os países e alguns Estados brasileiros onde a temperatura já alcança 40ºC ou 42ºC.

Embora a maioria dos gases do efeito estufa seja também produzida pela natureza, o acréscimo derivado da atividade industrial conduz (ou conduziu) ao desequilíbrio da natural sustentabilidade. A natureza produz gases de efeito estufa, mas nela existem, também, processos que os absorvem. O conjunto é sustentável quando a velocidade na produção dos gases é menor do que a velocidade com que a natureza age para compensar os danos decorrentes da sua permanência prolongada na atmosfera.

O dióxido de carbono (CO2), em especial, tem efeitos danosos para o meio ambiente, principalmente devido à velocidade crescente com que vem sendo produzido para atender às necessidades do modelo consumista da vida atual. A concentração de CO2 vem crescendo à taxa de 0,4% ao ano. Estima-se que as atividades humanas lancem 5,5 bilhões de toneladas de carbono na atmosfera atualmente.

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a mudança do clima e as suas causas são problemas que vêm sendo estudados de maneira significativa há mais de duas décadas. Chefes de Estado de quase todos os países, preocupados com as alterações no clima do nosso planeta, reuniram-se no Rio de Janeiro em 1992. A Convenção Internacional para a Melhoria do Clima, realizada durante a Eco 92, definiu que o problema é global, mas com responsabilidades diferenciadas nos países.

A Terceira Conferência dos Países que ratificaram a Convenção Internacional do Clima, realizada em Kyoto, no Japão, em dezembro de 1997, procurou encontrar um mecanismo que conduzisse à retomada da sustentabilidade, tendo em vista os diferentes níveis de desenvolvimento em que se encontram os vários países. Foram atribuídas responsabilidades específicas e diferenciadas pelo efeito estufa, levando-se em conta que os países industrializados são os que mais produzem gases de efeito estufa, enquanto que os países em processo de desenvolvimento econômico apresentam uma quantidade maior de sumidouros naturais e emitem uma quantidade proporcional bem menor desses gases.

Assim, foram consideradas duas vertentes: a primeira seria orientada para a redução da emissão dos gases de efeito estufa; a segunda seria o reforço da atuação da natureza por meio da neutralização natural dessas emissões em sumidouros naturais, como as florestas, por exemplo.

Esse mecanismo visa estimular a participação de todos no esforço global da melhoria do clima, consubstanciado em um compromisso dos países industrializados em reduzir a emissão líquida dos gases de efeito estufa, quer por meio da redução de emissões brutas, quer pelo aumento dos sumidouros.

Na Conferência de Kyoto, foi criado o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo - MDL. Com ele, os países considerados ricos podem, por meio de compensações financeiras aos países em desenvolvimento, contabilizar créditos nos casos em que suas emissões de gases excedam as cotas preestabelecidas.

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esses recursos seriam destinados a investimentos em projetos de reflorestamento, por exemplo, que contribuem para reduzir a presença de carbono na atmosfera. Embora as florestas primárias não estejam incluídas nos projetos do MDL - o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo -, só a Floresta Amazônica, segundo dados do Inpe, retira da atmosfera cerca de 6kg de carbono por hectare, por dia. Generalizando esse número para toda a Amazônia, isso significa que a floresta brasileira está seqüestrando 850 milhões de toneladas de carbono por ano. As reduções de emissões poderiam ser vendidas para outros países, visando baixar os custos da implantação de tecnologias não poluentes. Os países compradores poderiam utilizar os certificados de redução de emissão para cumprir os seus compromissos.

A Floresta Amazônica, como foi dito, não recebe um centavo sequer, porque, segundo o Protocolo de Kyoto, as florestas maduras, antigas, não têm direito de receber recursos compensatórios pelo seqüestro de carbono. Fico imaginando se isso não foi um erro e até já ouvi que querem rever o Protocolo, pois a única forma de se manter a floresta na Amazônia - seja a brasileira, a boliviana, a peruana, a colombiana, a venezuelana ou a equatoriana - seria uma compensação por meio do Protocolo de Kyoto. Os proprietários e as reservas indígenas passam por dificuldades terríveis. Exploram tudo o que podem, mas com muita dificuldade.

Agora mesmo, em Rondônia, está ocorrendo uma situação muito séria e difícil, envolvendo o minério, o diamante. Na reserva Roosevelt, dos cinta-larga, que abrange vários Estados e Municípios de Rondônia e Mato Grosso. Foi a única forma que eles encontraram de extrair alguns diamantes para sobreviverem, porque a situação é muito difícil. Já venderam a madeira. São pouquíssimas as reservas indígenas em Rondônia, e acredito que no País, que têm ainda madeira de lei, porque os madeireiros, pela dificuldade que o Ibama impõe ao emitir guias florestais para exploração de madeira, acabam tirando madeira das reservas indígenas, às vezes clandestinamente. Claro que não vou generalizar, mas muitos, clandestinamente, acabam tirando madeira das florestas indígenas, dos parques nacionais e mesmo das propriedades privadas, sem falar nas derrubadas, no corte raso que muitos fazendeiros promovem - não vou aqui discriminar ou incriminar os fazendeiros do meu Estado ou do Brasil, porque é uma maneira de sobrevivência. Mas o Ibama, muitas vezes, não consegue fiscalizar.

Vejo que, se houvesse uma compensação, nobre Senador Heráclito Fortes, para se manter as florestas em pé na Amazônia, tanto de parte dos proprietários particulares, quanto do Governo, as reservas indígenas, os parques nacionais, as reservas biológicas, as reservas extrativistas poderiam ser compensadas com recursos desses certificados do Protocolo de Kyoto. No entanto, não pensaram nisso, não colocaram como compensação recursos obtidos mediante preservação dessas florestas.

Em Kyoto, portanto, foi estabelecido um critério econômico para estimular a necessária cooperação global do conjunto dos países. É possível, porém, que a natureza do problema seja diferente da natureza da solução proposta, que tem uma abordagem essencialmente econômica. O planeta é de natureza ambiental predominantemente. A solução proposta é inadequada para tornar factíveis as recomendações do Protocolo de Kyoto, pois não cria uma consciência global de que é necessário diminuir a emissão de gases de efeito estufa a níveis compatíveis com a capacidade da natureza de absorvê-los.

Sob a ótica financeira adotada pelos países industrializados, trocar os compromissos ambientais por títulos financeiros será fatalmente vantajoso para os mais ricos, que poderão, por exemplo, obter vantagens por meio de venda de tecnologia usada nesse processo. Para cumprir os seus compromissos, os 32 países mais industrializados listados no Anexo I do Protocolo de Kyoto, grandes poluidores poderiam pagar ao invés de reduzir as suas emissões e, assim, lançar mão do argumento de que estariam contribuindo da mesma forma para a redução global das emissões. O MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), sob essa ótica econômica, pode estimular, por outro lado, os países muito pobres a ganhar recursos financeiros sem esforço, vendendo as suas florestas como sumidouros, isto é, como se fossem seus bens particulares, recursos que, na realidade, são da natureza do planeta e patrimônio comum da humanidade. Esse foi o pensamento daqueles que elaboraram o Protocolo de Kyoto, Srªs e Srs. Senadores. Acredito ainda que essa revisão poderá contemplar ou compensar as florestas maduras, a exemplo das florestas amazônicas.

A preocupação com os mecanismos que permitirão a compra e a venda de Certificados de Emissões de Carbono nas bolsas de valores vem crescendo, esperando-se a comercialização internacional de créditos de emissão de carbono, que terá uma demanda prevista de US$20 bilhões anuais.

O que nos interessa, entretanto, são os mecanismos de desenvolvimento limpo, que possibilitarão recursos financeiros para projetos em países em desenvolvimento para uma efetiva redução de emissões de carbono. Esse é o caso do nosso querido Brasil.

É preciso não perder de vista que o esforço de expansão econômica do Brasil de forma sustentável deve reforçar o perfil ambientalmente saudável da matriz energética brasileira, incluir novos e mais eficientes processos industriais, substituir combustíveis poluentes e usar biocombustíveis renováveis ou biomassa vegetal, bem como as outras fontes de energia limpa, como a solar, hidreletricidade ou eólica, ao lado de um amplo programa de revegetação de áreas historicamente degradadas.

O Brasil, que teve papel importante na definição e negociação da proposta do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, deve-se engajar nas determinações do Protocolo de Kyoto, objetivando a melhoria do clima do planeta e não como uma mesquinha tentativa de “tomar uns trocados” dos países industrializados.

Na esfera das relações econômicas, as variáveis quantitativas habitualmente são utilizadas para espelhar a performance de produtos e serviços. Os problemas ambientais, no entanto, são infinitamente mais complexos. Portanto, tentar equacioná-los sob um viés quantitativo significa desprezar a abordagem qualitativa exigida pela sua natureza. Uma nova abordagem de avaliação, que melhor se presta à análise estratégica, deve considerar fatores diversos, inclusive culturais, que interagem intensamente.

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já concluindo, segundo José Chacon, Presidente do Crea/RJ, por que não desenvolver critérios e procedimentos para a elaboração de um balanço cultural, tendo como referência a metodologia já conhecida do balanço ambiental? Somente por intermédio de uma sustentabilidade como referencial ético seria possível congregar esforços de povos com diferentes bases culturais para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

A abordagem economicista do problema do aquecimento climático preocupa-se excessivamente, por exemplo, com o fim das reservas de petróleo e justifica, assim, a busca de tecnologias alternativas para substituí-lo. Mas por que não considerar a hipótese de que o petróleo não esteja no limite da exaustão de suas reservas e que o aumento insustentável da poluição e o aquecimento global poderão atingir níveis tão elevados quando nos aproximarmos do fim das reservas que o mundo correrá o risco de chegar ao fim antes de queimarmos o último grama de combustível fóssil?

A revista Veja desta semana, a que já me referi aqui no início do meu pronunciamento, trouxe dados, números alarmantes sobre o aquecimento global.

Vejo que o Brasil, neste momento, inicia um programa muito interessante, a produção de biodiesel que, com certeza, futuramente, substituirá a matriz, pelo menos a queima de óleo diesel nas térmicas do Norte do Brasil, e por que não dizer em crises até no Sul, no Sudeste e no Nordeste brasileiro com a substituição, pela baixa dos reservatórios das nossas hidrelétricas, das nossas barragens, muitas vezes queimando ainda óleo diesel, como muitos países de todo o mundo estão fazendo ultimamente.

Vejo que o Brasil, com o potencial que tem, com a imensidão de terras produtivas, poderá não só substituir parte do óleo diesel queimado no País, mas também no mundo. Poderemos nos tornar, no futuro, um grande exportador de biodiesel, assim como o álcool, que hoje está sendo comprado pelo Japão e por outros países, para ser misturado na gasolina, que é também uma espécie de combustível biológico, porque sai da natureza, da cana-de-açúcar, que poderemos substituir também pelo biodiesel.

Essa é a visão holística de que estaremos contribuindo quando aprofundarmos a utilização do MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) em todo esse sistema.

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, era o que tinha para o momento.

Muito obrigado pela generosidade do tempo. 

A SRª PRESIDENTE (Heloísa Helena. P-SOL - AL) - V. Exª terá todo o tempo que julgar necessário para a conclusão do seu pronunciamento. 

O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RR) - Já concluí, Srª Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/10/2005 - Página 35086