Discurso durante a 182ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Abordagem da questão do referendo acerca do desarmamento, no próximo dia 23 de outubro.

Autor
Patrícia Saboya (PSB - Partido Socialista Brasileiro/CE)
Nome completo: Patrícia Lúcia Saboya Ferreira Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Abordagem da questão do referendo acerca do desarmamento, no próximo dia 23 de outubro.
Aparteantes
Sibá Machado, Tasso Jereissati.
Publicação
Publicação no DSF de 19/10/2005 - Página 35350
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • DEBATE, REFERENDO, PROIBIÇÃO, FABRICAÇÃO, COMERCIO, ARMA DE FOGO, GRAVIDADE, AUMENTO, VIOLENCIA, PAIS, FRUSTRAÇÃO, POPULAÇÃO, FALTA, GARANTIA, ESTADO, SEGURANÇA PUBLICA.
  • DEFESA, CONSCIENTIZAÇÃO, CULTURA, PAZ, DECLARAÇÃO DE VOTO, APOIO, DESARMAMENTO, REGISTRO, DADOS, ESTATISTICA, HOMICIDIO, BRASIL, PERDA, JUVENTUDE, EXPECTATIVA, REDUÇÃO, CRIME.

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (Bloco/PSB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que me traz à tribuna no dia de hoje é um assunto que tem tomado conta das discussões de todo o País: o referendo.

Neste domingo, dia 23 de outubro, os cidadãos brasileiros irão às urnas para decidir sobre a proibição ou não do comércio de armas de fogo e munição. Os acalorados debates acerca do desarmamento ganharam as ruas, as escolas, as casas, as praças e todos os lugares do País, mobilizando crianças, adolescentes, jovens, homens e mulheres em torno de uma questão que tem preocupado cada vez mais a sociedade: a escalada da violência.

Como Parlamentar envolvida na defesa das causas sociais, tenho acompanhado de perto a dor e o sofrimento de milhares de famílias que perderam pessoas queridas em decorrência dessa tragédia. Todos os dias, nos rádios, nos jornais, nas televisões temos o testemunho de uma mãe ou de um pai que perdeu um filho, um parente, uma pessoa muito amiga exatamente por causa das armas de fogo.

Sei que o tema violência está cercado de polêmicas e provoca sempre reações emocionais de todos os lados, principalmente quando um crime bárbaro é cometido e a sociedade toma conhecimento. Afinal, o Brasil não agüenta mais viver sob o signo do medo, da insegurança, do ódio, da intolerância e da barbárie.

O dia-a-dia nas cidades brasileiras virou sinônimo de falta de esperança e perspectivas para boa parte da população que, infelizmente, sofre com a ausência do Estado nas áreas mais fundamentais, como saúde, educação, moradia, saneamento básico e segurança pública. Estamos à beira da exaustão! Chegamos a um ponto em que os cidadãos de bem não agüentam mais esperar por medidas que já deveriam ter sido tomadas há décadas. É exatamente nesse clima que vamos decidir sobre uma questão de extrema importância para as nossas vidas e para o futuro do País: o Brasil deve proibir a venda de armas de fogo e munição?

É mais do que justificável, Sr. Presidente, que a população, cansada de pagar seus impostos e não ter o retorno necessário em serviços públicos pense que a solução para barrar a onda de violência que tomou conta do Brasil é fazer justiça com as próprias mãos. É fazer o que o Estado lamentavelmente não tem feito em todos esses anos.

No entanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou convencida de que esse não é o rumo que devemos tomar. Estou convicta de que está na hora de inaugurarmos no Brasil uma verdadeira cultura pela paz. Se sonhamos com um País mais desenvolvido e socialmente justo, não podemos basear nossa cruzada na lógica do “olho por olho, dente por dente”, da justiça feita com as próprias mãos.

Não se combate violência com mais violência! Ter uma arma na mão não é garantia de proteção. A presença de uma arma em casa aumenta - e muito - o risco de acidentes com crianças e adolescentes e de brigas banais se transformarem em mortes. Ou seja: a justa busca pela segurança pode se voltar contra a própria família brasileira!

Por isso me junto aos cidadãos que vão votar pelo “sim”. Sei que o desarmamento não acabará, sozinho, com a criminalidade. Mas precisamos romper esse círculo vicioso que contaminou nosso cotidiano. Tenho certeza de que desarmar a população será um importante tijolo na construção de um país melhor, em que todos os brasileiros, independentemente de classe social, faixa etária, raça, etnia, orientação sexual e religiosa, possam viver com tranqüilidade.

Argumentos falaciosos, muitas vezes, têm permeado o debate sobre o desarmamento. Por essa razão, é fundamental que todos nós façamos um esforço para esclarecer melhor a população brasileira sobre o referendo.

Com muito prazer, concedo um aparte ao Senador Sibá Machado.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senadora Patrícia, também vou me associar a V. Exª votando “sim” e gostaria rapidamente de explicar o porquê. Ouvi as considerações de ambas as partes e muitos dizem que é preciso liberar armas à população, acusando o Estado brasileiro de ser incompetente na segurança pública. Até aí é uma verdade. Mas quando avaliamos quem pode adquirir uma arma de fogo em uma loja, de maneira convencional, constatamos que são muito poucos. Então, neste caso, a maioria da população ficaria à mercê da bandidagem. Portanto, essa medida não resolve o problema. Por que apenas um setor da população pode ter acesso a armas de fogo? Por que não os demais? Se vamos armar a sociedade, que armemos todos. E se não se vai armar todos, não se pode armar ninguém. Portanto, contribuo com o pronunciamento de V. Exª e a parabenizo pela firmeza de estar na tribuna falando do assunto. Então, votemos “sim”.

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (Bloco/PSB - CE) - Muito obrigada, Senador Sibá Machado. É uma alegria ter o aparte de V. Exª no meu pronunciamento.

O Brasil é o País com maior número de mortes por armas de fogo no mundo. Em 2003, foram 108 mortes por dia, quase 40 mil por ano! Para termos uma noção dessa atrocidade, a Colômbia, que há vários anos vive uma situação de guerra civil, tem 23 mil mortes anuais.

De acordo com estudos realizados pela Unesco, entre 1979 e 2003, o número de vítimas de armas de fogo cresceu 461,8% no Brasil, enquanto a população aumentou em 51,8%. As armas de fogo matam mais do que os acidentes de trânsito e são a maior causa de morte entre os jovens brasileiros. De cada três jovens entre 15 e 24 anos que morrem no nosso País, um é por arma de fogo. Se continuarmos na trilha do armamento, certamente, não vamos chegar a um quadro de mais conforto e segurança para os cidadãos brasileiros. Já existem armas demais no nosso País. Estima-se que o número total seja de 17,5 milhões e apenas 10% delas estão nas mãos de quem deveria estar, que é da polícia e das Forças Armadas. O restante, 90%, pertence a civis.

No Brasil, 63,9% dos homicídios são cometidos por arma de fogo, enquanto 19,8% são causados por uma arma branca, conforme dados do Datasus. Os especialistas são unânimes ao afirmar que as armas de fogo matam com muito mais eficácia e sem nenhum risco para o agressor. Diante de uma faca podemos correr, gritar, chutar, fazer alguma coisa para nos defender. Mas, diante de uma arma de fogo, o perigo é bem maior. Ainda segundo informações do Datasus, de cada quatro feridos nos casos de agressões por arma de fogo, três morrem. Isso sem falarmos no problema do suicídio. As tentativas de se matar com arma de fogo também são mais eficazes: 85% dos casos acabam em morte.

É ilusão imaginar que ter uma arma dentro de casa garante a segurança para a família. Estudos mostram que mesmo pessoas bem treinadas para atirar, diante de uma situação de assalto, não conseguem ter tempo, frieza e agilidade para reagir ao ataque. Segundo dados do FBI, para cada sucesso no uso defensivo de arma de fogo em homicídio justificável, houve 185 mortes com arma de fogo em homicídios, suicídios ou acidentes.

Uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro pelo Iser (Instituto de Estudos Superiores da Religião) revelou que a chance de se morrer numa reação armada a roubo é 180 vezes maior do que morrer quando não há reação.

Não é preciso, porém, mergulhar nas estatísticas para saber que uma arma pode acabar com uma família. Todos os dias, ouvimos histórias de acidentes terríveis com crianças e adolescentes que encontraram armas guardadas pelos pais e acabaram atirando contra si ou contra pessoas da própria família, marcando para sempre a vida de todos. Ontem mesmo, o Jornal Nacional da Rede Globo mostrou o acidente de uma criança que descobriu a arma de fogo na gaveta do pai, foi para escola e matou uma outra criança.

Sabemos também que as armas são capazes de transformar discussões e brigas triviais, como acidentes de trânsito, brigas de trânsito, em tragédias irreversíveis. Um dado ilustra bem essa afirmação. Nas capitais brasileiras, 44% das mortes de mulheres - e já encerro, Sr. Presidente - são cometidas com arma de fogo e dois terços dos casos de violência contra as mulheres têm como autores os próprios maridos ou companheiros. É triste constatarmos que são extremamente comuns as cenas de maridos ciumentos que, embriagados ou drogados, acabam cometendo a loucura de tirar a vida da companheira.

O Sr. Tasso Jereissati (PSDB - CE) - Senadora Patrícia, concede-me um aparte?

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (Bloco/PSB - CE) - Concedo um aparte ao Senador Tasso Jereissati, com muito prazer.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PFL - SP) - Senadora Patrícia Saboya Gomes, vou prorrogar seu tempo por mais dois minutos, para que V. Exª ouça o aparte do Senador Tasso Jereissati.

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (Bloco/PSB - CE) - Obrigada, Sr. Presidente.

O Sr. Tasso Jereissati (PSDB - CE) - Senadora Patrícia Saboya Gomes, muito obrigado por esta ocasião de, mais uma vez, parabenizá-la pelo oportuno do seu pronunciamento, quando vemos que corremos o risco de que o “Não” venha a ganhar, neste momento, eu diria, crucial que vive a nossa sociedade. A violência talvez seja o nosso maior problema hoje. Infelizmente, parece que ainda não há o entendimento claro de que a arma de fogo é um componente importante de todo esse processo de violência no Brasil. Os dados, toda a justificação e toda a argumentação apresentados por V. Exª são importantíssimos para que a população brasileira venha a conhecer a realidade e a importância de que todos venham a andar desarmados, num clima muito mais propício à diminuição da violência. Tenho ouvido muito a argumentação de que o desarmamento não vai acabar com o crime, que o desarmamento não vai acabar com o bandido, que o desarmamento não vai acabar com a violência. É preciso dizer que o desarmamento vai diminuir os crimes, os homicídios com armas de fogo no Brasil. O bandido não deixará de ser bandido por causa do desarmamento. O crime organizado não deixará de existir por causa do desarmamento. No entanto, o enorme número de homicídios praticados no País, não apenas pelo crime organizado, diminuirá drasticamente neste País. E V. Exª nos mostra isso de maneira comprovada e com argumentação bastante clara. Mais uma vez, junto-me a V. Exª e ao coro que diz “Sim” e que pede aos brasileiros que votem “Sim” à proposta de desarmamento deste País, para que ele seja mais pacífico e menos violento.

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (Bloco/PSB - CE) - Muito obrigada, Senador Tasso Jereissati, V. Exª teve uma grande experiência como Governador do nosso Estado, o Ceará, por três vezes e também, nesta Casa, como presidente de uma Comissão que conseguiu fazer um trabalho excepcional e brilhante no sentido de ajudar a combater a violência no nosso Estado.

Sr. Presidente, tinha mais a falar, mas sei que meu tempo se esgotou e existem outros oradores inscritos. Quero apenas reafirmar...

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PFL - SP) - Concedo a V. Exª mais dois minutos.

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (Bloco/PSB - CE) - Agradeço bastante, Senador.

As experiências de desarmamento em diversos países apontam para um horizonte animador, mostrando que as leis de controle de armas ajudam a diminuir os riscos para toda a sociedade. Na Austrália, por exemplo, cinco anos depois de uma lei que praticamente proibiu a venda de armas, a taxa de homicídios por arma de fogo caiu 50%. Isso corrobora exatamente aquilo que o Senador Tasso Jereissati acaba de dizer.

Um estudo da Unesco, publicado em 2005, mostrou que Austrália, Inglaterra e Japão, onde as armas são proibidas, estão entre os países do mundo onde menos se mata com arma de fogo, enquanto nos Estados Unidos, um dos países mais liberais nesse sentido, aparecem em oitavo lugar entre as nações mais violentas do Planeta.

Por isso, Sr. Presidente, venho a esta tribuna hoje para falar da minha convicção em votar pelo “Sim” e tentar contagiar os corações e as mentes não apenas de outros Parlamentares, mas de toda a sociedade brasileira. Que possamos lutar pela paz, por uma sociedade mais justa, por uma sociedade mais tranqüila, onde homens, mulheres, crianças e jovens tenham a segurança e a tranqüilidade de sair de casa sabendo que irão voltar. E não como acontece hoje em nosso País, em que uma mãe ou um pai de família, ao ver o filho sair de casa, sente o coração apertado, fechado, porque não sabem se seu filho vai voltar, por causa da violência.

Respeito aqueles que pensam diferente de mim, mas faço um apelo, como Presidente da Frente Parlamentar pelos Direitos da Criança e do Adolescente, para que nós, Senadores e Deputados, possamos fazer um pronunciamento, apresentando nosso ponto de vista e, assim, ajudarmos nesse debate, nessa discussão, porque a sociedade está completamente envolvida, interessada, querendo tirar suas dúvidas, para votar com a sua consciência.

Muito obrigada, Sr. Presidente.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DA SRª SENADORA PATRÍCIA SABOYA GOMES.

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A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (Bloco/PSB - CE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste domingo, 23 de outubro, os cidadãos brasileiros irão às urnas para decidir sobre a proibição ou não do comércio de armas de fogo e munição. Os acalorados debates acerca do desarmamento ganharam as ruas, as escolas, as casas, as praças e os bares de todo o País, mobilizando crianças, adolescentes, jovens, homens e mulheres em torno de uma questão que tem preocupado cada vez mais a sociedade: a escalada da violência.

            Como parlamentar envolvida na defesa das causas sociais, tenho acompanhado de perto a dor e o sofrimento de milhares de famílias que perderam pessoas queridas em decorrência dessa tragédia. Sei que o tema da violência está cercado de polêmicas e provoca, sempre, reações emocionais de todos os lados. Afinal, o Brasil não agüenta mais viver sob o signo do medo, da insegurança, do ódio, da intolerância, da barbárie.

            O dia-a-dia nas cidades brasileiras virou sinônimo de falta de esperança e perspectivas para boa parte da população, que, infelizmente, sofre com a ausência do Estado nas áreas mais fundamentais, como saúde, educação, moradia, saneamento básico e segurança pública. Estamos à beira da exaustão! Chegamos a um ponto em que os cidadãos de bem não agüentam mais esperar por medidas que já deveriam ter sido tomadas há décadas. E é exatamente nesse clima que vamos decidir sobre uma questão de extrema importância para nossas vidas e para o futuro do País: o Brasil deve proibir a venda de armas de fogo e munição?

            É mais do que justificável que a população, cansada de pagar seus impostos e não ter o retorno necessário em serviços públicos, pense que a solução para barrar a onda de violência que tomou conta do Brasil é fazer justiça com as próprias mãos. É fazer o que o Estado, lamentavelmente, não tem feito nesses anos todos.

            No entanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou convencida de que esse não é o rumo que devemos tomar. Estou convicta de que está na hora de inaugurarmos no Brasil uma verdadeira cultura de paz. Se sonhamos com um País mais desenvolvido e socialmente justo, não podemos basear a nossa cruzada na lógica do olho por olho, dente por dente; da justiça feita com as próprias mãos.

            Não se combate violência com mais violência! Ter uma arma não é garantia de proteção. A presença de uma arma em casa aumenta - e muito - o risco de acidentes com crianças e adolescentes e de brigas banais se transformarem em mortes. Ou seja: a justa busca pela segurança pode se voltar contra a própria família!

            Por isso, me junto aos cidadãos que vão votar SIM. Sei que o desarmamento não acabará, sozinho, com a criminalidade. Mas precisamos romper esse círculo vicioso que contaminou nosso cotidiano. Tenho certeza de que desarmar a população será um importante tijolo na construção de um País melhor, em que todos os brasileiros, independentemente de classe social, faixa etária, raça, etnia, orientação sexual e religião, possam viver com tranqüilidade.

            Argumentos falaciosos têm permeado o debate sobre o desarmamento. Por essa razão, é fundamental que todos nós façamos um esforço para esclarecer melhor a população brasileira.

            O Brasil é o país com o maior número de mortes por armas de fogo no mundo. Em 2003, foram 108 mortes por dia, quase 40 mil por ano! Para termos uma noção dessa atrocidade, a Colômbia, que há anos vive uma situação de guerra civil, tem 23 mil mortes anuais. De acordo com estudos realizados pela Unesco, entre 1979 e 2003, o número de vítimas de armas de fogo cresceu 461,8% no Brasil enquanto a população aumentou em 51,8%. As armas de fogo matam mais do que os acidentes de trânsito e são a maior causa de morte entre os jovens brasileiros. De cada três jovens entre 15 e 24 anos que morrem no nosso País, um é por arma de fogo.

Se continuarmos na trilha do armamento, certamente não vamos chegar a um quadro de mais conforto e segurança para os cidadãos brasileiros. Já existem armas demais no nosso País. Estima-se que o número total seja de 17,5 milhões e apenas 10% delas estão nas mãos de quem deveria estar: que é da Polícia e das Forças Armadas. O restante - 90% -- pertence a civis.

No Brasil, Srªs e Srs. Senadores, 63,9% dos homicídios são cometidos por armas de fogo, enquanto 19,8% são causados por arma branca, conforme dados do Datasus. Os especialistas são unânimes ao afirmar que armas de fogo matam com muito mais eficácia e sem nenhum risco para o agressor. Diante de uma faca, podemos correr, gritar, chutar. Mas diante de uma arma de fogo o perigo é bem maior. Ainda segundo informações do Datasus, de cada quatro feridos nos casos de agressões por arma de fogo, três morrem. Isso sem falarmos no problema do suicídio. As tentativas de se matar com arma de fogo são também mais eficazes: 85% dos casos acabam em morte.

            É ilusão imaginar que ter uma arma dentro de casa garante segurança para a família. Estudos mostram que mesmo pessoas bem treinadas para atirar, diante de uma situação de assalto, não conseguem ter tempo, frieza e agilidade para reagir ao ataque. Segundo dados do FBI, para cada sucesso no uso defensivo de arma de fogo em homicídio justificável, houve 185 mortes com arma de fogo em homicídios, suicídios ou acidentes. Uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro pelo Iser (Instituto de Estudos Superiores da Religião) revelou que a chance de morrer numa reação armada a roubo é 180 vezes maior de que morrer quando não há reação.

Não é preciso, porém, mergulhar nas estatísticas para saber que uma arma pode acabar com uma família. Todos os dias, ouvimos histórias de acidentes terríveis com crianças e adolescentes que encontraram armas guardadas pelos pais e acabaram atirando contra si ou contra pessoas da própria família, marcando para sempre a vida de todos. No Brasil, duas crianças são feridas por tiros acidentais todos os dias, segundo o Datasus.

            Sabemos também que as armas são capazes de transformar discussões e brigas triviais em tragédias irreversíveis. Segundo a Divisão de Homicídios da Policia Civil de São Paulo, o primeiro motivo para homicídios é a “vingança” entre pessoas que se conhecem e que não possuem nenhum vínculo com o tráfico de drogas ou outras atividades criminosas. É equivocada, portanto, a idéia de que, no Brasil, só morre bandido. Ao contrário, no nosso País a maioria das vítimas conhece seus agressores e é enorme o número de homicídios praticados entre familiares.

            Um dado ilustra bem essa afirmação. Nas capitais brasileiras, 44% das mortes de mulheres são cometidas com arma de fogo e dois terços dos casos de violência contra elas têm como autores os próprios maridos ou companheiros. É triste constatarmos que são extremamente comuns as cenas de maridos ciumentos, que, embriagados ou drogados, acabam cometendo a loucura de tirar a vida da companheira. A combinação de armas, drogas e álcool é, muitas vezes, explosiva, capaz de transformar até mesmo um cidadão pacato em homicida.

São essas situações que vamos evitar com o desarmamento. Mas é importante ressaltar também que o controle das armas legais vai ajudar na luta contra o crime organizado. As pesquisas têm demonstrado que as armas compradas pelos cidadãos de bem acabam parando nas mãos dos bandidos, o que significa que o mercado legal abastece o ilegal. Os criminosos não compram armas em lojas, porém vão roubá-las nas casas de quem as adquiriu legalmente. No Estado de São Paulo, segundo a Polícia Civil, das 77 mil armas apreendidas em 1998, 71.400 foram roubadas de seus donos originais e o restante foi extraviado.

Levantamento feito pela polícia do Rio de Janeiro mostrou que cerca de 80% das armas apreendidas no Estado na década de 1993 a 2003 são curtas e 76% são brasileiras. Isso evidencia que, ao contrário do que diz o senso comum, as armas que mais matam no nosso País são revólveres de calibre 38, fabricados aqui mesmo.

Outro aspecto relevante destacado pelos estudiosos é o de que, com a proibição da venda de armas e munição para os cidadãos comuns, o mercado ilegal poderá encolher. Isso porque a redução da oferta no comércio legal levará a um aumento dos preços no mercado clandestino, tornando mais difícil a aquisição de uma arma. Aliás, esse fenômeno já está acontecendo desde a aprovação do Estatuto do Desarmamento. Reportagem da Revista Época mostrou que em Santa Catarina, por exemplo, um revólver calibre 38 que custava 200 reais, agora está em torno de 1000 reais. Em Porto Alegre, há quatro meses, esse tipo de arma custava R$80 e agora vale 300.

As experiências de desarmamento em diversos países apontam para um horizonte animador, mostrando que as leis de controle de armas ajudam a diminuir os riscos para toda a sociedade. Na Austrália, por exemplo, cinco anos depois de uma lei que praticamente proibiu a venda de armas, a taxa de homicídios por arma de fogo caiu 50%. Um estudo da Unesco, publicado em 2005, mostrou que Austrália, Inglaterra e Japão, onde as armas são proibidas, estão entre os países do mundo onde menos se mata com arma de fogo, enquanto os Estados Unidos, um dos países mais liberais nesse sentido, aparecem em 8º lugar entre as Nações mais violentas do planeta.

No Brasil, pela primeira vez em 12 anos, a mortalidade por arma de fogo apresentou queda de 8% em 2004 na comparação com o ano anterior, conforme levantamento do Ministério da Saúde. Foram 3.234 vidas salvas - e muito disso se deve ao impacto da Campanha do Desarmamento, iniciada em julho de 2004.

É bom que se diga, entretanto, que o desarmamento, isoladamente, não vai tirar as armas dos bandidos. E nesse ponto entra uma importante discussão, que deve envolver toda a sociedade brasileira. É urgente a tarefa de investirmos no aprimoramento do nosso sistema de segurança pública. Um significativo passo já foi dado com a aprovação do Estatuto, que oferece meios concretos à polícia para melhorar o combate ao tráfico ilícito de armas e para desarmar os bandidos. A nova lei estabelece a integração entre a base de dados da Polícia Federal, sobre armas apreendidas; e a do Exército, sobre produção e exportação. Assim, espera-se que as armas encontradas nas mãos dos bandidos possam ser rastreadas, e as rotas do tráfico desmontadas. Todas as novas armas serão marcadas na fábrica, o que ajudará a elucidar crimes e investigar as fontes do contrabando. Para evitar e reprimir desvios dos arsenais das forças de segurança pública, todas as munições vendidas para elas também vão contar com identificação. Portanto, colocar em prática o Estatuto é um dos mais importantes instrumentos para desarmar os bandidos.

Sabemos, porém, que só isso não é suficiente para enfrentarmos um problema tão complexo como a violência. Problemas complexos não comportam soluções ingênuas, rápidas e milagrosas. Essas questões precisam ser encaradas com medidas igualmente complexas, que envolvam diversas ações em várias áreas e a participação ativa de diferentes atores.

Precisamos continuar lutando por uma polícia eficiente, honesta e respeitada pelos cidadãos; pelo aprimoramento do nosso caótico sistema prisional; por um Judiciário mais ágil e transparente; por uma formação militar e policial baseada nos princípios éticos e democráticos; por uma legislação penal menos arcaica e preconceituosa. Nessa batalha, a sociedade não pode ficar sozinha. Os cidadãos já estão fazendo a sua parte há muito tempo. E nada mais justo do que exigir que o Poder Público finalmente cumpra seu papel e transforme a segurança pública em real prioridade.

Ainda assim, outras medidas serão necessárias e, entre elas, estão, sem dúvida, as ações de inclusão social e distribuição de renda. É triste ver que o Brasil continua a integrar o vergonhoso time das Nações mais desiguais do planeta, apesar de ter avançado bastante no que diz respeito à estabilização da economia. Atacar a pobreza e a desigualdade social não passa apenas pela concessão de bolsas disso ou bolsas daquilo, embora saibamos que as políticas de transferência de renda são importantes, mas são paliativas e devem ser provisórias. Para resolvermos o problema da tremenda desigualdade social que marca o nosso País não precisamos inventar a roda. Diferentes estudos, realizados por diferentes instituições, apontam para o óbvio: o investimento sério e continuado em Educação é a principal ferramenta de transformação de uma sociedade. Sem isso, não há política social que se sustente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como já disse, sei que o desarmamento não vai, como que uma varinha de condão, eliminar a criminalidade do nosso País. Mas votar pelo SIM é o primeiro passo de uma virada nessa situação insustentável. Não podemos mais viver nesse clima de terror, de “salve-se quem puder”, de individualismo exacerbado, de medievalização da nossa sociedade, em que os ricos estão encastelados; a classe média, acuada; e os pobres se defendem como podem ou não conseguem sequer se defender. Apesar de tantos percalços e tantos problemas que enfrentamos no nosso dia-a-dia, vale a pena continuar perseguindo o sonho de um Brasil mais humano, solidário e repleto de oportunidades para que todos os brasileiros possam desenvolver suas potencialidades e viver com dignidade.

            Era o que eu tinha a dizer!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/10/2005 - Página 35350