Discurso durante a 182ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Transcurso, hoje, do Dia do Médico.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Transcurso, hoje, do Dia do Médico.
Publicação
Publicação no DSF de 19/10/2005 - Página 35394
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, MEDICO, ELOGIO, CLASSE PROFISSIONAL, ATUAÇÃO, POLITICA NACIONAL, SAUDAÇÃO, SENADOR, BANCADA, MEDICINA, REGISTRO, HISTORIA, PROFISSÃO, DADOS, EXERCICIO PROFISSIONAL.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 18 de outubro, o Brasil celebra o Dia do Médico, ritualizando e reatualizando uma justa homenagem a um dos profissionais mais imprescindíveis das sociedades modernas. Na verdade, o responsável pela saúde física e mental dos indivíduos, seja nas comunidades primitivas, seja nas comunidades mais avançadas, tem sido, desde sempre, considerado uma autoridade de relevância suprema e incontestável.

Graças ao progresso intenso das ciências, seu poder de cura não mais deriva de forças sobrenaturais, mas sim do mais refinado manuseio da tecnologia, do talento e da habilidade, visando à preservação da vida. No Brasil, por força da longa história colonial, a função do médico teve que ultrapassar os limites técnicos, para ocupar os espaços vazios da política. Desse modo, para além do cuidado físico, aos médicos brasileiros coube também o cuidado com o corpo social, com o corpo político.

Sr. Presidente, o paralelismo não poderia ser mais feliz. Exemplos os há, à exaustão, em nossa história. No entanto, em virtude da exigüidade do tempo presente, dediquemos este discurso aos médicos-senadores aqui representados, que não são poucos. Senador Antonio Carlos Magalhães, Senador Mozarildo Cavalcanti, Senador Papaléo Paes, Senador Mão Santa e Senador Tião Viana compõem, juntamente com este orador, a bancada dos médicos. Ao digníssimo grupo, destino minhas palavras, na expectativa de que, neste instante, nossa atenção seja direcionada a nossa formação original, à vocação de médico.

Afinal de contas, trata-se daquele que se preocupa com a nossa saúde, e, por juramento, não sossega enquanto não recuperamos condições necessárias para a retomada normal do exercício diário da vida. Na concepção mais elementar, seja pediatra, ginecologista, oncologista ou clínico geral, não importa a especialidade, é sábio conhecedor de cada parte do corpo humano, sabendo o que devemos fazer quando algo não vai bem em nosso organismo.

Como é sabido, a medicina é a ciência que investiga a natureza e a origem das doenças do homem de modo a preveni-las, controlá-las e curá-las, preservando assim a saúde das pessoas. Do ponto de vista filológico, a palavra deriva do verbo latino mederi, que significa curar e tratar. A ciência surge de forma empírica, como resultado de experiências com técnicas ainda rudimentares (como tomar banho frio para baixar a febre, por exemplo). Desenhos rupestres mostram que na pré-história o homem já reconhecia algumas doenças e o efeito terapêutico de plantas curativas, além do calor, frio e luz solar.

Na história do Ocidente, a origem da medicina se define ainda entre os gregos. Hipócrates, considerado o Pai da Medicina, nasceu na ilha de Cos, 460 anos a.C., tendo pertencido ao ramo de Cos da família Esculápio (ou Asclepíades) por descendência masculina. O termo esculápio é igualmente empregado para designar os médicos em geral, na medida em que praticam a arte de Esculápio (ou Asclepios), o Deus da medicina na época clássica.

O avô de Hipócrates, também médico, chamava-se igualmente Hipócrates, mas nunca alcançou a fama daquele que se tornou conhecido como o Pai da Medicina. Até hoje os recém-formados fazem, no dia da colação de grau, o juramento de Hipócrates por meio do qual prometem exercer a medicina com ética, seriedade e respeito aos pacientes.

Seguindo à risca o juramento de Hipócrates, o médico repete a todo instante, silenciosamente, como uma oração, os princípios ali encerrados. Ei-los: “Aplicarei os regimes para o bem do doente, segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal, nem um conselho que induza a perda. Conservarei imaculada minha vida e minha arte”.

Contudo, dando seqüência à historiografia, somente no final do Século XV é que se inaugura a medicina moderna, com o estudo da anatomia humana. Em 1543, o médico André Vesálio publica "A organização do corpo humano", com descrições e detalhes do corpo humano, representando um grande avanço na medicina ainda incipiente. Para conceber a obra, André usou a técnica de dissecação de cadáveres, tendo sido, por isso, condenado à morte pela Inquisição.

No Século XX, o Brasil se projeta internacionalmente, com destaque para os cientistas Carlos Chagas, Vital Brazil, Oswaldo Cruz e Gaspar Viana. No caso de Carlos Chagas, atribui-se a notoriedade à descoberta da doença de Chagas em 1909 numa criança em Minas Gerais, além do fato de ter revelado todos os seus aspectos, incluindo a cura. Lamentavelmente, a doença de Chagas ainda não foi erradicada do Brasil, onde cerca de 5 milhões de pessoas se encontram infectadas.

Outro célebre médico foi Vital Brazil. Nascido em Campanha, Minas Gerais, formou-se médico em 1891 pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Combateu epidemias de varíola, febre amarela e cólera no interior paulista, sendo responsável pela criação dos soros contra picada das cobras jararaca e cascavel. Em 1899, assumiu a direção do Instituto Butantã, especializado na produção de soros antiofídicos. Anos mais tarde fundou o Instituto Vital Brazil, voltado para elaboração de soros e vacinas.

Como o mais famoso, no entanto, não pode ser apontado outro senão Oswaldo Cruz, que se especializou em bacteriologia pelo Instituto Pasteur de Paris. Ao voltar da Europa, se engajou no combate à peste bubônica que se disseminava no porto de Santos, em São Paulo. Também combateu a febre amarela no Rio Janeiro quando ocupou o cargo de Diretor-Geral de Saúde Pública, que corresponde hoje ao de Ministro da Saúde.

Por fim, outro não menos famoso foi o paraense Gaspar Viana. Bacteriologista, ficou famoso pela cura da leishmaniose. A doença é provocada por um protozoário microscópico que se hospeda no mosquito transmissor, conhecido como mosquito-palha, menor que um pernilongo comum. A transmissão se dá pela picada.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, bem há pouco, foi publicado interessante estudo acerca do médico, seu trabalho e outras considerações da profissão no Brasil e, mais especificamente, na região Sudeste. Patrocinado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), o trabalho conclui, sinteticamente, que a decisão de ser médico deixou de ser fácil há tempos. E isso, seguramente, deve afetar tanto a qualidade da medicina praticada no País, quanto a qualidade dos médicos em exercício.

De acordo com os dados, no final de 2002, a região Sudeste comportava quase 140 mil médicos, ou seja, nada menos que 60% do total do País. Isso significa que, para mil habitantes da região, havia 1,85 médicos, quase o dobro da relação recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Aproximadamente, 70 mil profissionais estavam concentrados no Estado de São Paulo, ou seja, 50% do total da região. Embora o contraste com o resto do Brasil seja de uma realidade apavorante, o modelo distorcido acompanha de perto as mazelas sociais derivadas da iníqua curva da distribuição de renda no País.

Seguindo ainda as descobertas da pesquisa, apura-se que, em sua maioria, os médicos do Estado de São Paulo encontram-se em atividade (98,8%). São fortes os indícios de que a aposentadoria é, hoje, postergada ao máximo, em função do panorama econômico no País. Por isso mesmo, em todos os estados brasileiros, as razões econômicas prevalecem quando a pesquisa aponta que é grande o aumento do número de profissionais que exercem cinco ou mais atividades em medicina.

Como em todo o Brasil, o médico do Sudeste trabalha, predominantemente, no consultório e no setor público. Em relação ao tipo de vínculo estabelecido no consultório, quase 37% se realiza por meio de cooperativas de plano de saúde, enquanto 29% dos médicos declararam atender exclusivamente a pacientes particulares.

Outro dado colhido que merece reflexão mais detida se refere à compatibilidade das atividades acadêmicas com a prática da medicina. Apenas 10% dos médicos paulistas se dedicam exclusivamente à sala de aula. Na outra ponta, 90% dos profissionais dividem o exercício da docência com as atividades médicas.

Tal discrepância corrobora a tese de que, a permanecer o quadro como está, isso levará a comprometer a produção científica e a qualidade dos Programas de Pós-Graduação nas Universidades, sejam elas públicas ou privadas. Não obstante, cumpre esclarecer que, devido à remuneração precária, a atividade acadêmica não representa sequer 30% dos rendimentos mensais totais para 78,9% dos que lecionam.

Nos últimos cinco anos, mais da metade dos médicos da região Sudeste reconhece a elevação de sua competência técnica e da sua jornada de trabalho. Mais que isso, metade desse contingente registrou, também, o crescimento do seu prestígio profissional. Em compensação, assim como nas demais regiões do País, todos constataram uma forte redução de seus ganhos mensais. A renda mensal individual de 46,3% dos médicos em São Paulo é de até 2 mil dólares, ao passo que aqueles cuja renda ultrapassa os 4 mil dólares reúnem apenas 11,8% da categoria.

Em suma, a conjuntura econômica na qual os médicos estão inseridos no Brasil não parece sugerir dias melhores no horizonte próximo. Para os pesquisadores, o ânimo do médico brasileiro flagra uma imagem ligeiramente esmorecida e desmotivada, refletindo o desalento com os descaminhos da saúde pública e suplementar no Brasil.

Mesmo assim, quando os rendimentos caem, costumam trabalhar mais; quando vêem o mercado de trabalho se estreitar, se especializam; e, quando sentem que a medicina faz pouco pelas pessoas, encontram um paciente para cuja sobrevivência sua atuação é decisiva e, assim, acabam por renovar as forças e a esperança.

Sr. Presidente, por fim, não seria por demais descabido recordar que o Dia do Médico coincide com a data em que, no calendário cristão, se homenageia São Lucas, padroeiro desses profissionais. O santo nasceu em Antioquia (atual Turquia), numa família pagã, e converteu-se ao cristianismo. Segundo os relatos, era médico e curou muitas pessoas nos locais por onde passou.

Para concluir, ao passar em revista a medicina, o médico e sua história no Brasil, presto singela homenagem ao profissional da saúde, com a convicção de que, além da nobreza humanística da arte de curar, sua relevância para a construção de um povo melhor e mais produtivo é de inegável valor político. Em especial, aos demais Senadores-médicos presentes, reitero minhas congratulações pela passagem da data, exaltando a imensa contribuição que o conhecimento médico tem, historicamente, emprestado ao Senado Federal nas formulações, nos debates e nas votações de nossas leis.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/10/2005 - Página 35394