Discurso durante a 183ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre a divisão social que impera no país e no Estado do Rio de Janeiro.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. POLITICA SOCIAL.:
  • Reflexões sobre a divisão social que impera no país e no Estado do Rio de Janeiro.
Publicação
Publicação no DSF de 20/10/2005 - Página 35454
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ELOGIO, PRONUNCIAMENTO, CRISTOVAM BUARQUE, SENADOR, INCOERENCIA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, FALTA, PRIORIDADE, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, POPULAÇÃO.
  • COMENTARIO, HISTORIA, FAVELA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), REGISTRO, EXISTENCIA, DISCRIMINAÇÃO, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA.
  • ELOGIO, PROGRAMA, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ASSISTENCIA, POPULAÇÃO, FAVELA, CRITICA, INJUSTIÇA, PARCELA, OPINIÃO PUBLICA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, ACUSAÇÃO, RESPONSABILIDADE, PROVOCAÇÃO, CRESCIMENTO, INVASÃO.
  • ANALISE, EFEITO, CONCENTRAÇÃO, MERCADO DE TRABALHO, AUMENTO, DESIGUALDADE SOCIAL, BRASIL, DEFESA, RESPONSABILIDADE, PODER PUBLICO, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, PRIORIDADE, PAGAMENTO, JUROS, DIVIDA PUBLICA, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, DEFESA, IMPORTANCIA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, HABITAÇÃO.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há pouco, escutamos todos, com muita atenção, o discurso do Senador Cristovam Buarque, ironicamente intitulado de insignificâncias ou conjunto de insignificâncias, em que abordou temas que, todos sabemos, são as maiores prioridades do Brasil de hoje. O discurso de S. Exª é extremamente oportuno, magnífico, inteligente. Falou exatamente do desencontro de prioridades entre o que é realmente prioritário para a Nação e para a sociedade e das prioridades da política econômica governamental, que se concentra no pagamento de juros.

Antes de mim, compareceu a esta tribuna o Senador Ramez Tebet, apontando mais um caso de desencontro de prioridades, quando reclamava os recursos que deveriam ter sido aplicados na prevenção da febre aftosa e que foram naturalmente congelados, contingenciados para o superávit, que se destina ao pagamento de juros.

Esse desencontro de prioridades tem de ser resolvido. É claro que o Congresso Nacional, especialmente o Senado, tem de dar importância primordial ao tema. O discurso do Senador Cristovam Buarque segue essa linha. É claro que temos de atender aos reclamos da consciência ética do País, de cuidar das investigações e dos atos cometidos, de punir etc. É claro que tudo isso é importante. Mas isso não pode absorver tão completamente esta Casa e a Casa irmã do Congresso Nacional, a Câmara dos Deputados, a ponto de nos omitirmos ou de protelarmos a discussão, o debate e a formulação de soluções para as verdadeiras prioridades, muito bem apontadas pelo Senador Cristovam Buarque, que as denominou ironicamente de insignificâncias.

Venho a esta tribuna abordar um outro ponto que tem muito a ver com isso tudo: as favelas do Rio de Janeiro. De tempos em tempos, a minha cidade, o Rio de Janeiro, vê-se assolada por uma manifestação de ondas de ojeriza a favelas, ondas de pânico, como se elas fossem verdadeiros focos de banditismo e morada de bandidos e criminosos de todo tipo. É uma espécie de horror às favelas, com a imprensa repercutindo e criando esse sentimento que, no início dos anos 60, resultou numa política de remoção de favelas, remoção violenta e antidemocrática, que deslocou grandes populações para a formação de bairros muito distantes do mercado de trabalho, exigindo da população gastos com deslocamento muito grande. Isso acabou por criar aglomerados, comunidades que têm todas as características de favela, só que não se situam nas proximidades da Zona Sul, onde se concentra a população de maior poder aquisitivo do Rio de Janeiro.

Isso é recorrente no Rio de Janeiro. De tempos em tempos, essa ojeriza às favelas se manifesta e chega ao ponto - como está chegando agora - de condenar um dos melhores programas e reconhecidamente mais louvável em relação ao atendimento dos serviços públicos das favelas, à melhoria da condição de vida dos favelados, que é o Programa Favela-Bairro. Esse programa produziu melhorias - claro que muito aquém do necessário - nas condições de vida de várias favelas do Rio de Janeiro, recebeu apoio e reconhecimento internacional e praticamente unânime das forças políticas do Rio de Janeiro. Foi um programa desenvolvido principalmente pelo Prefeito César Maia, que é adversário político nosso, mas nenhum de nós deixou de reconhecer a importância desses programas.

Esse programa produziu melhorias em muitas favelas e, como conseqüência, atraiu moradores do Rio, e as favelas cresceram. Então, surgiu, essa manifestação, essa onda de ojeriza, apontando os Programas Favela-Bairro como causadores do crescimento das favelas do Rio de Janeiro. A que ponto chega a irracionalidade, a inversão dos fatos, das verdadeiras razões em busca do que, afinal de contas, pretende essa parcela da população do Rio e toda uma mídia que alimenta essa onda, mais uma vez, pela remoção e eliminação das favelas, pelo menos no horizonte da classe média da Zona Sul do Rio de Janeiro.

Isso é absolutamente impossível até no interesse do funcionamento da economia doméstica dessas regiões da cidade. A favela, como muito já se disse na história do Rio, não constituiu problema, mas solução, solução para ambas as partes. Para as populações carentes, que precisam morar perto do mercado de trabalho, porque não têm dinheiro, não têm recursos para grandes deslocamentos, e não há serviços públicos de transporte eficientes que tivessem sido objeto de investimento ao longo da história da cidade. Assim as populações carentes, pobres, se amontoam nas proximidades dos seus mercados de trabalho, que são os serviços que prestam à classe média e às classes mais ricas da cidade.

Por outro lado, para essas classes também foi uma solução, porque têm a sua mão-de-obra doméstica residindo ali perto, o que dá uma certa comodidade, sem necessidade de despender muito mais recursos, pagando o deslocamento dessas populações.

Enfim, Sr. Presidente, Srs. Senadores, esse problema é secular, existe no Rio de Janeiro há muito tempo. Essas ondas se manifestam, mas, no fundo, a realidade é que toda a política econômica que, há séculos, adotou-se no Brasil desde os tempos da escravidão, como ressaltou o Senador Cristovam Buarque, acaba produzindo esses efeitos.

A favela é efeito do mercado. Quem produz a favela, no fundo, é o chamado mercado de trabalho, o mercado da economia de um modo geral, que concentra poder e riqueza nas mãos de cada vez menos pessoas e colocam na carência, colocam na exclusão, colocam na pobreza, uma massa cada vez maior.

O funcionamento automático desse mercado é implacável, porque o mercado é o lugar onde comanda aquele que tem dinheiro. O mercado é comandado por quem tem poder aquisitivo, por quem tem grande massa de poder econômico. Por si mesmo, ele é intrinsecamente concentrador. São necessárias políticas públicas, partidas dos governos, para contrabalançar essa tendência do mercado e produzir a redistribuição e o atendimento mais justo das necessidades e reivindicações da população mais carente.

Sr. Presidente, faltam essas políticas públicas, a começar pelo restabelecimento das prioridades fundamentais, que deve deixar de ser o pagamento de juros. A cada ano, a Nação brasileira recolhe R$150 bilhões da sua população e destina a 1% - se tanto - dos brasileiros que detêm os títulos da dívida pública. Isso realmente é um absurdo! Essa massa gigantesca de dinheiro desfalca os investimentos, não apenas econômicos, de infra-estrutura, etc, mas os investimentos sociais, que são imprescindíveis para preencher esse fosso e curar essa doença da sociedade brasileira.

A Nação brasileira sofre da doença da desigualdade, da injustiça flagrante, que vem, desde o século XIX, com a escravidão; que se perpetuou pela falta das políticas públicas de preenchimento desse fosso; que se vai cristalizando; e, cada vez mais, tensionando a dividida sociedade brasileira.

Essas políticas públicas são essenciais, a começar pela educação, que é o investimento mais eficaz para mudar a conformação social, a estrutura de uma sociedade. O investimento mais eficiente para produzir essa mudança é o investimento em educação, como tantas vezes reclama aqui o Senador Cristovam Buarque.

Outro investimento necessário é em habitação para as populações carentes, que não podem pagar preços de mercado, mas precisam das políticas de subsídio para habitação digna desse conjunto de brasileiros que são os favelados, que hoje se espalham por todas as cidades do meu Estado e, eu diria, do nosso País.

Sr. Presidente, fazer investimento de natureza social é fundamental se quisermos uma Nação, uma sociedade justa e, ao mesmo tempo, viável. Há um engano fundamental por parte das pessoas que pensam ser possível controlar as tensões sociais com a polícia pela força, quando a sociedade harmônica se viabiliza não pela igualdade absoluta, mas com o mínimo de atenção para com essa divisão social e essa absurda desigualdade e injustiça que imperam no Brasil. E isso depende de políticas públicas; mercado não resolve. O que resolve é política pública destinada a esse e fim e não, evidentemente, destinada a gerar superávit para pagar juros na proporção que o Brasil vem fazendo nesses últimos tempos.

Sr. Presidente, agradeço a atenção e a tolerância de V. Exª.

Cumprimento, mais uma vez, o Senador Cristovam e o Senador Ramez Tebet, que abordaram questões importantes relativas a essas prioridades, e dou por encerrada a minha participação.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/10/2005 - Página 35454