Discurso durante a 183ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupações com relação ao referendo das armas. Posição oficial do PT sobre o referendo do desarmamento. (como Líder)

Autor
Sibá Machado (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Machado Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA PARTIDARIA.:
  • Preocupações com relação ao referendo das armas. Posição oficial do PT sobre o referendo do desarmamento. (como Líder)
Aparteantes
Cristovam Buarque, César Borges, Gilberto Mestrinho, Heloísa Helena, Roberto Saturnino.
Publicação
Publicação no DSF de 20/10/2005 - Página 35455
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • ANALISE, PROPAGANDA, NATUREZA POLITICA, REFERENDO, ESTATUTO, DESARMAMENTO, COMENTARIO, LEGISLAÇÃO, PROTESTO, INJUSTIÇA, DESIGUALDADE SOCIAL, AQUISIÇÃO, ARMA DE FOGO, DISCRIMINAÇÃO, CLASSE SOCIAL, BAIXA RENDA.
  • REGISTRO, DECISÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), APOIO, PROIBIÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, ARMA DE FOGO.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC. Pela Liderança do Bloco/PT. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, aproveito para fazer um link com as palavras do Senador Roberto Saturnino, pois, segundo ele, as pessoas que têm mais dinheiro acabam determinando, no mercado, também as condições sociais e políticas.

Eu quero falar a respeito do referendo das armas. Trago a posição oficial do PT sobre o assunto, mas, antes de lê-la, eu gostaria de fazer algumas considerações bastante pessoais.

Ouvi, na televisão e no rádio, comentários e debates sobre o Não e o Sim e trago as seguintes preocupações: o Não, Srª Presidente, acusa o Estado brasileiro de se omitir quanto à segurança pública; admite que as pessoas de bem precisam de autodefesa e, portanto, têm o direito de usar arma de fogo, ainda que fique na sua casa; que sem isso, essas pessoas de bem ficarão à mercê de bandidos que traficam armas de fogo e que poderão, a partir de então, abusar de assaltos, seqüestros, roubos, etc; que o Não significa um direito à vida; que a proibição poderá aumentar o comércio clandestino de armas.

Aqui, destaco alguns pontos que considero muito estranhos, Srª Presidente: quem pode comprar arma de fogo e munições? Os mais ricos! Quem, nesse caso, passa a ser um “cidadão de bem”? Os que podem comprar uma arma de fogo, portanto, os mais ricos? Quem, aqui, pode praticar autodefesa, Srª Presidente? Mais uma vez, os mais ricos! Quem poderá ter licença para atirar em alguém a título de autodefesa? Mais uma vez, os mais ricos!

Quanto aos mais pobres, Srª Presidente, os mesmos não podem comprar uma arma de fogo, nem munição. Se não podem fazer isso, não são cidadãos de bem. Se não são cidadãos de bem, poderão ser chamados, agora, de cidadãos de mal e não poderão usufruir do direito da autodefesa; não poderão, jamais, atirar em alguém, mesmo em autodefesa, mesmo que seja em um bandido. Se, porventura, algum desses cidadãos comprar uma arma de forma clandestina, poderá ser tratado como bandido, podendo, então, receber um tiro da polícia ou mesmo de um daqueles cidadãos de bem que poderá ter uma arma, legalmente, em sua casa.

O que fazer então, Srª Presidente?

Posso concordar com o Não no que diz respeito à segurança pública. O Estado brasileiro está deficiente quanto à segurança pública e isso é uma verdade. O Não tem razão, também, quanto ao direito das pessoas de se defenderem, caso o Estado brasileiro falhe, mas desde que isso valha para todas as pessoas. Não pode haver escolha dos que podem ou não comprar uma arma.

Se for assim, sugiro, então, que o Estado brasileiro garanta a todas as pessoas o direito à autodefesa; que destine uma arma de fogo e munição suficiente para todas as pessoas maiores de 16 anos, a fim de que todas sejam cidadãs de bem no Brasil e possam, a partir de então, atirar em pessoas que possam ser classificadas como bandidos, em legítima defesa; que o Estado brasileiro crie uma escola de tiro ao alvo em todos os bairros, de todas as cidades, e abra uma escola de defesa pessoal para todas as pessoas, em todas as cidades, para que todos possam fazer artes marciais e, assim, praticar melhor a sua autodefesa.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Permite-me um aparte, Senador?

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) - Concedo já o aparte.

Srª Presidente, o Brasil não é Iraque, Palestina, Israel, Afeganistão ou Paquistão, países que vivem outros tipos de guerra e onde, portanto, pode caber, sim, o direito de haver arma na mão do povo.

Ouço, com atenção, o Senador Saturnino.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Quero apenas cumprimentar V. Exª, Senador Sibá, pela lucidez do seu pronunciamento, porque é isso mesmo. Há a invocação do direito de se possuir arma de matar - quer dizer, no fundo, trata-se de uma invocação do direito de matar em certas circunstâncias -, mas que estaria restrito a uma pequena parcela da população brasileira, que é aquela que pode, que tem condições econômicas de possuir arma. A defesa da população é uma obrigação do poder público e não é um direito individual da pessoa portar arma para se defender. Aliás, essa é uma defesa ilusória, porque em 90% dos casos o bandido tem muito mais habilidade para manejar a arma do que o chefe de família, iludido com a sua posse. V. Exª faz um pronunciamento muito lúcido e oportuno. Espero que encontre audiência ampla neste País, para que o referendo de domingo traduza a posição certa, de interesse e de defesa da vida do povo brasileiro.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) - Muito obrigado, Senador Saturnino.

O Sr. César Borges (PFL - BA) - Senador Sibá Machado, muito rapidamente.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) - Srª Presidente, V. Exª me concede mais dois minutos, por favor, se possível?

A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - Já foram concedidos dois minutos, mas vou conceder mais dois minutos a V. Exª.

O Sr. César Borges (PFL - BA) - Agradeço a V. Exª e à Presidente a oportunidade. Quero apenas parabenizar V. Exª pelo seu raciocínio e pelo seu pronunciamento. Há vários equívocos sendo colocados para a opinião pública brasileira. Um deles é esse falso direito de alguém ter uma arma para tirar vida, que é um bem irreparável. E olhe que estamos falando de vida humana, e tanto faz a vida do cidadão de bem como até a de um pobre que pode, eventualmente, ser confundido, como foi agora um dentista, e assassinado pela própria polícia. Veja que mal pode a arma causar, inclusive na mão de policiais. Imagine nas mãos daqueles que não estão preparados para usá-la. Portanto, parabenizo V. Exª e vamos esperar que, realmente, a consciência do cidadão de bem, do pai de família brasileiro possa falar mais alto nesse final de semana, no domingo, e que ele vote pelo “sim”. É o que espero. Será um passo pequeno mas importantíssimo para a cultura da paz e de uma sociedade menos violenta. Parabenizo V. Exª.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) - Muito obrigado, Senador César Borges.

Senador Cristovam.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - É no mesmo sentido, Senador Sibá, ou seja, parabenizá-lo, solidarizando-me com a sua posição. Arma é para matar. Mesmo que alguns digam que ela mata para defender, ela serve para matar. Hoje, no Brasil, por causa desse plebiscito, a arma está matando inclusive a lógica, o Direito, quando diz que é um direito ter arma. Daqui a pouco, será um direito, também, carregar granada, metralhadora. E vai chegar o dia da bomba atômica e das armas químicas.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) - Estarão liberadas.

O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Então, isso é um absurdo. Conversando com jovens que vão votar, perguntei-lhes: “Vocês acham que os bandidos vão votar “sim” ou “não”? Eles disseram: “Os bandidos vão votar ‘não’.” Então, quem vota pela arma está votando com os bandidos.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) - Obrigado, Senador Cristovam.

Senadora Heloísa.

A Srª Heloísa Helena (P-Sol - AL) - Eu devo fazer um aparte porque a posição no P-Sol não é de neutralidade, mas de absoluto respeito pelas mulheres e homens de bem e de paz que são militantes do Partido. Por argumentos distintos, há gente, Senador Cristovam, que vota “não” e é pessoa de bem e de paz, que é militante do P-SOL e que, por argumentos distintos votam “não”. Há gente que vota “não”, Senador Cristovam Buarque, e é pessoa de bem e de paz; como há gente que vota “sim” e é pessoa de bem e de paz. O problema é a forma como o debate está colocado na televisão: há mentiras, cinismo e dissimulação dos dois lados, comportamento que oscila entre o comportamento fascista e o comportamento demagógico dos dois lados. Por isso, é um debate muito ruim pela forma como está sendo caracterizado. Isso porque o rico continuará tendo o direito de ter arma em casa. Ele pode ser liberado. O rico continuará tendo o direito de matar o pobre que entrar em sua casa, pela sua firma de vigilância, que poderá portar arma e poderá matar do mesmo jeito. Por isso, esse é um debate que está oscilando entre o “fascistóide” e o demagógico, de um lado ou do outro. Isso porque tem rico ladrão também, que rouba o espaço público. Não dá para dividirmos... Vejo com tranqüilidade, pois, às vezes, as pessoas dizem que quem teve alguém morto por arma de fogo passa, imediatamente, a ter uma posição diferente. Isso não é verdade. Eu, pelo menos, dentro do P-SOL, sei que existem pessoas de bem e de paz que votam “sim”, do mesmo jeito que tem gente mentirosa, demagógica que vota “sim”. No caso do “não”, é do mesmo jeito. Por isso, o debate está sendo feito de forma absolutamente complicada. Quando eles mexem nos números... Eu sempre tive pavor de arma de fogo, até porque eu tive um irmão que morreu assassinado com um balaço de arma calibre 12. Com era filho de pobre, nunca acharam quem o matou. Sempre tive pavor dessas histórias de arma de fogo, mas também não se pode colocar desse jeito, porque, da mesma forma, pessoas que tem matador na família dizem que votam “sim”; pessoas que andam com gente armada até os dentes dizem que votam “sim”, como se fossem da cultura da paz. Do mesmo jeito que tem gente que está dizendo “não”, que isso é uma farsa, que é um debate que deveria ser tratado de outro jeito... Então, por isso é melhor não segmentarmos e dizermos assim: quem é da cultura da paz vota de um jeito e quem é da cultura da morte vota do outro. Do mesmo jeito, uns dizem assim: quem vota “não” é porque está financiado pela bancada da bala; aí os da bala dizem que quem vota “sim” está financiado pela bancada da bola, que está ganhando dinheiro de seguradoras. Tratar o debate dessa forma, com esse maniqueísmo, acaba não contribuindo para um debate qualificado, programático, que é necessário. Então, no nosso caso específico, aproveitei o aparte para dizer a V. Exª que acredito que tem gente de bem e de paz que vota “sim” e tem gente de bem e de paz que vota “não”. Pode até parecer estranho, porque são argumentos completamente distintos, mas esse maniqueísmo não serve, porque ele acaba corroborando com o demagógico e o “fascistóide”, que também não leva a absolutamente nada. Portanto, esse referendo perdeu a oportunidade de fazer o grande debate sobre segurança pública, sobre os aspectos estruturais da cultura da violência, da criminalidade, sobre o que significa a paz. Perdeu a grande oportunidade, porque, de um lado, ficou o comportamento “fascistóide” e, do outro, o demagógico e acabou não se fazendo o debate que é necessário e que não é - eu sei - o pensamento de V. Exª, Senador Sibá, não tenho dúvida disso. Todavia, apenas para evitar esse maniqueísmo que efetivamente acaba escondendo de um lado ou de outro o que também está por trás de personalidades que, infelizmente, acabam não expressando a absoluta verdade.

A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - Senador Sibá Machado, V. Exª já excedeu o seu tempo, mas vou conceder-lhe mais um minuto.

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - Senador...

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) - Ouço o Senador Gilberto Mestrinho.

Quero dar como lida a nota do PT sobre a posição do Partido, que é pelo “sim”, e gostaria de incluir no meu pronunciamento este artigo do Emir Sader, que considero também muito importante. Pela exigüidade do tempo, não será possível lê-lo. Assim, peço a V. Exª que os considere lidos.

Nesses quarenta segundos que restam, quero ouvir o Senador Gilberto Mestrinho.

A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - Será registrado, conforme o Regimento, nos Anais do Senado.

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - Senador Sibá Machado, estamos discutindo o sexo dos anjos. Não vamos chegar a resultado nenhum, porque a segurança é um dever do Estado. Foi dito aqui pelo Senador Saturnino e o Bobbio já dizia isso há muito tempo, que quando o Estado não tem condições de dar segurança à cidadania, ele não tem razões de existir. Então, o nosso Estado brasileiro não tem condições de dar segurança a ninguém, primeiro princípio. O segundo princípio é que o bandido tem armas modernas que não se compram em lojas. Então, proibir o desarmamento, com as fronteiras e os aeroportos que temos, também é outra tolice. Sabe quem vai ser prejudicado? São os da minha região, da sua região, é o homem que não vive nos grandes centros, mas nos antigos seringais, que precisa de uma arma para se defender das feras - não é para matar os outros, mas as feras. E, para conseguir essa arma, vai ter de andar dias e dias para ir à Polícia Federal, aonde, ao chegar, será insultado. Não vai conseguir arma e não vai poder pagar as taxas. Essa é a realidade. Então, é uma tolice essa questão de desarmamento. Por isso, vou votar “não”.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC) - Agradeço as opiniões colocadas. Quero voltar na sexta-feira com o mesmo tema, mas com os pontos de vista contrários, com certeza. Solidarizo-me com os demais, mas voltarei com o mesmo tema na próxima sexta-feira.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR SIBÁ MACHADO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“Artigo de Emir Sader: ”Menos armas, mais vidas”.

Menos armas, mais vidas.

O Partido dos Trabalhadores defende o voto no SIM no referendo do próximo dia 23 de outubro. O PT acredita que a proibição da venda é um instrumento importante na diminuição do número de mortes causadas por armas de fogo. A vitória do SIM é um passo importante na direção de dificultar o acesso às armas de fogo e munição, reforçando mecanismos democráticos de restrições e controle das armas já consolidados no Estatuto do Desarmamento.

A campanha dos defensores do "não" tem assumido um caráter cada vez mais conservador, protagonizada por setores e discursos autoritários, nitidamente contrários a uma política de defesa dos direitos humanos e valorização da vida.

Neste sentido, o PT orienta seus diretórios estaduais e municipais, parlamentares, lideranças e dirigentes a reforçarem, nesta reta final, a campanha do SIM.

O PT orienta a realização de atos públicos, manifestações e mobilizações de todos os tipos em defesa do SIM. Além disso, o PT considera importante que sua militância vá votar, deixando clara nossa opção em defesa da vida, contra a lógica mercantil e em defesa de controles democráticos e civilizatórios por parte do Estado. É fundamental a mobilização cidadã em defesa do SIM no próximo domingo, 23 de outubro.

Menos armas, mais vidas.

Partido dos Trabalhadores

A esquerda e o referendo

Por Emir Sader

O debate sobre a limitação da venda de armas parece embaralhar-se. Por um lado, há alinhamentos claros, que não nos deixam levar ao engano: o MST está a favor e a UDR está contra. Quem é vítima da violência dos donos da terra, com seus jagunços, afirma que, mesmo que sejam proibidas, os latifuniários continuarão a armazenar armas, para seguir tentando impor o reino do terror no campo. Dirigentes da UDR declaram isso à imprensa, com seus nomes e sobrenomes, impunemente. Enquanto os sem-terra se empenham na campanha de desarmamento, de proibição da venda de armas.

Várias lições devem ser tiradas desses dois alinhamentos. Em primeiro lugar, confirma, para quem ainda não estava convencido, quem é o agente e quem é a vítima da violência no campo brasileiro. Quem se interessa em seguir armando-se - a UDR - representa o poder secular dos proprietários de terra improdutivas, que armam seus capangas para impedir que milhões de trabalhadores, pacificamente, ocupem as terras ociosas e trabalhem no campo para seu sustento, além de abastecer a cidade com sua produção. Os latifundiários, por sua vez, pretendem perpetuar seu poder, fundado em leis injustas, em Judiciários coniventes, em polícias a seu serviço e, como se já não bastasse, em bandas paralelas de jagunços. Antes de tudo, pelos milhões de trabalhadores do campo, temos de votar sim.

Mas esse alinhamento demonstra também que uma conquista fundamental para o Brasil - a reforma agrária - requer o desarmamento, e não o armamento dos conflitos. Que a militarização dos conflitos só levará a generalizar o massacre das populações do campo, desvalidas diante do poder do dinheiro e das armas dos latifundiários. Ensina também que a força da esquerda está na mobilização popular - como a que o MST promove, na consciência que os trabalhadores rurais, suas famílias, suas crianças, vão ganhando em suas escolas, em seus seminários, em seus projetos de formação. Que a força da esquerda reside na justeza de suas reivindicações - terra para quem quer trabalhar -, na ideologia que a mobiliza - justiça social, solidariedade, democracia participativa.

A luz dos enfrentamentos sociais mais violentos da história brasileira é um farol suficientemente definidor para julgar se a proliferação de armamentos nas mãos privadas é boa ou é ruim. Estar do lado do MST, da sua necessidade de resolução pacífica dos conflitos, ou do lado da UDR e das suas formas violentas de defesa dos seus interesses.

Enquanto isso, em um mundo totalmente oposto, pessoas alegam o direito individual de cada um decidir sobre ter ou não ter armas. Confundem o direito privado da opção por uma religião ou por não ter nenhuma, por um time de futebol, por uma identidade sexual, com o direito de ter armas. Aqueles são perfeitamente legítimos, enquanto não prejudiquem os direitos de outras pessoas.

O direito à arma, não é o do colecionador, mas o de quem se dispõe a usá-la ou corre o risco de que outro a tome para usá-la - como demonstram fartamente as estatísticas - ou que acidentalmente provoque danos em terceiros. Trata-se de um direito que afeta diretamente o direito à vida dos outros e que não pode estar circunscrito à idiossincrasia da escolha individual de cada um, mas regulada pelas normas de convívio pacífico entre as pessoas e conforme o Estado de direito. Da mesma forma que o fumo é regulado, porque afeta os outros.

Mas se voltarmos aos alinhamentos, veremos que Jair Bolsonaro é um dos mais ativos militantes da venda livre de armamentos, assim como a revista Veja. Esta, seguindo as orientações bushistas que defende no Brasil, alinhou apenas argumentos contra a limitação da venda de armamentos. Questionada pelo ombudsman da Folha de S. Paulo sobre a unilateralidade da posição da revista, seu editor, de forma coerentemente totalitária como tem agido a publicação, respondeu que não havia dois lados, apenas um. Isto é, suprime o adversário - como faz editorialmente, a cada semana, eliminando os argumentos que se opõem à sua cada vez mais frágil argumentação, até esse limite: não há argumentos contra seus argumentos. Quer usar a revista como arma de extermínio do outro e, coerentemente, prega o voto contra a limitação da venda de armamentos.

A esquerda é republicana, é pela resolução pacífica e justa dos conflitos - individuais e coletivos -, é pela extensão do Estado de direito, pela reconstrução das polícias a serviço do cumprimento das leis e dos direitos da cidadania, é contra a indústria armamentista, contra as guerras e a violência. (O PSTU alega que isso impediria que um povo, como o venezuelano, pudesse pegar em armas. O comércio livre de armas na Venezuela favorece aos golpistas de direita, as FFAA venezuelanas garantem os direitos conquistados pelo povo daquele país. O PT se pronunciou pelo sim. Outras forças de esquerda estão caladas - confusas ou coniventes). A esquerda vota sim ao controle da venda de armamentos.

Emir Sader, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor, entre outros, de “A vingança da História".

Artigo originalmente publicado no site da Agência Carta Maior.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/10/2005 - Página 35455