Discurso durante a 183ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Justificativas do Fórum Sindical dos Trabalhadores de MS pelo voto "não" no referendo do próximo domingo, favorável a comercialização de armas de fogo.

Autor
Juvêncio da Fonseca (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MS)
Nome completo: Juvêncio Cesar da Fonseca
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Justificativas do Fórum Sindical dos Trabalhadores de MS pelo voto "não" no referendo do próximo domingo, favorável a comercialização de armas de fogo.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 20/10/2005 - Página 35525
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • DECLARAÇÃO DE VOTO, REFERENDO, OPOSIÇÃO, DESARMAMENTO, CIDADÃO, REITERAÇÃO, JUSTIFICAÇÃO, MANIFESTO, ENTIDADES SINDICAIS, TRABALHADOR, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), ESCLARECIMENTOS, POPULAÇÃO, INEXISTENCIA, PORTE DE ARMA, DIFERENÇA, REGISTRO, NECESSIDADE, ATUAÇÃO, ESTADO, COMBATE, CRIMINOSO, DEPOIMENTO, AUTORIDADE, IGREJA CATOLICA, LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, QUESTIONAMENTO, POLICIA.

O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PSDB - MS) - Obrigado, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, em uma comunicação inadiável, dei conhecimento à Casa de um manifesto do Fórum Sindical dos Trabalhadores de Mato Grosso do Sul, assinado por 93 sindicatos de trabalhadores, pelo voto “não”. E o que estou reafirmando aqui são as justificativas feitas por esse fórum de trabalhadores para o voto “não”, para o voto contra o desarmamento.

E eu repito essa justificativa. A lei atual já proíbe o porte de arma nas ruas, em logradouros públicos. A lei só autoriza o cidadão a ter sua arma em casa, para defesa da sua família, da sua vida, dos seus bens. Tomar a arma do chefe de família é premiar o marginal sem combater a criminalidade, e o combate à violência deve começar com o combate à miséria, ao desemprego e à injusta distribuição de renda, que tanto penaliza o trabalhador brasileiro.

E seguem 93 assinaturas de sindicatos de trabalhadores. E por que eu digo que a justificativa desse manifesto é importante? Porque o manifesto é claro e traz uma explicação para o povo brasileiro, que ainda não está perfeitamente orientado para exercer o seu voto com consciência.

Diz o manifesto dos trabalhadores que se vai desarmar apenas o cidadão chefe de família. E é verdade. O art. 5º da lei do desarmamento diz o seguinte:

O certificado de registro da arma de fogo, com validade em todo o território nacional, autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior da sua residência ou domicílio, ou dependência desses, ou ainda no seu local de trabalho, ou seja, o responsável titular pela empresa.

Portanto, fora do dispositivo do art. 5º da lei do desarmamento, não há porte de arma, mesmo porque o art. 6º dessa mesma lei já proíbe em todo o território nacional o porte de arma, fora da residência e fora da titularidade da empresa.

Todo e qualquer fato que ocorra lá fora e que mostre um porte de arma na rua, é porte de arma ilegal. E mesmo o cidadão que tem o registro da sua arma, não o porte, segundo o art. 5º, na sua casa, devidamente registrada por meio da Polícia Federal, não pode sair à calçada da sua casa, não pode levar essa arma de fogo na sua pasta, não pode conduzir essa arma no seu carro.

Portanto, é bom que se explique à população, a fim de que ela entenda bem essa questão de desarmamento: existe o porte de arma e existe o registro da arma. O registro da arma é para o chefe de família na sua casa, para defender seus bens, sua vida e de seus familiares. Isso é registro da arma! Porte de arma está proibido para o cidadão comum na rua, nos logradouros públicos, e é permitido apenas para as autoridades enumeradas no art. 6º da mesma lei: policiais militares, policiais civis, Forças Armadas e outras autoridades.

Qual a razão, então, para o desarmamento que está proposto nesse referendo, nessa lei do desarmamento? Os que defendem o desarmamento, ou seja, o voto “sim”, têm como justificativa ser insuportável para o Brasil continuar sendo o campeão mundial da violência com arma de fogo, com os homicídios com arma de fogo. E somos, sim, os campeões mundiais dessa violência! Mas a culpa por esse campeonato, que é nosso, não pode, de forma alguma, ser do chefe de família dentro da residência.

            O primeiro culpado é o próprio Governo, porque é a ausência do Estado, é a impunidade que grassa nas ruas, nos logradouros públicos, entre civis e entre militares da própria polícia com os bandidos, com as quadrilhas. O crime organizado é que leva a essa violência exacerbada nas ruas, inclusive naquelas regiões onde sequer o Estado tem condições de entrar, porque os bandidos já tomaram conta delas, como acontece nas regiões metropolitanas: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e outras. Nesses lugares, a impunidade, a incompetência do Estado, a desestruturação da própria polícia oferece esse espetáculo da nossa copa do mundo da violência com arma de fogo.

            Agora, para acabar com essa violência, vamos desarmar quem? Segundo o Estatuto e a proposta do referendo, exclusivamente o chefe de família, ninguém mais. E ainda, o chefe de família, da sua residência, se sair para sua calçada com uma arma de fogo, ou entrar no carro, ou for para a rua, também já está cometendo crime de porte ilegal de arma de fogo. À justificativa de ser pela vida e contra as armas porque está demasiada a violência nas ruas se contrapõe a necessidade de ação do Estado, para que haja condições de diminuir a violência com arma de fogo.

Porém, o próprio Ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos, numa afronta à nossa inteligência, disse - e as emissoras de televisão transmitiram - que o desarmamento não pretende desarmar o bandido.

Sr. Ministro, o que pretende o desarmamento? Só desarmar o chefe de família?

A interpretação que tenho dessa declaração é justamente essa. Mas, Sr. Ministro, não dê uma declaração dessa. A família brasileira não aceita desarmar o homem honesto, o chefe de família. Não aceita que não se tenha a pretensão de desarmar o bandido, como foi dito pelo próprio Ministro da Justiça. E acrescento que a pretensão é evitar os acidentes com arma de fogo.

Meu Deus, as estatísticas estão aí, acidentes com arma de fogo, 0,16% de todas as mortes por arma de fogo neste País. Não faça uma declaração dessa. Afirmações como essa do Ministro da Justiça tornam a população perplexa, sem saber como votar.

Mas o homem brasileiro, a mulher brasileira, o jovem brasileiro sabe perfeitamente que esta violência que está nas ruas, que nos traz esse malfadado campeonato mundial, não é culpa do homem comum, do homem honesto e do chefe de família. É culpa, justamente, de ausência na repressão da violência. É a impunidade que grassa neste País, a impunidade. Agora, dizem que o chefe de família, dentro da sua casa, não pode ter arma, porque arma é para matar. Mas no exercício da legítima defesa, dentro da minha casa, defendendo a minha integridade física, defendendo o meu patrimônio, a minha casa, o meu domicílio, os meus familiares, nesse exercício da legítima defesa, me tiram da mão o único instrumento que eu tenho para repelir a injusta agressão. É justo? É constitucional? Não é! Não é! Porque, dentro de casa, quando chamamos a Polícia para debelar uma violência, a Polícia não chega, a Polícia não chega; muito embora, nas corporações militares e civis do sistema de segurança brasileiro, nós tenhamos policiais que são verdadeiros heróis, que ainda vão para a rua com um revólver 38 a enfrentar escopetas, tal a desestruturação do Estado na área da segurança. Parabéns a esses policiais que saem à rua sem saber se voltam para casa. E, quando ele volta para casa, não pode mais sequer ter uma arma para se defender, no caso de perseguição de um bandido à conduta reta dele, policial.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permite-me um aparte?

            O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PSDB - MS) - Em seguida, Senador.

            O interessante é o seguinte. Vi o ilustre Senador Magno Malta falar da questão religiosa, falou na Bíblia, que não permite essa violência. Eu vou ler rapidamente. Vou ler apenas Lucas 11:21. “Quando um homem valente e bem armado guarda a própria casa, tudo o que ele tem está seguro”. Está na Bíblia.

Tenho também o depoimento do Núncio Apostólico da Santa Sé, Dom Lorenzo Baldisseri, que fez declarações no Senado Federal, no mês de agosto, dizendo o seguinte:

Como representante do Papa, eu disse que a Igreja tem a sua doutrina fundamentada, em primeiro lugar, na legítima defesa e que em qualquer nível o indivíduo e a coletividade têm que se defender. Agora, os meios para se defender, efetivamente, as armas de fogo não facilitam uma legítima defesa (...) A melhor autodefesa é o diálogo e não as armas de fogo.

Gostaria de viver neste mundo quando nossa evolução material e espiritual chegar a uma situação ideal em que não precisaremos de armas de fogo; bastará um diálogo com o bandido para que ele desista de nos assaltar. Por fim....

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PDT - MS) - Concederei um aparte a V. Exª na devida oportunidade. Meu tempo é curto e quero aproveitá-lo bem. No final concederei um aparte a V. Exª.

Muito própria, muito própria mesmo, Sr. Presidente, é uma mensagem de ninguém menos do que Luís Fernando Veríssimo. Não sei se V. Exª conhece esse texto. Luís Fernando Veríssimo conta uma historinha que é muito ilustrativa para que a população entenda melhor ainda o processo da violência e do funcionamento dos órgãos de segurança. Diz o seguinte:

Eu tenho o sono muito leve e, numa noite dessas, notei que havia alguém andando sorrateiramente no quintal da casa. Levantei em silêncio e fiquei acompanhando os leves ruídos que vinham lá de fora até ver uma silhueta passando pela janela do banheiro. Como minha casa era muito segura, com grades nas janelas e trancas internas nas portas, não fiquei muito preocupado, mas era claro que eu não ia deixar um ladrão ali, espiando tranqüilamente. Liguei baixinho para a Polícia e informei a situação e o meu endereço. Perguntaram se o ladrão estava armado ou se já estava no interior da casa. Esclareci que não, e disseram-me que não havia nenhuma viatura por perto para ajudar, mas que iriam mandar alguém assim que fosse possível. Um minuto depois liguei de novo - continua Luís Veríssimo - e com voz calma disse para o policial: Oi, eu liguei há pouco porque tinha alguém no meu quintal, não precisa mais ter pressa, eu já matei o ladrão com um tiro de escopeta calibre 12, que tenho guardado em casa para essas situações. O tiro fez um estrago danado no cara. Passados menos de três minutos, estavam na minha rua cinco carros da Polícia, um helicóptero, uma unidade de resgate, uma equipe de TV e a turma dos direitos humanos, que não perderia isso por nada neste mundo. Eles prenderam o ladrão em flagrante, que ficava olhando tudo com cara de assombrado. Talvez ele estivesse pensando que aquela casa era a casa do comandante da Polícia. No meio do tumulto, um tenente se aproximou de mim e disse: “Pensei que tivesse dito que tinha matado o ladrão.” Eu respondi: e eu pensei que tivesse dito que não havia ninguém disponível. Luís Fernando Veríssimo.

Post scriptum, nota após a mensagem: Distribuam esta crônica. Ela é curtíssima e excelente para se pensar em desarmamento. Eu não tenho e penso em não possuir algum dia uma arma de fogo, mas os ladrões, assaltantes e estupradores não precisam saber disso. Diga “não” ao desarmamento. Quem precisa ser desarmado são os bandidos, não os cidadãos de bem.

Sr. Presidente, se me for possível, darei um aparte ao Senador Suplicy, que o solicitou desde o início.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Juvêncio da Fonseca, quero expressar primeiro o meu respeito às ponderações de V. Exª, que se coloca claramente favorável ao “não” no referendo, mas eu gostaria de ponderar que há argumentos fortes também pelo “sim”. Eu também considero que preferiria, como até hoje, ao longo de minha vida, não ter arma em casa. Mesmo diante de uma situação de eventualmente entrarem na minha residência pessoas armadas, acredito perfeitamente que poderia enfrentá-los mais com o diálogo do que com armas na mão, mesmo que isso pudesse resultar em eventual perda patrimonial no momento. Todos temos testemunhado, e eu aprendi desde cedo com meu pai, Paulo Cochrane Suplicy, que relatava muitos incidentes que ele havia conhecido ao longo de sua vida com pessoas, às vezes, crianças, um irmão matando o outro por acidente, brincando com armas. Ou seja, as conseqüências da utilização de armas são, em grande número, bastante sérias e graves, quando representam a perda de vidas inocentes. Há outro exemplo que eu gostaria de citar, a título de reflexão. Ainda outro dia, quando eu estava no aeroporto...

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Sérgio Cabral. PMDB - RJ) - Senador Eduardo Suplicy, vou conceder-lhe mais um minuto, porque há outros oradores inscritos. Aliás, vou conceder um minuto ao Senador Juvêncio da Fonseca e, por conseqüência, a V. Exª.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Mas era...

(Interrupção do som.)

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Um minuto de sessenta segundos e não de dois segundos, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Sérgio Cabral. PMDB - RJ) - Não, um minuto para V. Exª e para o Senador Juvêncio da Fonseca.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Pois bem, a aeromoça me dizia: “Deveria votar ‘não’, Senador”. Então, ponderei: vamos entrar no avião. Você concorda que todos nós não devemos usar armas no avião; todos assim concordamos, inclusive para sua proteção e a de todos que estamos no avião, até porque, se alguém der um tiro e furar a fuselagem, sabe lá Deus o que vai acontecer. Pois bem, no âmbito de um avião, todos concordamos que ninguém vai entrar com armas. É claro que V. Exª, Senador Juvêncio da Fonseca, poderá replicar que, em algum lugar, bandidos estarão armados, como no Pantanal, no Mato Grosso do Sul, enfim, no Brasil. Mas, prezado Senador Juvêncio da Fonseca, pelo menos para pensar, há situações em que todos decidimos ninguém ter arma na mão, como, por exemplo, nas viagens de avião. E, quem sabe, em breve, na sociedade brasileira, possamos dizer: vamos acabar com as armas.

O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PSDB - MS) - Obrigado, Senador Suplicy.

Respondendo, se possível, em um minuto. Quando entramos em um avião, também existe a possibilidade da fatalidade do acidente. Igual ao uso de uma arma de fogo dentro de casa. E, por causa disso, não vamos acabar com a indústria do avião, de forma alguma. Também as crianças dentro de casa sofrem acidentes, com medicamento, com detergente, e, principalmente, sofrem queimaduras com álcool. E vamos acabar com a indústria de tudo isso?

Mais uma coisa, Senador Eduardo Suplicy: o índice de acidentes com armas de fogo, nesse imenso campeonato brasileiro da violência, é de 0,16%. A campanha do “sim” se apega às mães chorando, se apega às crianças que foram assassinadas, se apega a situações da fatalidade, porque não tem outro argumento. Estão aplaudindo a impunidade que grassa nas ruas. Tem de acabar com esse aplauso. Vamos exigir do Estado que coloque nas ruas tudo o que for possível para coibir essa violência que está aí e está envergonhando o Brasil.

Eu não quero ser campeão do mundo em violência, porque aqui é o campeão do mundo da impunidade, da má distribuição de renda, do desemprego, da miséria que está grassando. E essas questões sociais todas, misturadas à impunidade, é que trazem essa violência.

            Srs. Senadores, Sr. Presidente, vamos votar “não”, em defesa da vida do cidadão...

(Interrupção do som.)

O SR. PRESIDENTE (Sérgio Cabral. PMDB - RJ) - Mais um minuto para V. Exª.

O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PSDB - MS) - Vamos votar “não”, em favor da vida do cidadão brasileiro, das crianças brasileiras, porque, se na minha casa o encapuzado entrar e eu tiver uma arma, não terei dúvida alguma de que, entre a minha vida e a dele, entre a vida dos meus filhos ou netos e a dele, fico com a nossa.

E nós precisamos, como brasileiros, começar a nos indignar não só com os assaltos, mas também com a ausência completa e total de opção política desse Estado de promover a segurança do povo brasileiro.

Vote “não”, em favor da vida, principalmente da família brasileira.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/10/2005 - Página 35525