Discurso durante a 185ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Desequilíbrios econômicos e sociais entre o Distrito Federal e a região do Entorno.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Desequilíbrios econômicos e sociais entre o Distrito Federal e a região do Entorno.
Publicação
Publicação no DSF de 22/10/2005 - Página 35871
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, PRECARIEDADE, ECONOMIA, SEGURANÇA PUBLICA, TRANSPORTE COLETIVO, SAUDE, EDUCAÇÃO, MUNICIPIOS, ENTORNO, CAPITAL FEDERAL.
  • REGISTRO, LEI COMPLEMENTAR, CRIAÇÃO, REGIÃO, INTEGRAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, DISTRITO FEDERAL (DF), ENTORNO, PROTESTO, AUSENCIA, CUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, PRIORIDADE, AUMENTO, SUPERAVIT, SUJEIÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), PREJUIZO, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, POPULAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, SITUAÇÃO, ENTORNO, DISTRITO FEDERAL (DF), SECA, REGIÃO AMAZONICA, FEBRE AFTOSA, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS).

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a população do Entorno de Brasília já se aproxima dos três milhões de habitantes, mas, em 2004, a receita do ICMS somou apenas R$102,53 milhões - 2,5% do total.

Após a inauguração de Brasília, em 1960, iniciou-se um rápido processo de ocupação na região, motivado pela política governamental incentivadora da migração de mão-de-obra para a construção de Brasília.

A alta concentração urbana decorrente dessa corrente migratória criou sérios desequilíbrios econômicos e sociais entre o Distrito Federal e os municípios vizinhos. Diante das imensas carências da região, o então senador Íris Rezende propôs, e foi criada através da Lei Complementar nº 94, de 19 de fevereiro de 1998, a RIDE - Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno: um mecanismo que, por meio de uma ação integrada entre a União, o Distrito Federal, os Estados e Municípios que integram a região, se torna capaz de implantar soluções imediatas e de médio prazo para os problemas ali existentes.

Mas o que está no papel, Sr. Presidente, é quase letra morta.

Sabe-se, inclusive, por meio da imprensa, que as medidas recentemente adotadas pela União permitiram que o país aumentasse seu superávit primário, honrasse os compromissos com o Fundo Monetário Internacional e derrubasse o risco-país. Mas é às custas do sacrifício de todos os seus municípios que o Brasil vive este atual momento de pré-crescimento sustentado da economia.

Na vida real, milhões de pessoas têm um cotidiano muito diferente do ar condicionado dos gabinetes, em especial nas pequenas cidades. Por mais que o cinto aperte, os dirigentes municipais não podem deixar de fornecer remédio, dar atenção básica à saúde, garantir o transporte escolar, recolher o lixo e viabilizar o funcionamento das creches.

Pois bem, Sr. Presidente, uma das regiões mais pobres do Brasil está nas barbas do Palácio do Planalto e deste Congresso Nacional: trata-se aqui de nosso Entorno de Brasília, formado por dezenove cidades goianas e três mineiras, que continua sendo um tremendo desafio para as autoridades brasileiras, pois exibe a face da pobreza em contraste com o esplendor e a opulência da Capital da República.

Um exemplo clamoroso dessa desordem urbana é Águas Lindas de Goiás, a cerca de apenas 50 km de Brasília e emancipado em 1997. Fruto da proliferação de loteamentos irregulares, o município teve sua população aumentada em cinco mil pessoas no início dos anos de 1990, para 147 mil em 2000, segundo o IBGE.

Outro exemplo emblemático, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é até surreal: em Santo Antônio do Descoberto não existe cemitério, então seus mortos são enterrados em cidades vizinhas.

A falta de segurança é outro dilema: semeia medo, pânico, dor e sofrimento nos municípios do Entorno. Sem contar o desemprego que não pára de crescer e acaba arrastando jovens, pais e mães para o desespero.

Aproveito a oportunidade para cumprimentar esta belíssima platéia de jovens que hoje chega aqui ao Senado Federal - creio que com sua professora, não é? (Pausa.)

Então, é um grande prazer cumprimentá-la por seu trabalho e cumprimentar a platéia que aqui hoje nos honra com sua presença.

Meus cumprimentos a todos!

Os poucos que conseguem trabalho - estou falando para uma platéia composta quase somente de jovens - são obrigados, diariamente, a enfrentar os péssimos serviços de transporte público - chance de emprego só mesmo em Brasília... Então, usam ônibus que, além de verdadeiras latas de sardinha, quebram a cada percurso.

Certa vez, um usuário, que é meu conhecido, teve o trabalho de contar os passageiros de um ônibus: constatou nada menos de duzentas pessoas em apenas um único veículo sujo, deficitário, sem condições de tráfego e com preço de tarifa absolutamente inaceitável - cerca de dois reais e sessenta centavos!

Ontem mesmo, a manicure que trabalha aqui na barbearia do Senado Federal, a Marisa, me fazia uma observação - ela fazia as minhas unhas num horário extraordinário, à noite -, dizendo o seguinte: “Senadora, para vir trabalhar, tenho que gastar nove reais por dia” - ela deve estar até me ouvindo por aí. Achei um absurdo para uma pessoa que vive de seu pequeno salário como manicure.

Os serviços de saúde nos Municípios do Entorno são igualmente os mais precários possíveis - o que provoca uma superlotação das estruturas existentes em Brasília. A estrutura educacional é frágil e carente de investimentos, com a agravante da violência constante que acomete as escolas, por meio da ação de vândalos e marginais.

Não há como, Sr. Presidente, cruzar os braços e ficar impassível diante dessa verdadeira panela de pressão em que se transformou o Entorno de Brasília - uma ameaça não apenas à integridade física de seus sofridos e valorosos moradores, mas também à própria estrutura da planejada e suntuosa Capital da República - um oásis cercado de fome e de miséria.

Será possível - eu pergunto - que as mulheres e os homens de bem que hoje são responsáveis pelos destinos do Brasil não têm a sensibilidade mínima para suprir a RIDE dos recursos de que a região necessita?

            Não há mais tempo a perder!

            Espanta e causa profunda apreensão essa apatia latente no Palácio do Planalto para as questões concretas, cruciais, emergenciais do Brasil! Será que não existe uma única consciência sensata nos umbrais do Poder para avisar ao Presidente Lula que o Governo deve ser, sobretudo, praticidade, ação e resultados?!

            Vejam que absurdo: famílias estão sitiadas no alto do Amazonas porque os afluentes secaram, sendo obrigadas a consumir água contaminada! Será que existiria sequer um helicóptero do Governo para lançar àqueles nossos irmãos brasileiros o alimento que falta na panela e a água limpa de forma que suas crianças não morram à míngua?!

            E logo aqui, na face do Poder?!... Bastaria uma vistoria mínima de qualquer organismo ligado à defesa dos direitos humanos para se constatar que, no Entorno, assim como na Amazônia e no Nordeste, brasileiros estão sendo massacrados pela omissão e irresponsabilidade dos agentes públicos que não enxergam nada além do que as danosas exigências do FMI na ânsia pelo superávit primário.

Aí está o Brasil superavitário, de cofres cheios. Enquanto isso, os brasileiros morrem à míngua, os criminosos continuam com a sua cruel epopéia de sangue, e nossas crianças assistem a tudo isso como a lição da triste realidade de uma Nação que não quer aprender a ser justa, responsável, fraterna, humana e solidária.

            Nego-me, Sr. Presidente, a concluir os poucos dias que tenho deste mandato sem antes dizer com todas as letras o que penso sobre esta Nação. Sinto-me cada dia mais revoltada e entristecida, Sr. Presidente, Senador Augusto Botelho, nas andanças constantes que faço pelas cidades do Entorno que conheço, praticamente, rua por rua, porque há anos o percorro. Corta-me a alma o olhar de carência de nossos meninos e meninas, e o apelo de mães machucadas pela rotina de perdas e danos provocados por uma realidade pesada, violenta, cruel.

É preciso dar um basta à atuação política baseada nesse chamado jogo de cintura, em que as realidades são camufladas em face dos acordos partidários!! É preciso por terra essa máscara e, claramente, reconhecer que o Governo atual, assim como o anterior, se revela incapaz na resposta às necessidades de um Brasil que chora, de um Brasil corroído pela miséria, de um Brasil que precisa de um alento para redescobrir a esperança.

            Não temo afirmar, Sr. Presidente: esta economia forçada para fazer caixa destinado ao superávit primário gerou a atual tragédia do Mato Grosso do Sul, com o ressurgimento da febre aftosa. Faltaram recursos sim! É esta mesma “economia de guerra” que impede os recursos constitucionais da Ride de serem aplicados no Entorno de Brasília, que não tem mais como esperar, assim como a Amazônia e o Nordeste.

Que sejamos capazes, Sr. Presidente, de provocar uma reviravolta neste País, para, pelo menos, socorrer os brasileiros que estão com fome e que convivem com a dor e a tragédia à sua volta. Sem isso, nós, agentes políticos, que estamos aqui por delegação da população, do seu Estado, do meu Estado, não teremos como caminhar de cabeça erguida, menos ainda, Senadora Heloísa Helena, dormir com a consciência tranqüila.

            Recursos emergenciais são inadiáveis. É imprescindível o socorro às áreas críticas, a começar por aqui mesmo, pelo Planalto Central. Se já não mais existe a razão solidária, que ao menos o coração possa direcionar as autoridades brasileiras, neste momento, em nome dos irmãos nortistas ou nordestinos que ficaram na seca das suas cidades ou migraram para formar o Entorno de Brasília.

Era o que eu tinha a dizer nesta manhã, Sr. Presidente.

Muito obrigada pela oportunidade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/10/2005 - Página 35871