Discurso durante a 185ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise do sistema educacional brasileiro. Defesa do reconhecimento social do educador.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Análise do sistema educacional brasileiro. Defesa do reconhecimento social do educador.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 22/10/2005 - Página 35883
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, DESENVOLVIMENTO, EDUCAÇÃO, BRASIL.
  • COMENTARIO, INEFICACIA, FUNDO DE DESENVOLVIMENTO, ENSINO FUNDAMENTAL, CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, FALTA, INVESTIMENTO, MELHORIA, EDUCAÇÃO.
  • CRITICA, PROPOSTA, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), FINANCIAMENTO, EDUCAÇÃO, BRASIL, ACUSAÇÃO, FAVORECIMENTO, ENSINO SUPERIOR, PREJUIZO, EDUCAÇÃO BASICA.
  • DEFESA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, INCENTIVO, PROGRESSO, BRASIL, SEMELHANÇA, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, JAPÃO, COREIA DO SUL, CHILE.
  • SUGESTÃO, AMPLIAÇÃO, INVESTIMENTO, UNIÃO FEDERAL, EDUCAÇÃO BASICA, RESPONSABILIDADE, ESTADOS, MUNICIPIOS.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, POLITICA, VALORIZAÇÃO, MAGISTERIO, AUMENTO, SALARIO, PROFESSOR, INVESTIMENTO, INFRAESTRUTURA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, MELHORIA, BIBLIOTECA, EQUIPAMENTOS.
  • CRITICA, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), SUPERIORIDADE, INVESTIMENTO, REALIZAÇÃO, PESQUISA, QUALIDADE, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, BRASIL, COMENTARIO, DISPONIBILIDADE, INFORMAÇÕES, SISTEMA NACIONAL, AVALIAÇÃO, EDUCAÇÃO BASICA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Meu prezado amigo Presidente, Senador Jucá, senhoras e senhores, o que raramente faço farei agora: lerei meu pronunciamento de hoje, e assim farei pela importância que a ele dou, pela análise que apresenta de um dos assuntos que considero da maior importância neste País, que é o problema da educação.

Difícil e complexo é o processo de construção de uma Nação. Trata-se de algo que se estende no tempo, sujeito a idas e vindas, em cujo desenrolar êxitos e fracassos se alternam. Não por outra razão, acredito que uma das mais significativas lições oferecidas pela civilização contemporânea é que, com determinação, força de vontade e clareza de objetivos, o projeto nacional se materializa a despeito das inúmeras dificuldades.

Nada mais fácil e simples, no entanto, do que promover a destruição de uma Nação ou impedir que ela se concretize como tal. Em meio a tantas formas possíveis de se chegar a esse trágico resultado, uma se sobressai: nas condições históricas do mundo de hoje, basta impedir o acesso da população ao conhecimento, mediante a ausência de um adequado sistema educacional, para que a essência do que se entende por Nação deixe de existir.

Afinal, Nação não se confunde com Estado. Tampouco se resume a território, com fronteiras definidas e asseguradas. Ainda que se identifique também com esses conceitos, a Nação os supera em termos de amplitude, alicerçada que está nos sentimentos coletivos de quem se julga pertencente à mesma comunidade. São homens e mulheres que se aproximam pela língua, pelo passado, pelas crenças e pelos valores comuns. É dessa aproximação que brota e se fortalece o sentimento da nacionalidade.

Onde impera a extrema desigualdade e a exclusão se torna ostensiva e permanente, as possibilidades de existência de uma Nação acabam por se restringir aos aspectos formais, não mais do que aos aspectos formais. Nesse caso, parcelas expressivas da sociedade ficam à margem dos processos decisórios e, quando muito, neles são admitidos na condição de meros coadjuvantes, facilmente manipulados.

Essa tem sido, desgraçadamente, a marca registrada da História do Brasil.

Mesmo que se leve na devida conta que o País não ficou parado no tempo, ainda que se admita a ocorrência de inegáveis transformações ao longo de sua trajetória histórica, o Brasil luta com absurdas dificuldades para se tornar uma autêntica Nação. Na base e no fundo desse drama, avulta a inacreditável, incompreensível e inaceitável incapacidade de oferecer aos seus filhos a educação de qualidade, sem a qual a plenitude da cidadania jamais será conquistada.

Essa realidade imoral e aética, que nasce como modelo da exploração colonial imposto pela metrópole portuguesa, substantivamente não se altera com a conquista da independência política. Justamente por assim ser, chegamos ao século XXI ostentando altas taxas de analfabetismo absoluto e outras ainda mais agressivas de analfabetismo funcional - que é a situação de milhões de brasileiros, os quais, mesmo conhecendo as letras e conseguindo assinar o nome, não se sentem aptos a redigir um mísero bilhete ou a entender o sentido de uma frase por mais simples que ela seja.

(Intervenções fora do microfone.)

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Posso continuar?

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Por favor.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Muito obrigado.

Jogar a responsabilidade desse drama no passado colonial é cômodo e fácil, aparentemente correto, mas tangencia o foco principal. Com isso, acalenta-se a desculpa salvadora para quem, tendo a oportunidade de solucionar o problema, outra coisa não fez senão fugir dele ou, na melhor das hipóteses, enfrentou-o de maneira acovardada e mesquinha.

Longe de mim, Sr. Presidente, desconhecer o peso da estrutura colonial que, por mais de três séculos, marcou a inserção do Brasil na chamada civilização ocidental. Nesse particular, sabe-se que nossa experiência foi ainda mais traumática que a das nossas vizinhas, as colônias espanholas. Diferentemente delas, que chegaram a possuir universidades, a vigilância extremada do regime absolutista português impediu-nos de conhecer esse tipo de instituição durante a colonização. Pior ainda: com a expulsão dos jesuítas, determinada pelo Marquês de Pombal, na segunda metade do século XVIII, desestruturou-se o precário sistema de educação então existente, praticamente toda ele de caráter confessional, sem que nada fosse colocado em seu lugar.

Ora, fez-se a independência política em 1822, mas mantiveram-se intactas as estruturas básicas que sustentavam o esquema da colonização. Assim, ao lado de uma economia basicamente agroexportadora de relações sociais de produção majoritariamente assentadas na mão-de-obra escrava e na descomunal concentração fundiária, o nascente Estado Nacional brasileiro independente permaneceu insensível à melhoria das condições de vida da maioria da população, que continua marginalizada em termos educacionais.

A substituição do regime monárquico pelo republicano, que coincide, grosso modo, com a chegada do Século XX, não foi suficiente para alterar esse quadro de agrura e exclusão. Em termos relativos, os estratosféricos índices de analfabetismo permaneceram de pé, o que se comprova, facilmente, pela diminuta porcentagem de eleitores - já que o direito ao voto estava condicionado ao saber ler e escrever - e pela existência de escolas voltadas quase que exclusivamente para os filhos da elite.

Esse é o cenário, Srªs e Srs. Senadores, no qual transcorre o drama social brasileiro em boa parte do Século XX. É a partir de 1930, com o projeto nacional modernizador da Era Vargas, a despeito do seu viés altamente centralizador, quando não claramente ditatorial, como se viu de maneira inequívoca durante o Estado Novo, entre 1937 e 1945, que o quadro começa a ser alterado. Foi preciso que acontecesse um movimento armado, da dimensão daquele que permitiu a chegada de Vargas ao poder, para que se criasse, no âmbito do Estado, um ministério voltado para a educação. Afinal, o que prevalecia no País era a velha tese sintetizada na célebre expressão atribuída ao Presidente Washington Luís, segundo a qual a “questão social era caso de polícia!”

O movimento conhecido como “Escola Nova”, surgido nesse contexto histórico, agregou pessoas desejosas de ver o Brasil passado a limpo e dar as costas ao arcaísmo de um passado antinacional e socialmente excludente. Gestava-se, pois, um outro tipo de educação, bem mais comprometida com as demandas da contemporaneidade e voltada para os mais amplos setores da sociedade. Pena que em nosso País, tradicionalmente, a velocidade das transformações seja quase sem exceção inversamente proporcional às necessidades sociais que as suscitam.

Não obstante isso, o Brasil se move. Impressiona observar o que aconteceu conosco a partir da segunda metade dos anos 40. Coincidentemente, era o fim da Segunda Grande Guerra, que mudara radicalmente o mapa do poder, e da Era Vargas, que lançara os fundamentos da modernização econômica do País. Ao mesmo tempo em que a economia iniciava um novo processo de desenvolvimento crescentemente assentado em tecnologias inovadoras, o Brasil começava a avançar em termos industriais, processo que teve na construção da Companhia Siderúrgica Nacional de Volta Redonda seu mais eloqüente símbolo.

Punha-se em marcha, naquele momento, no Brasil, um dos mais espantosos processos de urbanização que o mundo contemporâneo já assistiu. Para ter idéia do significado do fenômeno, basta atentar para os dados produzidos por dois censos gerais realizados pelo IBGE. Atentem, Srªs e Srs. Senadores: em 1950, algo em torno de 70% da população brasileira estava localizada no campo. Em 1950, 70% da população brasileira estava localizada no campo. Em apenas cinco décadas, atesta o censo de 2000, o quadro mais que se inverteu, e a população urbana atinge a impressionante marca de 82% do total dos habitantes - 1950, 70% no campo; 2000, 18% no campo.

Creio que a melhor imagem de que se pode fazer uso para definir o que estava acontecendo com o Brasil nesse período é a frase consagrada pela historiografia nacional: “Um País em movimento”. Movimento incessante, ininterrupto, que modifica radical e celeremente a fisionomia do Brasil. Num curto espaço de tempo, milhões e milhões de brasileiros afastam-se dos campos e abandonam os “grotões” - como assim os chamava o saudoso Presidente Tancredo Neves - e chegam aos centros urbanos em busca de uma vida melhor.

São milhões e milhões de brasileiros que agora ganham visibilidade. Nas cidades, esse enorme contingente de homens e mulheres passa a apresentar suas demandas, a princípio intuitiva e desorganizadamente, a seguir, com crescente densidade política. São demandas que se expressam na luta por moradia, emprego, habitação, transporte, assistência à saúde e, coroando a tudo, por acesso à educação.

Havia uma certeza entre aqueles brasileiros que, afastando-se das seculares más condições encontradas no campo, buscavam na cidade a possibilidade de encontrar uma vida melhor: a escola, identificada como templo sagrado do saber, haveria de abrir as portas de um futuro mais promissor para seus filhos. Por meio dela, seus descendentes haveriam de escapar à condenação de uma vida pequena, sem perspectiva, com a qual seus antepassados e eles próprios estiveram enredados desde sempre.

Impossível entender, em toda sua extensão, a riqueza de conteúdo, o clima de efervescência vivido pelo Brasil entre meados de 1950 e, principalmente, em princípios da década de 60, se não atentarmos para esse pano de fundo no qual pontificava o magnífico cenário do movimento social, demográfico, econômico, político e cultural. O País vivia, então, a inédita e bendita experiência de ser agente da sua própria história. Momento glorioso no qual o silêncio, que parecia eterno, dava lugar a um debate apaixonado. Nas grandes e nas pequenas cidades, nos campos, em todos os lugares, enfim, sentia-se o gosto de uma incipiente cidadania. Nas palavras de um atento estudioso de nossa História, “o Brasil estava irreconhecivelmente inteligente...”

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Com todo prazer.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Fico embevecido com os discursos de V. Exª. Precisávamos ter mais memórias no Senado. V. Exª tem sido a memória política do Senado. Sempre que estamos em algum dilema ou em alguma situação embaralhada, V. Exª lembra os exemplos do passado e rememora os casos vividos. Isso nos dá uma orientação. Tenho muita pena de um país com memória pequena. V. Exª tem sido a memória do nosso Senado. Parabéns!

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Muito obrigado, nobre Líder. Nesse sentido, Sr. Presidente, entendo o que aconteceu em 1964 como algo bem mais profundo do que simples golpe militar. Na interrupção da normalidade institucional, com a deposição do Presidente João Goulart, sacramentava-se a vitória de um entre os dois projetos de Brasil postos em discussão naquele contexto da acentuada polarização ideológica. Vencia o projeto da modernização conservadora do País, em razão do qual se admitiria, sem maiores escrúpulos, a adoção do autoritarismo político. Da “ditadura envergonhada” à “ditadura escancarada”, na já consagrada conceituação de Elio Gaspari, tênue seria a fronteira entre ambos os estágios.

Resulta desse regime autoritário, de seu próprio projeto de modernização do Brasil, a decisão política que atinge em cheio a educação brasileira, de cujos efeitos socialmente perversos somos vítimas até hoje. De fato, ao se ver impelido a optar entre o financiamento da infra-estrutura essencial à consecução do sonho dourado - ou de pura megalomania, diria alguém - de um Brasil grande potência e o da expansão de um sistema educacional digno de nome, em condição de responder aos desafios da realidade contemporânea, o regime militar não titubeou: jogou todas as suas fichas na primeira alternativa, de que seriam exemplos notáveis as inúmeras empresas estatais que vieram à luz.

Tinha início, naquele momento, um processo de conseqüências funestas para a Nação, das quais ainda não nos libertamos e que, pelo visto, estamos longe de superar. Refiro-me ao fato de que se buscou nos ombros largos do professorado o esteio para sustentar a inadiável expansão do sistema educacional brasileiro.

O Estado decidiu-se pelo que considerava mais fácil, optando por subtrair do salário dos professores os recursos necessários à construção e ao equipamento dos prédios escolares. Começava, então, o absurdo processo de desvalorização social do professor, ao atingir violentamente sua remuneração. A ditadura foi finalmente derrotada, o País redemocratizou-se plenamente em termos políticos, mas, passados tantos anos do fim daquela longa noite de arbítrio, pouco ou quase nada se conseguiu avançar na direção do efetivo reconhecimento do professor.

Derrotado pelos salários aviltantes, o professor dos diversos níveis da educação básica se viu compelido a duplicar, quiçá triplicar, sua jornada de trabalho. Não é necessário ser especialista para imaginar o que isso representa para a diminuição de sua auto-estima e pela perda de qualidade de seu trabalho. À grande quantidade de horas em sala de aula, soma-se o tempo despendido com preparação, correção de trabalhos, cadernos e provas, reuniões pedagógicas e administrativas e as mais diversas tarefas. Desse conjunto, compreende-se, com mais nitidez, o estado lastimável em que se encontra o profissional da educação em nosso País.

Deploro, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as oportunidades perdidas para a real solução do grave problema educacional brasileiro. No passado recente, a despeito de todas as condições políticas favoráveis e de uma inédita reeleição, o Governo Fernando Henrique pouco avançou nessa direção. Em oito anos, restou, naquilo que é verdadeiramente essencial, a adoção do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, o conhecido Fundef.

Claro que foi um avanço, mas muito aquém do necessário. Ainda que a adoção desse mecanismo financeiro tenha propiciado aumento salarial de professores, isso se deu apenas naquelas regiões nas quais a remuneração docente atingia as raias do ridículo ou da inconstitucionalidade, muitas vezes inferior ao próprio salário mínimo. Acima de tudo, não se pode esquecer que o Fundef é um fundo contábil, cuja função - meritória, por certo, mas insuficiente - sempre foi a de organizar com mais racionalidade os recursos financeiros já existentes - e não novos recursos.

Em outras palavras, o Fundef, tão diligentemente alardeado pela publicidade oficial - esta, sim, regada com a abundância de recursos sonegados à educação propriamente dita -, não significou, jamais, um centavo a mais do Governo Federal para o financiamento do ensino fundamental, que dirá da educação básica! Parece que estamos condenados a robustecer a educação apenas pela via da retórica, caminho que os governos tendem a percorrer com mínimas variações de trajeto.

Agora mesmo, Sr. Presidente, acompanhamos os esforços do Ministério da Educação para a criação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica, o Fundeb. A princípio, um óbvio avanço em relação ao que foi instituído à época dos tucanos, quando nada por duas razões fundamentais: a ampliação de sua abrangência, não mais se fixando apenas no nível da escolaridade obrigatória, o fundamental, mas voltando-se para os três níveis da educação básica - a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio -; além disso, outra novidade digna de louvor, que é a introdução de dinheiro novo da União para o financiamento do sistema educacional.

Todavia, duas observações iniciais, ambas de enorme significado, merecem ser feitas. A primeira refere-se à insensibilidade, já tantas vezes provada e comprovada, da tal “área econômica” do Governo Federal, absolutamente refratária a qualquer proposta de ampliação dos investimentos federais na área da social, como é o caso da educação. Na lógica implacável desses “donos” do dinheiro público, é preferível garantir o superávit para o pagamento de uma dívida colossal, jamais auditada e provavelmente cheia de impropriedades, a capacitar minimamente o sistema educacional para oferecer às crianças, aos adolescentes e aos jovens brasileiros os instrumentos necessários ao exercício digno da vida pessoal, do desempenho profissional e da cidadania consciente.

Quanto tempo se gastou nos embates entre a equipe do MEC e os “doutos” representantes da “área econômica”? Ao final, chega-se à proposta, em condições de ser encaminhada ao exame do Congresso Nacional, cautelosa e prudente, o que é atestado pela decisão de escalonar o montante de recursos adicionais a serem repassados pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Ainda assim, quando tudo parecia sacramentado entre os próprios agentes do Governo Federal, ensaia-se, uma vez mais, a possibilidade do retrocesso, ante o temor do setor econômico com o desequilíbrio das contas públicas. Francamente, não há “realismo mágico” que possa concorrer com o realismo concreto do Poder Público financeiro em nosso País!

O segundo aspecto problemático presente na proposta do MEC para a nova forma de financiamento da educação brasileira consiste no fato de que algo como 75% dos recursos orçamentários do Tesouro para o Ministério seriam reservados para a manutenção e o desenvolvimento da educação superior, fundamentalmente voltados para as instituições federais.

Longe de mim questionar o apoio federal ao ensino superior público. Indago-me, no entanto, se tal decisão, ainda que correta e respaldada pelo texto constitucional, é intrinsecamente justa ante o universo coberto - ou que deveria ser coberto - pela educação básica. Temo que, uma vez mais, nos esforçaremos para tapar o sol com a peneira e, neste caso, repetirmos o equívoco monstruoso de não jogar todas as fichas na educação básica. Afinal, na situação de penúria em que se encontram, Estados e Municípios, sobre os quais recaem as responsabilidades de oferta da educação básica, em relação à qual a União atua apenas de modo suplementar, previsivelmente não terão recursos em volume suficiente para dar cabo da missão.

Que estranha maldição é essa que impede nossos governantes de enxergar a realidade? Que estranhos desígnios são esses que insistem em fazer do Poder Executivo uma entidade alheia à realidade, incapaz de aprender algo com as lições do passado?

Não fosse assim, saberiam perfeitamente bem que um vizinho nosso, a Argentina, fez sua revolução educacional na década de 1880, em razão da qual se consolidou como Nação educada, culta e próspera, mantendo por décadas a condição de um dos dez países mais ricos do mundo. A Argentina, com a sua reforma educacional, de 1880, é até hoje um país culto.

Não fosse assim, lembrariam que o Japão fez de sua Era Meiji, a partir dos anos 1860, o rito de passagem para a modernidade, realçada, entre outras medidas, pela universalização de um sistema educacional de qualidade. Foi tomando decisões dessa natureza que o velho Japão feudal deu lugar ao país que assombrou o mundo no Século XX.

Não fosse assim, teriam em mente a experiência protagonizada pela Coréia do Sul no pós-Segunda Guerra Mundial. Ao optar pelo investimento maciço na educação básica, os sul-coreanos deixaram definitivamente para trás um passado acanhado e sem maiores perspectivas e encantaram o mundo com sua prodigiosa capacidade de produzir e inovar.

Não fosse assim, procuraríamos entender a trajetória de um outro país bem próximos do nosso, o Chile, que se refez da longa e traumática experiência da sanguinária ditadura de Pinochet, recobrou a plenitude democrática e incorporou, fazendo-a avançar, uma política educacional racional e de bons resultados.

Enfim, a História contemporânea está cheia de exemplos a esse respeito. Não se conhece, a rigor, nos dias de hoje, caso algum de nação próspera e socialmente mais equilibrada que não tenha resolvido, na base e como premissa, a estratégica questão educacional. Por tudo isso e pelo que apresentamos ainda hoje, podemos afirmar que, no campo da educação, infelizmente, ainda não ultrapassamos o século XIX. Cronologicamente no alvorecer do século XXI, carecemos de uma revolução educacional que nos faça contemporâneos de nosso próprio tempo!

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, recuso-me a acreditar não haver saída para a tragédia da educação brasileira. Em primeiro lugar, que se compreenda ser impossível dotar um país de um sistema educacional inclusivo e de qualidade sem o aporte de recursos compatíveis com a dimensão da empreitada. Não, não estou inovando. O grande Tavares Bastos, em A Província, obra clássica que a excelente Comissão Editorial do Senado teve a sensibilidade de reeditar, em seu libelo contra o caráter unitário do Império brasileiro, teve a inspiração de cobrar do Poder Público a atenção para com a educação pública, não sem antes reiterar que a montagem, a manutenção e o desenvolvimento de um sistema educacional de qualidade custa caro, muito caro, mas nada pode substituí-lo. Pelo visto, a advertência mais que centenária do bravo Tavares Bastos ainda está à procura de ouvidos que possam escutá-la e compreendê-la...

Não há, pois, chance alguma de êxito para um correto projeto nacional de educação que não disponha de recursos suficientes. Insistir no contrário é enganar a sociedade, é postergar para sempre um futuro que não chega nunca. O dinheiro existe. A questão central, que faz de todas as outras peças acessórias, é tomar a decisão política de encaminhá-lo para a educação, único meio historicamente comprovado de construir, nas condições ditadas pelo mundo contemporâneo, uma autêntica Nação.

A esse respeito, ouso fazer uma proposta, que pode assustar à primeira vista. Federalista que sempre fui, adversário contumaz das práticas político-administrativas centralizadoras, as quais identifico quase sempre como sinônimo de abjeto autoritarismo, pergunto-me se algo não está errado com o federalismo republicano brasileiro, sobretudo este com o qual convivemos nas últimas décadas. Enquanto as unidades da Federação andam à míngua, de pires na mão, em face da voracidade arrecadadora da União, inversamente proporcional à sua disposição para repartir o bolo, sobre elas recaem as responsabilidades inerentes à oferta da Educação Básica.

Penso, sinceramente, que talvez fosse oportuna uma espécie de “moratória federativa” na área educacional. Assim, por um tempo consensualmente acertado entre as partes, a União substituiria seu papel coadjutor em relação à Educação Básica por uma ação mais consistente, direta e supostamente eficaz. Desse modo, para além de políticas, programas e projetos, o Governo Federal, sempre em parceria e de forma pactuada com Estados e Municípios, teria a missão de agir mais diretamente nos sistemas estaduais e municipais de educação.

Imagino, Sr. Presidente, que a ação federal, neste momento, é de fundamental importância, a começar pela implantação de uma política nacional de valorização do magistério, em que necessariamente fossem atendidos aos aspectos cruciais, como o da remuneração e o da formação - hoje, abaixo da crítica! - inicial e continuada dos professores. Não vejo como Estados e, principalmente, Municípios possam, isolada e solitariamente, dar conta dessa tarefa inadiável. Vislumbro, inclusive, a chancela da República na certificação desses e dos demais profissionais da educação, passo decisivo para a valorização e o reconhecimento social dos educadores.

Relativamente à remuneração, não vejo outra forma para superar, de imediato, o inaceitável cenário atual. Planilha elaborada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, a aguerrida CNTE, mostra como é grande a parcela de docentes cujo salário mensal oscila entre R$300,00, R$400,00,00 e R$500,00. Confirmei esses dados ao ter acesso ao portentoso trabalho produzido pelo escritório local da Unesco, O Perfil dos Professores Brasileiros: o que fazem, o que pensam, o que almejam, recentemente publicado, que informa a existência de expressivo contingente de educadores em nosso País que ganham até dois salários mínimos mensais.

De igual modo, essa presença incisiva da União será vital para que a rede física das escolas seja recuperada e, quando e onde necessário, ampliada. Não é crível imaginar bom desempenho escolar com prédios caindo aos pedaços, sem os equipamentos necessários em bom estado, com bibliotecas inexistentes ou insuficientes, sem a disponibilidade e a plena utilização de modernos recursos didáticos e, acima de tudo, sem profissionais motivados, respeitados em sua dignidade, e adequadamente remunerados e bem formados, tanto para iniciarem a carreira como para nela permanecerem serem atualizados.

Em educação, como em tudo na vida, as inovações são sempre bem-vindas. Contudo, não carece a reinvenção da roda. Assusta-me, por exemplo, saber que o MEC se prepara para gastar uma fábula com a realização da avaliação dos estudos brasileiros um a um, escola por escola. Meu Deus! A concretização desse desatino é a prova cabal de que, para o atual Governo, são inúteis as técnicas de pesquisa que tanto se desenvolveram nos últimos anos, são inconfiáveis as amostragens estatísticas!

Ora, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, o conhecido e respeitado SAEB, nos oferece seguras informações acerca das mazelas de nosso sistema educacional, indicando seus pontos mais críticos...

(Interrupção do som.)

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - ... a exemplo da enorme dificuldade que nossos estudantes têm no manejo das operações matemáticas básicas e na compreensão da Língua Portuguesa. Ainda é tempo, imagino, de o Governo recuar diante dessa idéia e dar destinação mais razoável aos recursos de que dispõe para a educação.

Encerro este pronunciamento, Sr. Presidente, pedindo escusas pela extensão que o texto acabou por assumir. Moveu-me, tão-somente, a indignação frente a um quadro histórico desabonador, e que, no limite, põe em risco nossa sobrevivência como Nação.

Apóio-me em verdades cruéis, dolorosas, que precisam ser enfrentadas. Não há mais como se conformar com a existência de cerca de 24 milhões de brasileiros analfabetos, fora os analfabetos funcionais. Não dá para admitir que menos de um quarto da população brasileira estude. É de estarrecer que cerca de 44% de nossa população tenham concluído apenas a terceira série do ensino fundamental. Que um quarto dos brasileiros que vive nos campos não tenha escolaridade alguma e, quando a tem, não passa de um ano de estudo. Que pouco mais de 3% da população tenham concluído curso superior. Que acintosa é a defasagem entre idade e a série escolar! Que vergonhosos são os índices da evasão e da repetência nessas escolas!

Chega! Que assumamos coletivamente a missão de dotar o Brasil de um sistema educacional a altura das nossas necessidades, dos nossos melhores sonhos, da esperança mais bela que sempre nos impulsionou. Repetindo Tancredo no discurso da posse frustrada, vale lembrar Tiradentes: “Se todos quisermos, podemos fazer deste País uma grande Nação!”.

Muito obrigado, Sr. Presidente, peço desculpe pelo tempo.

O SR. PRESIDENTE (Luiz Otávio. PMDB - PA) - Ao contrário, Senador Pedro Simon, do PMDB do Rio Grande do Sul, V. Exª permite que não apenas as Srªs e os Srs. Senadores, como também todos os telespectadores e o povo brasileiro tenham a oportunidade de ouvi-lo e vê-lo da forma mais correta, mais didática, inclusive para o conhecimento da nossa população.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Muito obrigado, Sr. Presidente


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/10/2005 - Página 35883