Discurso durante a 188ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre o resultado do referendo sobre a venda de armas de fogo e munição, ocorrido no último dia 23 de outubro.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Reflexões sobre o resultado do referendo sobre a venda de armas de fogo e munição, ocorrido no último dia 23 de outubro.
Aparteantes
Leonel Pavan, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 26/10/2005 - Página 36128
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, RESULTADO, MOBILIZAÇÃO, POPULAÇÃO, DEBATE, PROPOSTA, REFERENDO, DESARMAMENTO, FALTA, DEFINIÇÃO, VINCULAÇÃO, PROIBIÇÃO, VENDA, ARMA DE FOGO, REDUÇÃO, VIOLENCIA, CRITICA, SUPERIORIDADE, GASTOS PUBLICOS, CONSULTA, COMPARAÇÃO, INFERIORIDADE, INVESTIMENTO, SEGURANÇA PUBLICA.
  • DECLARAÇÃO DE VOTO, APOIO, PROIBIÇÃO, PREVENÇÃO, ACIDENTES, ESPECIFICAÇÃO, FAMILIA, PERDA, VIDA HUMANA, CRIANÇA, MULHER, UTILIZAÇÃO, ARMA DE FOGO, COAÇÃO.
  • APREENSÃO, RESULTADO, REFERENDO, FALTA, ESCLARECIMENTOS, POPULAÇÃO, PROIBIÇÃO, UTILIZAÇÃO, ARMA, COMBATE, CRIME.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, alguns Senadores me antecederam em considerações sobre um tema que, mesmo já passado o dia da votação, nos leva à sua reflexão, ou seja, sobre o resultado do referendo, que discuto um pouco se conseguiu fazer a mobilização ou atender a proposta que foi apresentada.

Poucas vezes na história recente do País houve uma mobilização tão grande da sociedade, pelo menos em termos de informação e de campanha, como a que verificamos por ocasião da campanha do desarmamento. Ambos os lados tiveram oportunidade de expor seus pontos de vista, e o fizeram, demonstrando que havia bons argumentos para sustentar quaisquer dos posicionamentos.

Cito um exemplo: dois ou três dias antes da votação do referendo, conversando com uma pessoa, apresentei os meus argumentos favoráveis ao “sim”. Ela se rendeu e disse: “Senadora, rendo-me aos seus argumentos, voto no “sim”, mas fico satisfeito se o “não” ganhar”, demonstrando a confusão, Senador Paulo Paim, que se estabeleceu na cabeça das pessoas ao terem que tomar uma decisão pelo voto “sim” ou pelo voto “não”.

Na minha casa, fui a única a votar a favor do “sim”. Todos votaram “não”.

Sr. Presidente, devo admitir que sou capaz de entender o outro lado. Muitos dos que votaram pelo “não” questionam a existência de sentido entre a proibição da venda legal de armas - atenção: da venda legal! - e a diminuição da violência, considerada em perspectiva mais ampla.

Os que optaram pelo “não” sustentam que conseguem ver, de forma clara, a conexão entre o aumento da desigualdade social e o aumento da violência; a existência de corruptos e de corruptores na polícia e o aumento da violência; vêem, ainda, que restrições orçamentárias nos investimentos em segurança pública têm forte impacto negativo nas políticas preventivas e repressivas.

Os argumentos que acabo de apresentar foram, inclusive, os utilizados por minha família para votar no “não”, no último dia 23. Imagino que foram, também, alguns dos argumentos dos milhões de brasileiros que fizeram a mesma opção. Posso entendê-los, mas isso não muda, de maneira alguma, a minha visão.

Votei pelo “sim”, Sr. Presidente, porque sou mãe e somente as mães podem compreender, com a alma e o coração, a dor que a perda de um filho traz. A proibição do comércio de armas de fogo poderia, sim, coibir algumas mortes banais causadas por acidentes domésticos ou por um momento de cólera desmesurada. Esse aspecto, sozinho, justificaria com sobras o meu voto.

Votei pelo “sim” como mulher que sou, consciente de que o elo mais frágil nos lares brasileiros é o sexo feminino. Infelizmente, sabemos que a violência direcionada contra a mulher é um problema social gravíssimo neste País. A estrutura patriarcal, machista e discriminatória ainda vigora em grande parte do Brasil e não há dúvida de que a desigualdade social potencializa o risco de abuso. Nesse contexto em que há nítida dominação do sexo masculino sobre o feminino, a violência contra a mulher sofreria importante revés com a vitória do “sim”.

É claro que as razões que levam à violência não se restringem ao manuseio indevido de armas de fogo. Não poderíamos, jamais, ser ingênuos a esse ponto. Porém, Srªs e Srs. Senadores, a arma de fogo é poderoso elemento de coação, símbolo de poder e de dominação que são exercidos, na maior parte dos casos, pelo homem, contra a mulher.

Votei pelo “sim” também como cidadã e como Senadora da República.

Senador Leonel Pavan, eu gostaria muito de ouvir seu aparte agora, por favor.

O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - Senadora Iris de Araújo, cumprimento V. Exª por sua coragem, porque o “sim” teve uma derrota muito grande, e a Senadora vem à tribuna e diz ter votado “sim”. Claro, é preciso defender as idéias com convicção, e V. Exª as defende. Mas eu quero dizer a V. Exª que a vitória do “não” não libera o uso da arma, apenas reafirma aquilo que aprovamos aqui: o Estatuto do Desarmamento. Porque o “não” ganhou, as pessoas não podem agora pensar que vão poder ter arma na cinta, no carro, no serviço. O Estatuto do Desarmamento regulamenta o manuseio e o uso da arma. Essa campanha foi um desperdício de dinheiro. Com esses recursos, poderíamos construir muitos presídios. Se 10% ou 20% desses recursos fossem destinados à Polícia Federal, ela poderia ser mais bem equipada para agir melhor, porque tem capacidade e experiência no setor de segurança. O que se gastou representa quatro anos de orçamento da Polícia Federal. Tudo bem, respeitamos, o “não” venceu, mas quero deixar um alerta: a vitória do “não” não libera o uso da arma. Há restrições severas no Estatuto do Desarmamento. Não teria sido necessário esse plebiscito, que custou um monte de dinheiro para os cofres públicos.

            A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Fico feliz, nobre Senador, com essa exposição de V. Exª ao Plenário, nesse aparte brilhante. Também compartilho dessa preocupação de V. Exª. Por quê? Os espíritos, Senador, já estão armados! De certa forma, Senador, nós temos nesta sociedade tão sofrida, tão preocupada, tão infeliz, tão insegura, gatilhos prontos. Prontos! E o referendo, mal colocado ou mal explicado na campanha feita, pode induzir o cidadão a pensar que depois desse resultado ele está livre para determinados acertos de contas. V. Exª apresenta muito bem esse aspecto.

            Gostaria de ouvir também V. Exª, Senador Paulo Paim, mesmo que já tenha passado a votação, porque acho importante a reflexão sobre o assunto.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senadora Iris de Araújo, cumprimento V. Exª pela forma como sempre vai à tribuna, com muita franqueza, assumindo as suas posições. Ainda outro dia, aparteei e elogiei muito V. Exª quando se referia ao mesmo tema, porque, de forma muito clara, disse que o principal viés da violência no País é a concentração de renda, enfim, a ausência de políticas duras, firmes no campo da segurança, mais investimento em educação, saúde, trabalho, emprego, sem sombra de dúvida. Eu diria para V. Exª que, no mundo ideal - eu não tenho nenhuma dúvida, nós que defendemos a paz e somos contra a violência - seria positivo que não tivesse ninguém armado. Isso no mundo ideal. O mundo real é outro, mas V. Exª, claro, tem todo o direito de lutar pelo mundo ideal. No mundo ideal nós não teríamos o narcotráfico que invade as nossas casas. Outro dia eu dizia que seria difícil uma família que não tenha esta praga, este crime hediondo que é o narcotráfico, ou seja, a maconha, enfim, essas drogas que agridem a todos nós. No mundo ideal, não teríamos bebidas alcoólicas que, sem sombra de dúvida, são causadoras do maior número de mortes e assaltos e, como disse a Senadora Heloisa Helena, estupros. Mas, infelizmente, nem a legislação sobre propaganda das bebidas alcoólicas nós conseguimos aprovar aqui neste Congresso. Como disse o Senador Leonel Pavan - eu quero aqui apenas destacar - o Estatuto do Desarmamento é uma das leis mais severas do mundo. Cumprimento V. Exª até porque no Rio Grande do Sul foram quase 90% dos votos a favor do “não”. Eu deixei bem clara a minha posição durante esses debates. Quero dizer que um carroceiro, um simples carroceiro, passando na minha rua, perguntou para mim: “Senador Paim, se passar o “sim” e um marginal entrar na minha casa armado e eu der um tiro nele, passando o “sim”, para onde eu vou?” E eu lhe respondi: Você vai para a cadeia porque você está armado e não é mais permitido que você ande armado. Para o ladrão, a ilegalidade é normal. Aí, ele me explicou que por isso ele votaria no “sim”. Então, são mil justificativas dos dois lados. Eu queria cumprimentar V. Exª, seus argumentos também são sólidos. Eu sempre disse que respeito muito aqueles que tinham a visão no “sim”, mas, no mundo real, e o povo brasileiro vive no mundo real, no mundo do salário mínimo, do desemprego, no mundo dos que querem provar uma MP do Bem dizendo que os aposentados e pensionistas não terão direito de receber o precatório em dois meses, quanto for até 60 salários mínimos, e querem passar para dois anos, em “benefício” de outros setores bem mais contemplados da sociedade. Esse é o mundo real, e como vivo no mundo real, mas lhe dou o direito de sonhar, como eu também sou um sonhador, respeito muito, muito a sua posição e os seus argumentos. Meus parabéns.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Sr. Presidente, eu poderia ter mais um tempinho só para terminar?

O SR. PRESDIENTE (Papaléo Paes. PSDB - AP) - Além da prorrogação, V. Exª já recebeu mais dois minutos e, logicamente, mais um minuto e meio para V. Exª.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Vou terminar, Sr. Presidente.

Para terminar, eu gostaria de novamente me dirigir ao Senador Pavan, para dizer que, na ponta do lápis, concordo com V. Exª: 600 milhões divididos em 27 Estados dariam 22 milhões a serem aplicados em segurança pública, o que seria ótimo. Concordo com V. Exª. Até porque quanto ao enfoque das campanhas, elas não foram ao cerne da questão. Esqueceram-se de que o desarmamento mais importante vem de dentro para fora, mediante a internalização da necessidade da paz social.

Busco, Senador Paulo Paim, esse mundo melhor. Então eu sou pacifista e votei pelo “sim”

Muito obrigada pela oportunidade, Sr. Presidente.

Eu gostaria de pedir a V. Exª que o meu discurso seja considerado lido na sua íntegra, por favor.

 

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            SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DA SRª SENADORA IRIS DE ARAÚJO.

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A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, poucas vezes na história recente do País houve uma mobilização tão grande da sociedade como a que verificamos por ocasião da campanha do desarmamento. Ambos os lados tiveram oportunidade de expor seus pontos de vista, e o fizeram, demonstrando que havia bons argumentos para sustentar quaisquer dos posicionamentos.

            Na minha casa, fui a única a votar a favor do “sim”. Todos os outros votaram pelo “não”.

Sr. Presidente, devo admitir que sou capaz de entender o outro lado. Muitos dos que votaram pelo “não” questionam a existência de sentido entre a proibição da venda legal de armas- atenção: da venda legal!! - e a diminuição da violência, considerada em perspectiva mais ampla.

            Os que optaram pelo “NÃO!” sustentam que conseguem ver, de forma clara, a conexão entre o aumento da desigualdade social e o aumento da violência; a existência de corruptos e de corruptores na polícia e o aumento da violência; vêem, ainda, que restrições orçamentárias nos investimentos em segurança pública têm forte impacto negativo nas políticas preventivas e repressivas.

            Os argumentos que acabo de apresentar foram, inclusive, os utilizados por minha família para votar no “não”, no último dia 23. Imagino que foram, também, alguns dos argumentos dos milhões de brasileiros que fizeram a mesma opção. Posso entendê-los, mas isso não muda, de maneira alguma, a minha visão!!

            Votei pelo “sim”, Sr. Presidente, porque sou mãe, e só as mães podem compreender - com a alma e com o coração - a dor que a perda de um filho traz. A proibição do comércio de armas de fogo poderia, sim, coibir algumas mortes banais, causadas por acidentes domésticos, ou por um momento de cólera desmesurada. Esse aspecto, sozinho, já justificaria, com sobras, meu voto.

            Votei pelo “sim” como mulher que sou, consciente de que o elo mais frágil nos lares brasileiros é o sexo feminino. Infelizmente, sabemos que a violência direcionada contra a mulher, é um problema social gravíssimo neste País. A estrutura patriarcal, machista e discriminatória, ainda vigora em grande parte do Brasil, e não há dúvidas de que a desigualdade social potencializa o risco de abuso. Nesse contexto, em que há nítida dominação do sexo masculino sobre o feminino, a violência contra a mulher sofreria importante revés com a vitória do “sim”.

            É claro que as razões que levam à violência não se restringem ao manuseio indevido de armas de fogo - não poderíamos, jamais, ser ingênuos a esse ponto. Porém, Srªs e Srs. Senadores, a arma de fogo é poderoso elemento de coação, símbolo de um poder e de uma dominação que são exercidos, na maior parte dos casos, pelo homem, contra a mulher.

            Votei pelo “sim”, também, como cidadã e como Senadora da República. Minha responsabilidade como representante do Legislativo transcende o plano individual na medida em que meu posicionamento reflete, também, e de forma necessária, uma visão e um ideal político.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: estou convicta de que precisamos não apenas desarmar a população de seus armamentos legais e ilegais, mas também desarmar os espíritos, em um quadro de violência generalizada - diria até que epidêmica -, que atinge todos os segmentos sociais e que permeia parte considerável do trato interpessoal.

            Quanto ao enfoque das campanhas que vimos, contudo, arrisco-me a dizer que ficaram devendo: não foram ao cerne da questão. É que, em minha opinião, as pessoas ficaram demasiadamente preocupadas com o desarmamento de fora para dentro, e esqueceram-se de que o desarmamento mais importante vem de dentro para fora, mediante a internalização da necessidade da paz social.

            Esse entendimento, absolutamente fundamental, se localiza na mesma direção da campanha do desarmamento, mas em sentido contrário, porque focaliza primeiro o indivíduo, e só depois, a arma que ele porta.

Nesse ponto, é válido lembrar das campanhas educativas, que, não resta dúvida, só funcionam a partir do momento em que o cidadão internaliza, como algo perfeitamente natural, a proibição, por exemplo, de jogar papel na rua, ou a necessidade de zelar pelo espaço público.

            Muito mais difícil do que alterar a lei é mudar a mentalidade das pessoas, é transformar o paradigma de reação a uma insignificante fechada no trânsito - incidente que já ceifou tantas vidas.

Pois está em nossas mãos quebrar esse círculo vicioso. É de nossa responsabilidade darmos conta de trazer a paz para o nosso próprio cotidiano!! Afinal, a paz só existirá do lado de fora, se estiver presente dentro de mim, dentro de cada uma de Vossas Excelências, dentro, enfim, de todos nós!!!

            Votei pelo “sim” porque meu ideal de vida, que trago para esta Casa, e compartilho com V. Exªs, é o da pacificação social. Só que para alcançá-la, temos de ir muito além de um simples “sim” e/ou “não”. Se mobilizamos, com tanta energia, a sociedade brasileira no último dia 23, em torno de apenas um aspecto - o da comercialização das armas -, por que não aproveitarmos esta mesma capacidade de mobilização para questionarmos, com um máximo de seriedade tantos outros - e importantes! - aspectos relacionados ao mesmo drama?

            Por exemplo: que tal utilizarmos este momento para debatermos, com coragem e determinação, um dos recados mais gritantes do resultado deste referendo. Qual seja, a verdade incontestável de que o que levou a população a votar maciçamente no “Não”, é, principalmente, o completo descrédito do povo brasileiro quanto à possibilidade do Estado para defendê-lo.

Esta é a hora perfeita, Srªs e Srs. Senadores, para discutirmos e encontrarmos uma política de segurança pública eficaz, que devolva ao cidadão brasileiro, a confiança na capacidade do Governo - seja ele qual for - de proteger cada um de nós!

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/10/2005 - Página 36128