Discurso durante a 187ª Sessão Especial, no Senado Federal

Reverência a memória de Sua Santidade o Papa João Paulo II.

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Reverência a memória de Sua Santidade o Papa João Paulo II.
Publicação
Publicação no DSF de 26/10/2005 - Página 36086
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOÃO PAULO II, PAPA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, CONTRIBUIÇÃO, POLITICA INTERNACIONAL.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Marco Maciel; Dom João Braz de Aviz, arcebispo metropolitano de Brasília; Dom Lorenzo Baldisseri, núncio apostólico; Dom Heitor de Araújo Sales e Dom Eugênio de Araújo Sales, que estiveram presentes nesta cerimônia, prestigiando este momento, eu diria marcante, da História do Senado Federal, da História da Igreja; Dom José Freire Falcão, arcebispo emérito de Brasília; Dom Odilo Pedro Scherer, Secretário-Geral da CNBB; Sr. Pawel Kulka Kulpiowski, Embaixador da Polônia; demais representações diplomáticas; Srªs e Srs. Senadores, eu tinha preparado uma reflexão mais aprofundada sobre o significado deste momento da história do Papa João Paulo II e sobre a importância desta homenagem que hoje prestamos a Sua Santidade. Mas depois da exposição consistente, rigorosa, como sempre, do Senador Marco Maciel e da intervenção apaixonante, como tudo o que faz, do Senador Pedro Simon, não repetirei argumentos nem reforçarei reflexões. Vou falar do meu sentimento a respeito de Karol Wojtyla, que marcou a História do século XX e do início do século XXI. Em seu longo pontificado de 26 anos e meio, atravessou um dos períodos de grande turbulência da história política internacional. Meu sentimento é que a primeira marca de sua passagem como esse grande líder da Igreja Católica Apostólica Romana da nossa Igreja e da Humanidade é a marca do compromisso com a liberdade e com a democracia. Acho que isso vem da própria experiência de quem viveu um País que tantas vezes foi invadida, ao longo da História, que sempre teve na sua identidade nacional quase que uma utopia em determinados momentos, que viveu regimes totalitários como o nazismo, massacres e perseguições importados já da experiência anterior da Rússia dos progromos contra a comunidade judaica, um país que enterrou tantos filhos ao longo da História. E nesse país que viveu também um regime totalitário do Leste Europeu, a Igreja foi a grande instituição de resistência democrática e da cidadania. Era na Igreja que os homens se reuniam para manter os seus valores culturais, o seu amor pela Polônia e a perspectiva de resistir a todo esse processo de desconstituição da identidade de um povo, de uma cultura, de uma nação.

Karol Wojtyla assistiu ao nascimento do Solidarnosc, à luta pela democracia, aos ventos de liberdade e à perspectiva de construir uma Europa não mais dividida, mas uma Europa que respeitasse a diversidade cultural, a identidade de cada um. Essa é a primeira marca e uma grande contribuição. Essa vivência única, porque em poucos lugares do mundo a opressão esteve tão presente como na Polônia, levou a outra característica fundamental do seu pontificado, o ecumenismo.

O ecumenismo é o reconhecimento do outro. O ecumenismo é o respeito à diversidade cultural, às opções religiosas, aos credos. O ecumenismo é a expressão da tolerância, do diálogo, do entendimento, da riqueza da diversidade. Em poucos momentos da história, o ecumenismo avançou tanto como no pontificado de João Paulo II, porque o ecumenismo com João Paulo II não era apenas os encontros oficiais da estrutura eclesiástica ou um ou outro evento que reunisse igrejas distintas. O ecumenismo era uma atitude permanente de um homem que buscava falar a língua dos outros, de um homem que perdoou e enfrentou temas dolorosos para a Igreja mas indispensáveis para o cristianismo como, por exemplo, o pedido de perdão aos judeus pelo comportamento que a Igreja teve durante a II Guerra Mundial. A atitude ecumênica é outra marca fundamental do seu legado, da sua trajetória.

João Paulo II, já foi dito aqui, deixou uma ampla obra teológica e literária e o mais importante: uma obra que foi lida, que chegou aos homens, a tantas culturas, a tantas nações. Uma coisa que mais me chamou a atenção foi que João Paulo II marcou profundamente a juventude. Ele conseguiu falar com a juventude, dialogar com a juventude, atingir a juventude. O meu sentimento em relação a isso ficou muito forte nos funerais do Papa. Estivemos juntos Nelson Jobim, o ex-Presidente da Câmara Severino Cavalcanti, o Presidente Renan Calheiros. Apenas João Paulo II poderia reunir aquelas pessoas. Ali estavam os ex-Presidentes José Sarney, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, que foi conosco no avião, e várias denominações religiosas, o que demonstrava a importância que tinha o ecumenismo não só na sua passagem mas também na sociedade brasileira. Naqueles funerais - esse é um ritual que marca definitivamente nossa vida - via-se a pluralidade das representações religiosas que estavam lá: todas as culturas, todas as etnias, todas as religiões, todos os Chefes de Estado, homens que nunca se encontrariam a não ser ali e que talvez não se cumprimentassem a não ser ali. Estavam todos lá. O Papa visitou, três vezes, o Brasil, país profundamente católico. Aquelas manifestações demonstraram o sentimento profundo da sociedade e o quanto os homens podem aprender com os grandes líderes da Igreja, como João Paulo II. Deixamos todas as diferenças políticas, todas as diferenças partidárias, todas as diferenças religiosas, para criarmos uma unidade como nação numa homenagem a João Paulo II naquele ritual tão forte quanto simples. Era um caixão de pinho muito despojado, sem nenhuma pompa, mas com imensa capacidade de sensibilizar e emocionar não só a população brasileira como também a população mundial.

Gostaria, portanto, de terminar dizendo que é verdade que João Paulo II teve um papel indispensável na integridade da Igreja Católica, que era um grande desafio desse pontificado no momento de tantas mudanças. A força mais importante da sua passagem, da sua mensagem, da sua pregação, da sua profecia foi a sua dimensão de evangelização e de um Papa peregrino. Foi o homem mais visto e o que mais viu o ser humano na história da humanidade. Ninguém viu tanta gente quanto João Paulo II, e ninguém foi visto por tanta gente quanto João Paulo II, não só as 17 milhões de pessoas que participaram das sessões no Vaticano, mas 129 nações que foram visitadas e multidões e multidões e multidões às ruas para encontrar o Santo Padre. Essa convivência com o ser humano, com a pluralidade do ser humano, com o sofrimento do ser humano, com as injustiças, com a fome, com a pobreza, deixou ao final do seu pontificado uma mensagem muito forte de paz, de tolerância, mas também de compromisso de luta contra as injustiças, contra as desigualdades e, portanto, de construção de um mundo mais solidário, mais fraterno e mais humano.

Trouxe todas as publicações que recebi naquela tarde: a missa exequial, os cantos que foram feitos em todas as línguas, de uma forma muito específica. O Presidente Lula, o Presidente José Sarney, o Presidente Fernando Henrique Cardoso e o Presidente Itamar Franco assinaram o meu livro, e eu assinei o deles. Todo mundo registrou ali um sentimento muito profundo de unidade e de respeito de Nação e de povo.

Por isso, acho que, nesta sessão, se eu pudesse dizer algo a esse homem, seria: “Muito obrigado, João Paulo II”. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/10/2005 - Página 36086