Discurso durante a 189ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem a Vladimir Herzog, por ocasião dos 30 anos de sua morte.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Homenagem a Vladimir Herzog, por ocasião dos 30 anos de sua morte.
Publicação
Publicação no DSF de 27/10/2005 - Página 37020
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, VLADIMIR HERZOG, JORNALISTA, VITIMA, HOMICIDIO, DITADURA, REGIME MILITAR, REGISTRO, SOLENIDADE, CERIMONIA RELIGIOSA, LANÇAMENTO, FILME DOCUMENTARIO, LIVRO.
  • ANALISE, HISTORIA, LUTA, COMBATE, DITADURA, REGIME MILITAR, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, TORTURA, IMPORTANCIA, ABERTURA, ARQUIVO, DOCUMENTAÇÃO, PERIODO.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Renan Calheiros, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, quero agradecer aqui a presença do ilustríssimo Sr. Romário Schettino, Presidente do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, companheiro de Vlado Herzog, que veio aqui representando os jornalistas brasileiros, inclusive os de São Paulo, como o seu ex-colega e Presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Audálio Dantas, que era o Presidente daquele sindicato quando ocorreu a tragédia da morte de Vladimir Herzog.

Ontem, Srª Presidente, fez 30 anos que o jornalista Vladimir Herzog foi morto na sede do DOI-Codi, o então poderoso Departamento de Defesa Interna, na rua Tutóia, ali no Ibirapuera, em São Paulo.

            Vlado, como era conhecido, jamais foi esquecido e estará sempre presente entre nós. Desde a semana passada as homenagens a sua memória, como aqui fazemos hoje, se repetem, principalmente em São Paulo, mas por todo o Brasil.

Na semana passada estreou o filme “Vlado, 30 anos depois”, de João Batista de Andrade, atual Secretário Estadual de Cultura, que trabalhou com ele na TV Cultura e o acompanhou desde os primeiros exercícios de cinema.

Recomendo a todos que assistam a esse importante documentário de João Batista de Andrade, em que as pessoas que conheciam tão bem Vlado, como a própria Clarice Herzog, mas os seus amigos e amigas, os seus colegas como Rodolfo Konder, Paulo Markun, Rose Nogueira, Fátima Pacheco Jordão, Fernando Pacheco Jordão dão o testemunho do que era Vlado e o seu significado.

No domingo, repetindo o ato de 30 anos atrás e que representou um marco na história da resistência ao Regime Militar, foi celebrado um culto ecumênico na Catedral da Sé, reunindo lideranças de, nada menos, 17 religiões, depois de um abraço de milhares de pessoas à Catedral, que lotou novamente para louvar a defesa da vida - como disse Dom Paulo Evaristo Arns, a quem devemos a indignação inicial com a morte de Vlado e que se estendeu por todo o País.

Vlado era judeu. Mas todos os cantos religiosos, com tambores e corais, foram entoados por sua memória e espírito. Ao final, o Rabino Henry Sobel, incansável nesses 30 anos, lembrou que a tortura é a marca do mal dos autoritários. E, como foi repetido ontem, na entrega do prêmio Vladimir Herzog pelo Presidente do Sindicato dos Jornalistas, Fred Ghedini, o rabino lembrou que esse mal terrível ainda existe nos recolhimentos de menores, nas delegacias, nas condições de presídios - como informa o relatório da Anistia Internacional sobre o Brasil, entregue também ontem à ONU.

Hoje, examinando o que representa historicamente a morte de Vlado, podemos afirmar que, ao matá-lo na tortura e depois anunciar que ele havia se suicidado, foi a própria ditadura que cometeu suicídio.

Aquele anúncio não pôde ser aceito pela população. Ali, a ditadura militar se suicidou ao tentar mostrar que não havia assassinado Vlado, querendo dizer que Vlado havia se suicidado.

Aquele foi o princípio do fim melancólico dos que pensavam que o poder é eterno, dos que pensavam ser donos da vida e da morte das pessoas, dos que pensavam que matar brasileiros fosse algo normal. Vamos lembrar o que o último ditador do nosso regime militar disse ao se despedir do poder: “Quero que me esqueçam!” E fez um gesto nada educado. Sim, gostaríamos de esquecê-lo. Mas do Vlado e dos outros mortos e torturados nunca esquecemos. A memória e o sentimento não entendem nada de tempo. Os assassinos que, naquela época, agiam em nome do Estado, escondiam os corpos que matavam, faziam o seu transporte à noite em carros de chapas frias, como criminosos que eram, para que fossem enterrados sem nome em valas clandestinas. Fizeram isso com centenas, mas não podiam fazer a mesma coisa com o corpo de Vlado. Montaram aquele cenário macabro, com o corpo magro pendendo de uma corda. Inventaram uma história de suicídio na qual ninguém acreditou. Com a morte de Vlado, a sociedade brasileira tomou coragem e disse “Basta!” Chega de crueldade, chega de mortos, chega de pessoas e famílias dilaceradas.

A ditadura resistiu e ainda matou outra pessoa logo depois, acusando-o da mesma coisa: ser membro do Partido Comunista Brasileiro, como se isso fosse um crime a ser punido de maneira extrema. O operário Manoel Fiel Filho passou pelo mesmo martírio, e o seu suplício confirmou que a ditadura não podia continuar daquela maneira, Presidente Serys Slhessarenko.

Caiu o Comandante do II Exército. O Governo Geisel começou a falar em “distensão lenta, gradual e segura” - entre aspas. As famílias começaram a querer, como ainda hoje, os restos dos seus mortos. A anistia, nascida da idéia de uma mulher, Terezinha Zerbini, passou a ser uma campanha nacional. Queríamos os presos políticos fora das cadeias, queríamos a volta dos exilados, queríamos o Brasil livre daquele luto constante e absurdo. Nós, que somos um povo com um projeto constante de felicidade, queríamos parar de falar entre dentes e poder gritar e sorrir de novo. Por isso, queremos a abertura dos arquivos da ditadura, para procurar e enterrar nossos mortos, saber direito o que aconteceu com tanta gente, para que nos encontremos com a nossa própria história.

É em homenagem ao Vlado que eu gostaria de reiterar a importância de sabermos exatamente tudo o que ocorreu naquele período. É um direito dos familiares daqueles que foram perseguidos saber a história completa. É importante que o Presidente Lula esteja atento a este anseio de todos nós brasileiros.

A morte de Vlado nos fez chorar e até hoje incomoda. Como disse Frei Betto em seu artigo tão belo, publicado na segunda-feira, “Herzog, memória subversiva”, citando Santo Tomás de Aquino, a tortura é crime maior que o homicídio. E ainda ele, o frade dominicano que lutou contra a ditadura e diz sempre não querer para seus torturadores o que lhe fizeram na prisão, lembra Isaías, que afirmou, 2.800 anos atrás, que “só haverá paz na humanidade como fruto da Justiça”. É isto que o Vlado, morto subversivo, e todos os outros perseguidos representam: o nosso sofrido caminho para a realização da Justiça e, como conseqüência, a verdadeira paz.

Conheci Vlado quando eu estava entrando na revista Visão e ele saindo de lá, sendo substituído por Rodolfo Konder. E ali interagimos um pouco. Foi então que ele seguiu para a TV Cultura.

José Mindlin, que era o Secretário de Ciência e Tecnologia do Governador Paulo Egídio, avaliou que Vlado era uma pessoa extremamente competente e que poderia estar à frente do jornalismo da TV Cultura, ao lado de Fernando Pacheco Jordão. Ali, ambos iniciaram o telejornal Hora da Notícia. Estavam não apenas Vlado, como editor, e João Batista de Andrade, atual Secretário de Cultura do Estado de São Paulo. Eles montaram uma redação com pessoas como Rose Nogueira, que hoje me ajudou a recordar estes fatos.

Vlado, que nasceu na antiga Iugoslávia e desde pequeno soube o que era perseguição, porque seus próprios pais haviam sido perseguidos em função de sua família ser judia, e tiveram de fugir, eles todos, da perseguição do nazismo, tinha um verdadeiro amor pela liberdade e detestava todo e qualquer tipo de tortura. Na redação do jornal Hora da Notícia, ele tantas vezes teve que enfrentar a censura, que impedia, por exemplo, noticiar-se qualquer coisa sobre D. Hélder Câmara, ou seja, o Arcebispo de Recife e Olinda não poderia ser citado.

A palavra “crise” era proibida; para substituí-la escreviam, por exemplo, “questão”, “problema”, inventavam um sinônimo. Todas as proibições de censura que chegavam por telex eram pregadas ali na parede coberta por esses telegramas e que ficou na memória de toda aquela equipe de jornalistas.

Pois bem. No dia 24 de outubro, trinta anos atrás exatamente, depois de ter sido procurado em casa pela polícia, Vlado, ele próprio, resolveu se apresentar na manhã seguinte nas dependências do DOI-CODI.

Fernando Pacheco Jordão, no livro Dossiê Herzog - que recomendo assim como o livro que está sendo lançado de Paulo Markun -, relata como os próprios diretores da TV Cultura, tendo sabido do fato, foram, cerca de cinco, seis pessoas, à casa de Clarice, a mulher de Vlado, dizer a ela o que tinha ocorrido, pois tinham tido a comunicação de que Vlado morrera, mas não conseguiam dizer a ela a circunstância em que teria ocorrido. E eis que ela, na sua intuição, percebeu o que havia ocorrido e disse com toda a sua força para eles: “Mataram o Vlado. Eles mataram o Vlado que não tinha nada, não fez nada. Eles mataram o Vlado”.

Srª Presidente, que esse grito de Clarice Herzog, que ecoa com tanta força até hoje, que está sendo ouvido por todos esses anos, seja o grito de amor à liberdade, o amor à democracia, para que nunca mais crimes contra a pessoa ocorram no Brasil, seja contra jornalistas brilhantes, como Vlado Herzog, seja contra toda e qualquer pessoa, seja contra missionários, como a Irmã Doroty Stang, seja contra moradores de ruas ou mendigos, como aqueles que recentemente foram mortos nas ruas do Rio de Janeiro e de São Paulo, seja contra aqueles que estejam nesta hora em celas superlotadas do sistema penitenciário brasileiro, que infelizmente ainda sofrem maus-tratos como aqueles infringidos a Vlado Herzog, morto pelos maus-tratos dos que eram responsáveis pela sua pessoa.

Srª Presidente, que a luz de Vlado Herzog esteja sempre iluminando os amantes da realização da justiça, da liberdade e da democracia.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE DO SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“Herzog, memória subversiva”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/10/2005 - Página 37020