Discurso durante a 189ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Os problemas enfrentados pelo setor pesqueiro da Amazônia.

Autor
Valdir Raupp (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Valdir Raupp de Matos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PESCA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Os problemas enfrentados pelo setor pesqueiro da Amazônia.
Publicação
Publicação no DSF de 27/10/2005 - Página 37247
Assunto
Outros > PESCA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • REGISTRO, GRAVIDADE, SECA, REGIÃO AMAZONICA.
  • ANALISE, PROBLEMA, SETOR PESQUEIRO, AGRICULTURA, REGIÃO NORTE, NECESSIDADE, SOLUÇÃO, SITUAÇÃO, FALTA, INFRAESTRUTURA, ACONDICIONAMENTO, PEIXE, APLICAÇÃO, LEGISLAÇÃO, LIMITAÇÃO, PESCA, PERIODO, REPRODUÇÃO, SECA, AUSENCIA, RECURSOS HUMANOS, RECURSOS FINANCEIROS, CONSCIENTIZAÇÃO, PRESERVAÇÃO, RECURSOS AMBIENTAIS.
  • DENUNCIA, CONFLITO, PESCADOR, PESCA PROFISSIONAL, PESCA ARTESANAL, RESULTADO, REDUÇÃO, ESTOQUE, PEIXE.
  • NECESSIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, DESENVOLVIMENTO, CONHECIMENTO, PISCICULTURA, REGISTRO, ATUAÇÃO, INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZONIA (INPA), DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, PESCADO.
  • EXPECTATIVA, PAIS, INTEGRAÇÃO, BACIA AMAZONICA, BUSCA, POLITICA, IMPLEMENTAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, PROTEÇÃO, RECURSOS NATURAIS, REGIÃO, RESPEITO, NORMAS, CONDUTA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA (FAO).

O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Amazônia detém a maior biodiversidade e é um dos ecossistemas mais íntegros e produtivos do planeta. Apesar disso, ou talvez por isso mesmo, é a região que mais tem chamado a atenção do mundo e enfrentado os maiores desafios para se desenvolver de forma harmônica e sustentável. Estamos vivenciando neste período, uma das piores secas já enfrentadas na região, o que nos leva a uma reflexão sobre as razões e os motivos dessa situação, que está causando enorme angústia a muitos residentes na região.

Quero hoje falar sobre os problemas enfrentados pelo setor pesqueiro na região, muito importante na alimentação da Região Norte, que são variados, às vezes interdependentes, entretanto, em linhas gerais, os mais importantes dizem respeito à própria atividade pesqueira e, secundariamente, à aqüicultura e à tecnologia do pescado.

No caso da pesca, praticamente toda a produção dos barcos pesqueiros é acondicionada, transportada e vendida em gelo. Como não há infra-estrutura suficiente para isso, ocorre normalmente que os peixes de segunda categoria capturados acabam sendo desbaratados ou mesmo lançados fora para ceder lugar às espécies mais importantes capturadas simultaneamente ou num momento posterior. Segundo Geraldo e Ana Carolina Mendes dos Santos, estimativas informais dão conta de até 30% de estrago do pescado, por atitudes desse tipo.

Alguns fundamentos científicos e a própria percepção cultural do pescador são suficientes para indicar o período de desova como o momento mais apropriado para aplicação das leis de defeso.

Afinal, o período de desova corresponde ao ápice da vida dos reprodutores, quando eles estão gerando novos seres semelhantes a si mesmos e quando seu estado fisiológico inspira cuidados. Entretanto, há que se considerar que o período de desova corresponde à enchente dos rios, havendo melhores condições de escape que o período da seca, quando os peixes normalmente ficam isolados. Nesse período, tanto as taxas de predação natural como de vulnerabilidade à pesca se tornam enormes, talvez ainda maiores que no período da reprodução. É também no período de seca que o esforço de pesca se acentua e as perdas aumentam, já que o mercado está saturado e mais exigente quanto à qualidade do pescado. Importa considerar que a perda dos indivíduos aptos a reproduzir acaba resultando em prejuízo para a população, quer eles sejam sacrificados na seca, quando ainda em repouso ou logo depois, na enchente, quando estão reproduzindo. Assim sendo, as leis de defeso tradicionalmente aplicadas na época de reprodução também deveriam ser aplicadas no período de seca, pelas razões expostas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, questionamentos e sugestões semelhantes a esses já foram apresentados por diversos autores em relação às restrições da pesca na região do médio Amazonas. Essa convergência de idéias pode ser um processo estruturante de novos parâmetros ou, talvez, de implementação de modelos alternativos capazes de contribuir para o aprimoramento da gestão dos recursos pesqueiros da região.

Outra questão relevante no universo da pesca amazônica diz respeito aos conflitos que vêm pautando as relação dos pescadores profissionais, considerados "gente de fora" com os ribeirinhos, tanto pescadores artesanais, como agricultores e criadores de gado.

A diminuição de alguns estoques pesqueiros da região já é fato bastante conhecido, tanto pela redução da quantidade como do tamanho de algumas espécies. O pirarucu e o tambaqui são claros exemplos disso. Crampton chama a atenção para o fato de que um grande número de espécies raras ou mesmo endêmicas possa estar sendo explorado na pesca de peixes ornamentais, em níveis acima da capacidade de suporte e, portanto, com sérias ameaças aos estoques naturais.

À parte das implicações político-administrativas, limitações técnicas quanto à infra-estrutura e deficiências no manejo, o setor pesqueiro também é vítima das lacunas de conhecimentos técnico-científicos. Quanto a isso, cabe mencionar a falta de séries históricas dos níveis de produção pesqueira em grande parte dos mercados e as questões ainda não esclarecidas quanto à correta identificação e hábitos de vida de muitas espécies de peixes. Paralelamente a isso, há também que mencionar a deficiência de infra-estrutura laboratorial e de pesquisadores e técnicos em número e qualidade suficientes para a geração dos conhecimentos necessários para atendimento das demandas reais e reprimidas do setor, incluindo pesquisa, ensino e extensão.

A piscicultura vem sendo testada na Amazônia de diferentes maneiras, incluindo tanques artificiais, represamento de nascentes, fechamento de trechos de igarapés, gaiolas flutuantes e até repovoamento de lagos e lagoas, embora ainda existam obstáculos que precisam ser superados para que ela se desenvolva plenamente e possa enfrentar a concorrência do pescado natural, quase sempre mais apreciado e acessível a menor preço nos mercados locais.

Evidentemente, por se tratar de atividade que não tem tradição na região, que requer infra-estrutura física e técnica e envolve custos operacionais, padece de sérias limitações. Dentre essas, podem ser destacadas a falta de "pacotes tecnológicos" aplicáveis às condições amazônicas, a escassez ou inconstância de matérias-primas para fabricação de ração, altas taxas de predação, incluindo o furto, além da suscetibilidade de fuga pelo rompimento das barragens na ocasião das chuvas e morte causada pela desoxigenação das águas, devido às altas temperaturas e proliferação de microorganismos concorrentes. Apesar disso, esforço crescente e resultados promissores estão à prova, evidenciando que essa atividade é bastante estratégica para a região, sobretudo por causa de fatores positivos disponíveis, como abundância de água, condições climáticas e aumento de demandas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quanto à tecnologia do pescado, trabalhos pioneiros vêm sendo desenvolvidos há cerca de duas décadas por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia com o apoio de órgãos regionais de apoio e fomento. Resultados promissores vêm sendo obtidos de técnicas modernas e mais eficientes de salga, secagem e congelamento, bem como na agregação de valor, transformando o pescado em fishburger, defumados, triturados, empanados, marinados.

Tratamento tecnológico tem sido aplicado também na transformação da pele de peixes em couro para fabricação de vestimentas, sapatos, cintos, bolsas e carteiras, dentre outros. Tais produtos e processos ainda se encontram em fase experimental, sendo que seus contornos tecnológicos e de mercado ainda não estão bem delineados. É provável que os principais obstáculos atuais estejam relacionados à falta de infra-estrutura e equipamentos indispensáveis para uma produção em larga escala, abertura de mercado e garantia de lucratividade.

Além das dificuldades inerentes a esses dois setores específicos, a pesca amazônica, em seu sentido amplo, enfrenta outros problemas relativos à insuficiência de recursos humanos e financeiros e, talvez mais importante, à falta de conscientização dos atores da pesca e da sociedade em geral sobre a real importância da preservação e uso responsável dos recursos pesqueiros e do meio ambiente como um todo.

No entanto, deve-se considerar que, ao lado das dificuldades e limitações, há também aspectos positivos, como a extraordinária diversidade biológica e potencialidade de recursos naturais, experiências pioneiras bem-sucedidas em áreas estratégicas e um apelo natural que o nome da Amazônia desperta em todo o mundo, indicando boa acolhida e sucesso em todos os produtos, serviços e processos de qualidade oriundos dessa região.

As características ambientais e climáticas, especialmente os ciclos de chuva e de inundação dos rios, determinam ou influenciam o padrão de distribuição e a ecologia geral dos peixes e, conseqüentemente, o padrão da pesca e do comportamento do pescador. Como elementos do final da cadeia produtiva, até mesmo a indústria, o comércio e o próprio consumidor acabam sendo afetados e, em certa medida, também afetam tais condições. Essa premissa é importante não somente para as considerações ecológicas que devem ser feitas quando se busca um entendimento amplo das variáveis ambientais e suas inter-relações, mas sobretudo para uma definição de conceitos gerais e adoção de medidas eficazes no manejo dos recursos pesqueiros. Nesse sentido, todo e qualquer plano de manejo que seja alicerçado na exata noção de sustentabilidade deve sempre levar em consideração os dois princípios seguintes:

A bacia hidrográfica amazônica funciona como um sistema amplo, aberto e integrado, sendo determinante para isso os fluxos de energia entre o ambiente aquático e o terrestre, especialmente as áreas de mata alagada e as macrófitas aquáticas. Além de fontes alimentares diretas, essas plantas contribuem com o fornecimento de alimentos secundários, abrigo, esconderijo e espaços vitais.

Os níveis de produção de pescado, o comportamento dos peixes e a atividade pesqueira estão intrinsecamente relacionados com os pulsos de inundação; assim sendo, as leis de defeso devem levar em consideração não apenas o período de desova, como vem sendo feito historicamente, mas a vulnerabilidade dos estoques à captura no pico da seca, quando os peixes se encontram naturalmente isolados e sem condições de defesa.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a bacia amazônica forma uma unidade de drenagem estruturalmente bem definida, mas encontra-se sob jurisdição de nove países. Mesmo admitindo que cada um deles pode e deve implementar suas próprias políticas, de acordo com suas particularidades e interesses, é evidente que deve haver uma pauta mínima para ações comuns, capazes de otimizar o uso e viabilizar a proteção dos recursos naturais transfronteiriços. Isso é particularmente válido para os peixes migradores de longa distância, como os grandes siluriformes que normalmente se deslocam entre o estuário e as nascentes do Amazonas e seus principais afluentes de água branca.

Torna-se evidente que os planos de manejo devem abranger toda sua área de distribuição e não apenas espaços delimitados politicamente. Assim sendo, acordos multinacionais já bem estabelecidos, como Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), e a Comissão para a Pesca Interior na América Latina (Cpescal) poderiam constituir-se em instâncias apropriadas para a implementação de tais ações, sobretudo nas áreas de pesquisa científica e estratégias protecionistas de estoques e áreas de endemismo.

Em condições naturais, a ictiofauna e o ambiente aquático formam uma unidade coesa, harmônica e equilibrada; assim, planos de manejo alicerçados em elementares princípios de sustentabilidade devem focar não apenas a atividade pesqueira, mas as condições humanas do entorno, a qualidade da água e das áreas de terra firme drenadas por ela.

Evidentemente, esse entendimento não é uma novidade. Aliás, os princípios gerais contidos no código de conduta para a pesca responsável, editado pela FAO em 1995, apontam exatamente nessa direção ao afirmar que "os estados e os usuários dos recursos aquáticos deveriam conservar os ecossistemas dos quais eles dependem. O direito de pescar traz consigo a obrigação de fazê-lo de forma responsável, a fim de assegurar a conservação e a gestão efetiva dos recursos aquáticos vivos". O mais importante, no entanto, é que tais princípios sejam transformados em ação o quanto antes, de forma efetiva e duradoura.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/10/2005 - Página 37247