Discurso durante a 190ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre as denúncias feitas contra parentes de autoridades públicas. (como Líder)

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • Considerações sobre as denúncias feitas contra parentes de autoridades públicas. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 28/10/2005 - Página 37316
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • REPUDIO, VINCULAÇÃO, FAMILIA, POLITICO, IRREGULARIDADE, VIDA PUBLICA, ACUSAÇÃO, DESRESPEITO, DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS, PREJUIZO, ESTADO DEMOCRATICO.
  • CRITICA, PROCURADOR DA REPUBLICA, APRESENTAÇÃO, RELATORIO, INVESTIGAÇÃO, IMPROBIDADE, ADMINISTRAÇÃO, FILHO, JOSE DIRCEU, DEPUTADO FEDERAL, PERIODO, DECISÃO, CASSAÇÃO, MANDATO, CONGRESSISTA, ACUSAÇÃO, MANIPULAÇÃO, INFORMAÇÃO.
  • DEFESA, REPUTAÇÃO, FILHO, JOSE DIRCEU, DEPUTADO FEDERAL, ESCLARECIMENTOS, VIDA PUBLICA, OBJETIVO, RESPOSTA, ACUSAÇÃO, PROCURADOR DA REPUBLICA.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, começo trazendo um depoimento pessoal que talvez ajude a entender o sentimento que tenho toda vez que vejo um filho ou uma filha de um homem público ser utilizado como instrumento para atacar o mandato de quem quer que seja.

Comecei a militar muito cedo, ainda adolescente e fiz, àquela época, no início da minha juventude, uma opção pela luta democrática contra a ditadura militar. Desde então, fui militante de esquerda por convicção, por opção, por decisão pessoal.

Meu pai era um militar que acreditava nas Forças Armadas, que acreditava no País, desempenhou funções importantes ao longo de toda a sua carreira. Chegou a ser General do Exército e Comandante da Escola Superior de Guerra.

Desde cedo, aprendi em casa que eu tinha o meu caminho, a minha identidade e ele a dele e que a democracia por que eu lutava para conquistar no Brasil existia dentro de casa. Tive a opção absolutamente segura do que eu achava que deveria ser o caminho da sociedade brasileira. Meu pai soube respeitar a minha decisão, e convivemos respeitosamente, com todas as nossas divergências políticas e ideológicas, ao longo de mais de 35 anos de militância.

Portanto, todas as vezes que vejo o filho de alguém ser atingido simplesmente pelo vínculo materno ou paterno, tenho um profundo sentimento de injustiça e subo a esta tribuna para me posicionar com toda transparência.

Ao longo da minha vida este sentimento se fortaleceu. Fiquei viúvo em 1982. A minha companheira, Jane, tinha uma filha, Juliana, que ajudei a criar. Depois que ela faleceu, não tive a possibilidade de continuar a exercer a paternidade. E lutei também por isso muito tempo. Acabei de aprovar essa licença paternidade para filhos adotivos como parte da minha experiência de vida. Então, o sentido da paternidade para mim é muito especial, tem um significado muito profundo de continuidade da vida. Esse sentimento não pode ser agredido, nem mesmo em processos políticos tumultuados, difíceis, como esses que estamos atravessando.

Vim à tribuna outro dia para me posicionar em relação à matéria que eu tinha lido, a qual fazia uma crítica à filha do Governador Geraldo Alckmin. A crítica era a de que ela estaria presente em uma audiência em que houve favorecimento à loja Daslu. Eu disse que achava aquele favorecimento fiscal indevido, acho que não deveria ter sido concedido, mas seguramente o favorecimento não ocorreu porque a filha do Geraldo Alckmin estava na audiência e era gerente dessa loja; foi dado porque a Daslu é uma loja dos ricos, dos muito ricos, uma loja que tem poder e capacidade de negociação com o Estado. Seguramente se ela estivesse na audiência com uma entidade ou uma loja da 25 de Março aquele benefício de arrecadação de ICMS não teria sido dado.

Da mesma forma, vim a esta tribuna para dizer que a discussão travada para saber se a filha do Prefeito de São Paulo, José Serra, tinha ou não uma sociedade com a irmã do Sr. Daniel Dantas não seria assunto de interesse público se não houvesse alguma irregularidade relacionada com essa empresa.

E também vim a esta tribuna para dizer que achava absolutamente inaceitáveis as críticas que se faziam ao filho do Presidente, o Fábio, porque era uma empresa exitosa, na área de informática, de software, e que mais de uma empresa tentou comprá-la. Finalmente ela foi vendida por um valor significativo. Como se tratava de ação entre empresas privadas, não estava envolvido dinheiro público, não havia interesse público, eu não via outra intenção, com a importância que se tentou dar àquele assunto, a não ser a de atacar a figura do pai dela.

E por este caminho, as famílias dos homens públicos vão ficando sem muitas alternativas. De um lado, se vierem a trabalhar no setor público, seguramente serão acusados de nepotismo. Eu, particularmente, acho inaceitável o vínculo familiar como critério de acesso ao Estado. Isso vem da tradição monárquica. Na República, o princípio republicano fundamental é o da meritocracia, isto é, as pessoas devem ter acesso ao Estado pela sua competência, mediante concurso público. Mesmo nos cargos de confiança não recomendo que esta relação se estabeleça.

Portanto, a opção é a iniciativa privada, mas se também na iniciativa privada a suspeição é permanente por causa do vínculo familiar, estamos cometendo, eu diria, uma agressão a direitos e garantias individuais.

Tenho repetido desta tribuna que o Parlamento - e eu tenho uma identidade muito grande com a reflexão de Tocqueville - é, acima de tudo, a Casa da defesa das garantias e prerrogativas individuais. Nesse processo que estamos vivendo, de tantas denúncias e apurações de práticas absolutamente inaceitáveis que ocorreram na vida pública e dos problemas de financiamento de campanha, nós já não pode continuar esse tipo de situação. Defendemos uma reforma político-eleitoral profunda no País, que infelizmente a Câmara ainda não votou.

Nesse cenário, é preciso que mantenhamos alguns valores fundamentais: o direito de defesa, a presunção da inocência, o devido processo legal e a isenção investigativa.

Desde o século XIII, na Carta Magna da Inglaterra esses princípios foram constituindo a base de uma sociedade democrática do Estado de direito e das garantias e direitos individuais. E estão na Constituição Brasileira. É sobre isso que eu quero falar.

Hoje, eu li nos jornais, em várias matérias, em quase todos os veículos, que o Procurador da República Luciano Sampaio Gomes Rolim estava apresentando o relatório de uma investigação de mais de um ano e meio que representaria uma ação por improbidade administrativa contra o ex-Ministro e Deputado Federal José Dirceu e seu filho José Carlos Becker de Oliveira, o Zeca Dirceu. A primeira coisa que me chamou a atenção foi o fato de uma investigação de um ano e meio ser divulgada exatamente no dia em que o Conselho de Ética se reunia e publicada antes da votação. O Sr. Procurador disse que foi coincidência. Uma resposta como essa está de acordo com o princípio fundamental da isenção investigativa? Pergunto: se há um inquérito que ainda não foi apresentado ao Procurador-Geral da República - que ele, só ele pode representar contra um Parlamentar, portanto não há sequer um inquérito instalado - como resultado de um processo de investigação, como o Procurador dá uma entrevista 24 horas antes, sem sequer ter apresentado ao Procurador-Geral da República o produto de seu trabalho, na véspera da decisão do Conselho de Ética?

Pergunto se estamos avançando na construção de uma sociedade democrática, em que o Estado de direito, as garantias e prerrogativas individuais devem ser preservadas em todos os cenários, em todos os contextos. Seguramente, não. Seguramente, não!

Agora, do que trata a denúncia? Li, evidentemente pela imprensa, já que não tive acesso aos autos. Eu fui logo atento: será que há desvio de dinheiro público? Será que há interesses privados que foram beneficiados com a transferência de dinheiro do povo brasileiro? O próprio Procurador diz que não, que não há nenhum indício de desvio de dinheiro público. Então, do que trata a denúncia? O Sr. José Carlos Becker, o Zeca Dirceu, teria se beneficiado da condição de filho para liberar emendas de Parlamentares que beneficiavam Prefeituras da região próxima da Cidade de Cruzeiro do Oeste.

O Sr. Zeca PT - ou Zeca Dirceu, a diferença é pequena nesse caso - exercia alguma função pública nesse caso? Exercia. Ele foi primeiro Secretário de Indústria e Comércio do Município antes de ser prefeito de Cruzeiro do Oeste. Ele foi Secretário de Indústria e Comércio. Não se menciona isso. Nenhuma matéria diz que ele foi Secretário do Município. Também não diz que, a partir de 2002, ele exercia a função de coordenação do escritório regional em Umuarama, da Secretaria de Emprego e Renda do Governo do Paraná, ainda que já algum tempo atrás, há bastante tempo, o Governador Roberto Requião tenha dito que ele exercia função, desempenhava essa atividade, sob a responsabilidade do Governo do Estado.

Se ele era o Coordenador do Escritório Regional de Emprego e Renda nessa região, é evidente que uma das suas funções públicas era disputar recursos para a região. E que recursos ele trabalhou junto ao Governo Federal, com outras autoridades regionais, especialmente os Prefeitos da região, buscando liberar emendas parlamentares, de Parlamentares que não eram necessariamente do PT - Parlamentares de todos os Partidos - que, de alguma forma, pretendiam liberar recursos orçamentários para investir naquelas Prefeituras, sobre o escritório no qual ele tinha responsabilidade de Estado? Segundo consta, esse trabalho ajudou a liberar emendas para as Prefeituras locais.

Onde está a denúncia? O suplente de Deputado Federal, coordenador de um escritório, se não tivesse o nome do pai, isso não seria tratado em nenhum lugar. Se ele não tivesse esse sobrenome, não teria que responder por essa atitude. Não houve desvio de dinheiro público.

            Há uma outra parte da denúncia que me parece muito grave. Ele teria conseguido uma audiência pública com o Presidente Lula para tratar de uma feira de exposição na região - Expovest. Foi fazer o convite ao Presidente, pedir a sua presença na feira que trataria das atividades agrícolas e industriais na região.

(Interrupção do som.)

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - O Presidente concedeu a entrevista, a audiência. Pergunto: concedeu por que era o chefe do Escritório Regional do Governo do Estado Paraná, em Umuarama? Não sei. Mas não tenho dúvida de que, se o Presidente pudesse receber o Zeca Dirceu, que ele conhece acho que desde que ele nasceu - não desde que nasceu, porque naquela época o Zé Dirceu estava na clandestinidade, mas conhece há muitos e muitos anos, viu crescer -, seria uma deferência que qualquer homem público faria com um colaborador do seu Governo.

Pergunto ao País o seguinte: quantas e quantas horas esse menino não teve a presença do pai porque estava no Governo, no PT ou na vida pública? Quantas e quantas horas essa criança cresceu sem a presença do pai, porque ele tinha um compromisso com o serviço público? O Presidente da República recebeu o filho do coordenador da sua campanha para fazer um convite para uma exposição e é criminalizado, com tom de um processo gravíssimo. Sinceramente, lamento que esse tipo de expediente esteja acontecendo no País.

Espero que o Conselho Superior do Ministério Público analise esse caso. Que a imprensa brasileira avalie bem as atitudes.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI. Fazendo soar a campainha) - Prorrogo, pela segunda vez, o tempo do seu brilhante pronunciamento.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Não estou aqui, pedindo da tribuna, que o filho de qualquer homem público tenha uma imunidade porque é filho. Se ele cometer algum ato de ilegalidade, de improbidade, de desvio de dinheiro público, tem que pagar, porque não pode ser protegido, não deve ser protegido, porque não é republicano ele ser protegido. Mas ele não pode ser perseguido simplesmente porque tem o mesmo vínculo familiar. Estes dois valores são fundamentais: não perseguir e não proteger. Portanto, falo com a veemência deste protesto, porque acho que essa notícia, no dia de hoje, da forma como foi apresentada, um inquérito que nem sequer foi encaminhado ao Procurador-Geral da República, mas foi divulgado na véspera do Conselho de Ética, tinha uma intenção. Uma intenção que é incompatível com a democracia, com o Estado de direito, com o contraditório, com a isenção investigativa e com o devido processo legal.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/10/2005 - Página 37316