Discurso durante a 192ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Referências à matéria de capa da revista Veja desta semana. Sugere um pacto entre os partidos para evitar que o exagero das reportagens na imprensa impeça o crescimento brasileiro, a governabilidade e a apuração de denúncias relevantes.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA. POLITICA EXTERNA.:
  • Referências à matéria de capa da revista Veja desta semana. Sugere um pacto entre os partidos para evitar que o exagero das reportagens na imprensa impeça o crescimento brasileiro, a governabilidade e a apuração de denúncias relevantes.
Publicação
Publicação no DSF de 01/11/2005 - Página 37725
Assunto
Outros > IMPRENSA. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ANALISE, SUPERIORIDADE, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, NOTICIARIO, IMPRENSA, QUESTIONAMENTO, FALTA, RESPONSABILIDADE, ETICA, AUSENCIA, COMPROVAÇÃO, PREJUIZO, INVESTIGAÇÃO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, REPASSE, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, RECURSOS, CAMPANHA ELEITORAL, PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPOSSIBILIDADE, VERACIDADE.
  • DEFESA, AVALIAÇÃO, CRISE, PACTO, PARTIDO POLITICO, PROCEDIMENTO, PUNIÇÃO, CULPA, ISENÇÃO, INVESTIGAÇÃO, RETOMADA, DIRETRIZ, POLITICA NACIONAL.
  • ANALISE, RELAÇÕES DIPLOMATICAS, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, BUSCA, PARCERIA, SOLIDARIEDADE, APREENSÃO, NOTICIARIO, PREJUIZO, COOPERAÇÃO.
  • REGISTRO, POLITICA EXTERNA, REFORÇO, COMUNIDADE, PAIS ESTRANGEIRO, AMERICA DO SUL.
  • COMENTARIO, VIAGEM, GOVERNADOR, ESTADO DO ACRE (AC), GRUPO, EMPRESARIO, PAIS ESTRANGEIRO, PERU, BUSCA, PARCERIA, NATUREZA COMERCIAL.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ouvindo agora as palavras do nobre Senador José Jorge, que desenvolve tão bem o papel de Oposição, tão necessário à democracia brasileira, ao grande debate nacional, eu estava me perguntando: somadas as críticas feitas pelo Senador José Jorge com o que se pode ver nas revistas desta semana, a impressão é que chegamos ao limite máximo das denúncias dentro da conjuntura política brasileira, ao ponto de se dizer que, se espremer mais, vai sair somente sangue, porque é denúncia para todos os lados; não pára mais.

Quando olhamos as principais revistas brasileiras o que se vê é uma verdadeira derrama de acusações, de fatos fortes. Não há a menor sensibilidade para se apurarem efetivamente denúncias merecedoras de atenção, numa demonstração de insensibilidade e irresponsabilidade com a ética.

Eu entendo que as revistas cumprem um papel importantíssimo na democracia brasileira. O jornalismo é para isso mesmo: traduzir o que está acontecendo no cotidiano da sociedade; apontar o pensamento nacional, explicitando as formas como está organizado; expor as dívidas de ordem ética e as dívidas com o desenvolvimento. Mas, do jeito que está...

Confesso a V. Exª que, quando vi a capa da revista Veja, fiquei muito preocupado, porque todos que conhecem o Presidente Fidel Castro sabem que ele seria incapaz de tirar US$100 mil que fosse de um País como Cuba, com as necessidades e dificuldades em que vive. E dizem que ele transferiu US$3 milhões para uma campanha eleitoral no Brasil. Ora, é como se ele não estivesse acompanhando o processo político brasileiro há tantos anos. S. Exª é um dos homens mais bem informados do planeta, que melhor análise política internacional tem. Seria ele capaz de desviar toda uma compreensão da realidade política brasileira, do processo histórico brasileiro, de cada país da América, para, abruptamente, financiar com US$3 milhões a campanha do Presidente Lula em 2002?

Então, é algo assustador! Confesso que a revista foi infeliz. Eu conversava há pouco com um jornalista político que faz trabalho investigativo, Senador José Jorge, que me dizia: “Senador, existe uma coisa que é peremptória sobre isso. Em três caixas de uísque, não é possível acomodar US$3 milhões. São 30 mil notas de US$100”. Ele perguntou-me: “O senhor já viu o que são US$10 mil?” Eu respondi: “Nunca. Graças a Deus, nunca tive a oportunidade de vê-los”. Ele, então, explicou-me que os viu na Polícia Federal. Não tem como caber.

Mas parece que, na revista, um depoente diz: “Em duas caixas, eu vi que havia uísque; mas, na terceira, eu não vi nada. Podia estar lá”. Se não cabem US$3 milhões em três caixas, como vão caber em uma?! Então, é preciso um pouco de sensibilidade. Estamos vivendo um momento político que exige cautela.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Mas eram R$3 milhões.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - De dólares, de dólares. É o que está posto.

Então, o que me impressiona é o fato de haver, num momento tão sério da vida nacional, uma crise de valores éticos, todos cometendo, em alguma parte de seus quadros políticos, erros, desvios. Faz-se mister a necessária apuração isenta, serena, firme por parte de todos. Faz-se necessário que a Oposição tenha um papel fundamental nessa hora do processo democrático e da afirmação das grandes diretrizes do momento político que vivemos, tendo em vista o caminho do desenvolvimento, da recuperação da economia, da afirmação da estabilidade política. Contudo, vem mais uma semana de ataque virulento por todos os lados, do PT ao PSDB, ao PFL, a todos.

Eu estava dizendo há pouco ao Senador José Jorge que vamos ter que escolher Noé, colocá-lo numa arca e subir, porque o dilúvio está vindo. O que querem é o dilúvio. É queda para todos os lados, para que não fique ninguém de pé no cenário político brasileiro. Não sei se é o melhor caminho. Há tanta coisa boa, importante, a fazer neste País. Tanto debate a travar.

Não estamos rompendo com o momento da luta política. Nós temos uma história dentro do processo democrático brasileiro com o Presidente Lula: um filho da pobreza, representante legítimo do operariado brasileiro que chegou à Presidência da República e, como tal, tem uma responsabilidade enorme com o presente e o futuro deste País. Mas é como se nada disso tivesse valor histórico. Nem dentro desse processo histórico se valoriza a biografia, as responsabilidades políticas da sociedade hoje.

Penso que os partidos poderiam fazer uma revisão da crise neste momento e ver que pacto de procedimento nós poderíamos estabelecer. Punam-se todos os culpados! Que se apure tudo a fundo, com a mais absoluta isenção. Agora, que não se venha com isso sufocar o momento de retomada das grandes diretrizes na agenda nacional.

Quando vejo o ataque frontal que estão fazendo também ao Ministro Palocci, penso que fazem esse ataque como que para abatê-lo porque a economia está dando sinais de reação. Abatido o Palocci, vamos avançando no desgaste da crise, até promover a inviabilidade efetiva do Governo, a ruptura súbita do Governo ou da governabilidade.

Não sei esse é o melhor caminho! Tanta coisa que temos pela frente! Um País inteiro a nos olhar, um desafio na área da pobreza, na área da educação, na área do crescimento industrial, existindo condições propícias para que se dêem passos definitivos na mudança dos indicadores do País. Então, a minha preocupação é dessa ordem.

Venho à tribuna hoje, Sr. Presidente, para falar da chamada Comunidade Sul-Americana de Nações. O Presidente Lula tem defendido essa tese com muita ênfase, com muito vigor.

O Governador Jorge Viana fez agora uma viagem com toda a força empresarial do Estado do Acre para o Peru. Foram setenta pessoas na comitiva, visitando essa interligação da Rodovia Bio-oceânica, entre o Atlântico e o Pacífico, que passa pelo Acre, que já está autorizada em execução de obras. Poderíamos fazer tanta coisa bonita nesse momento, mas há uma agenda política que está corroendo a possibilidade de um horizonte promissor.

Antes de entrar nesse tema propriamente dito, concedo um aparte à Nobre Senadora Ana Júlia.

A Srª Ana Júlia Carepa (Bloco/PT - PA) - Obrigada, Senador Tião Viana. Quero parabenizá-lo e dizer que realmente estamos vivendo momentos absurdos. Eu espero que chegue a minha vez, para eu ter a oportunidade de ler um artigo do Emir Sader de ontem, 30 de outubro de 2005. Esse artigo foi escrito para a edição de novembro. O título é “Porque a Veja mente, mente, mente desesperadamente” Quero depois ter a oportunidade de ler este artigo desse professor da USP e da Uerj, coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Estado do Rio de Janeiro e autor de vários livros, porque estamos passando por um momento, Senador Tião Viana, em que realmente é necessário que façamos uma reflexão dos erros que todos nós cometemos. V. Exª, na época, não quis declinar, mas agora posso dizer sua opção de voto para o segundo turno da eleição do PT: tivemos a mesma opção de voto, votamos em Raul Pont. Temos de encarar os erros do nosso Partido e temos de refundá-lo, sim, mas aqueles que pensavam jogar o nosso Partido no lixo da história também continuam errando. Para poder justificar os seus erros, eles inventam, inventam e inventam cada vez mais. Fico espantada de ver a capacidade e a criatividade de se inventar tanto, quando deveríamos estar preocupados com tanta coisa boa. Eu me emocionei muito, Senador Tião Viana, no sábado, quando fui a mais uma inauguração do Programa Luz para Todos na comunidade de Santo Antônio - é o rio Santo Antônio, então é luz para comunidade ribeirinha. Eu tirei fotos e vou levá-las ao Presidente Lula, à Eletrobrás, à Ministra Dilma Roussef, que iniciou esse programa. É de se verificar a criatividade dos engenheiros, pois só foi possível fazer esse projeto por conta disso. Temos um projeto fantástico neste País. Naquela localidade, Senador Tião Viana, falem mal de qualquer pessoa, mas não falem mal do Presidente Lula. Aquele povo que está ali, se hoje tem energia e condições de acesso a crédito para agricultura familiar, deve isso a este Governo. Eles não querem saber, de forma alguma, de quem quer dar golpe neste País. Não quero ocupar todo o seu tempo, parabenizo V. Exª pela coerência da sua intervenção, do seu pronunciamento que mostra nesse momento que um erro não justifica outro, não justifica, mas pior ainda é tomar a atitude de querer investigar apenas alguns. Parece até aquela história: “Aos inimigos, os rigores da lei; aos amigos, os favores da lei”. Não pode ser assim. Ou vamos investigar todos, ou não vamos fazer uma coisa séria, não vamos responder à sociedade brasileira. A sociedade brasileira não quer que nada seja jogado para debaixo do tapete, quer que trabalhemos, que façamos programas como o Luz para Todos, como o Bolsa-Família, como o aumento dos recursos para a agricultura familiar. Que esses programas caminhem para atender e realmente levar cidadania a esse povo que passou décadas e décadas excluído. Esse é o fundo da questão, como o é o acordo, o convênio entre Brasil e Cuba, que conseguiu a melhor medicina do mundo. Esse convênio permitirá um laboratório para atender milhares de pessoas em exame de vista, Senador Tião Viana. V. Exª é médico e sabe que, no fundo, no fundo, o que estão querendo é inviabilizar isto, que o nosso Governo possa fazer esse convênio com o governo de Cuba. É isso que estão querendo inviabilizar! Com esse convênio, serão atendidas 100 pessoas diariamente - o Governo de Cuba garante que atende - de graça! Cem pessoas que não têm condições por dia, Senador Tião Viana! É isto que eles não querem que aconteça, não querem que o povo pobre tenha saúde, não querem que o povo pobre tenha educação, não querem que o povo pobre tenha energia. Não querem. Não querem. As nossas elites, como diz o artigo, aquele panfleto que significa a defesa de Bush, não querem. Não querem absolutamente nada disso. Mas nós queremos. E o povo quer.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço o aparte, Senadora Ana Júlia, que só enriquece a minha fala, e lembro o que V. Exª coloca. Se hoje tivermos sob suspeição as relações diplomáticas entre Brasil e Cuba, as relações comerciais entre esses dois países, nós podemos estar aumentando as injustiças da relação histórica dos países latino-americanos com aquela ilha, cujo povo tem autodeterminação, tem suas contradições e sua vontade de se afirmar sempre como nação.

O Brasil hoje compra de Cuba algo em torno de US$6 milhões por ano e vende mais de US$60 milhões por ano. Quer dizer, é como se fôssemos os predadores de um povo que vive com tanta dificuldade. O Presidente Lula, entendendo essa lógica, quer firmar parcerias de solidariedade, de cooperação mútua, com as quais o Brasil estende a mão, ajuda o desenvolvimento de Cuba. Temos um belíssimo exemplo em Cuba, país no qual para cada mil crianças nascidas vivas quatro ou cinco morrem antes de completar um ano; no Brasil, essa relação é de 29 por mil crianças. Um país pobre como aquele gasta US$40 dólares per capita com saúde. Em média, o Brasil gasta mais de 200. Temos essas contradições. Temos também tanta experiência rica e solidária a se trocar, e vem uma notícia dessa como que para inviabilizar as relações fraternas entre os irmãos latino-americanos.

Mas é possível se rever em profundidade o que é a denúncia justa, o que é a apuração rigorosa dos culpados, o que é a condenação de fato daqueles que merecem. Ninguém aqui está dizendo que o PT não tem erros e que não deva ser condenado, mas essa relação da imprensa, no último final de semana, da revista Veja parece um exagero, uma precipitação desnecessária de quem contribui tanto com o jornalismo brasileiro e com a democracia brasileira.

Agradeço a V. Ex.ª e concluo lembrando dessa viagem que fez o Governador Jorge Viana com mais de setenta empresários, visitando os irmãos peruanos e afirmando a integração sociocultural, política e econômica. Os membros do Estado foram no intuito de fazer parcerias comerciais, comprar produtos peruanos de toda natureza porque não temos matéria-prima para gerar, para beneficiar, para levar valor agregado pensando no que podemos trazer para a Amazônia brasileira e aquilo que podemos levar para venda deles. O Peru e a Bolívia formam um contingente de 33 milhões de habitantes em média que estão comprando ainda muito da Ásia os seus produtos de necessidades elementares. Então, podemos ter a Amazônia muito bem servida com essa parceria que o Governo do Presidente Lula tem consolidado.

Encerro, Sr. Presidente, elogiando e demonstrando a minha enorme esperança na consolidação dessa tese do Presidente Lula de uma comunidade sul-americana de nações e a certeza de que podemos transformar essa crise em um amanhã de estabilidade política, um amanhã de responsabilidade política muito mais sereno e muito mais à altura das dimensões que devem ter a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e os partidos políticos, que têm tanta responsabilidade delegada pelo povo brasileiro.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/11/2005 - Página 37725